A posse de Donald Trump como o 47º presidente da história dos Estados Unidos da América, na última terça-feira, 21 de janeiro, estava nas manchetes de quatro dos principais jornais impressos do Brasil: Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e Valor Econômico. Era notícia velha. Desde as primeiras horas da tarde do dia anterior, o público brasileiro teve acesso, praticamente em tempo real, a informações referentes à volta do republicano ao poder.
O retorno de Trump à Casa Branca é só o exemplo mais recente de que os jornais diários vivem uma crise estrutural. Há mais de uma década, as publicações apresentam conteúdos que o leitor já viu, curtiu e comentou na véspera em portais e nas redes sociais. Bastava ter um celular ou computador.
A insustentabilidade do modelo de negócios do jornal impresso frente à ágil concorrência on-line se confirma com os dados. A circulação cai ano depois de ano. Em março de 1995, a Folha gabou-se de imprimir 1,6 milhão de exemplares de uma única edição. Patamar bem diferente da média diária de aproximadamente 41 mil exemplares registrada em 2023, conforme o Instituto Verificador de Circulação (IVC). A redução foi superior a 97% no intervalo de 28 anos.
Outras empresas de comunicação enfrentam o mesmo problema. Em 2017, cinco títulos contavam com circulação diária média de pelo menos 100 mil exemplares: os paulistas Estadão e Folha, o fluminense O Globo, o mineiro Super Notícia e o gaúcho Zero Hora. Em 2023, nenhum deles atingiu esse volume. Longe disso, aliás. Na ocasião, o IVC colocou o Estadão como o maior jornal impresso do país, com algo em torno de 56 mil exemplares por dia. Publicação pertencente ao Grupo Globo, o Valor Econômico encerrou o ano retrasado com 13 mil exemplares por edição, menos da metade dos 29 mil de 2017.
Esses e outros jornais são, ao menos por ora, sobreviventes. Na cidade de São Paulo, por exemplo, mais de dez publicações diárias chegavam às bancas até o início dos anos 2000, como o Jornal da Tarde e o esportivo Lance. Eles não existem mais. Assim como o carioca Jornal do Brasil, que se despediu das bancas pela primeira vez em 2010. A versão impressa chegou a ser relançada em fevereiro de 2018, mas o retorno durou somente um ano.
Enquanto o JB falhou na missão de resgatar o público, o Agora São Paulo não conseguiu manter os leitores que um dia já teve. A publicação — que era mantida pelo Grupo Folha — deixou as bancas em 28 de novembro de 2021. A manchete da edição derradeira foi a conquista da Taça Libertadores da América pelo Palmeiras, notícia a que o público teve acesso na tarde anterior, por meio de emissoras de rádio, canais de televisão, portais de internet e redes sociais.
Efeito dominó
A crise dos jornais impressos afetou toda a cadeia do modelo de negócio. Nas empresas de comunicação, demissões em massa passaram a ser comuns. O Estadão demitiu 14 profissionais de sua redação em dezembro de 2020 e outros dez em fevereiro de 2023. Em março de 2019, a Folha dispensou 20 jornalistas de uma única vez. Já no jornal O Globo, dispensas em série ocorreram tanto em novembro de 2019 (30 demissões) quanto em novembro de 2023 (mais 20 cortes).
Não foi somente o tamanho das redações que diminuiu no decorrer dos últimos anos. Com equipes enxutas, publicações encolheram o formato de suas versões impressas. Estadão e Folha trocaram o imponente modelo standard, de 52 centímetros de altura por 29 de largura, pelo berliner, que tem como medida-padrão 40 por 25 centímetros. O berliner consome menos papel; logo, barateia-se a impressão.
Com fechamentos de veículos, até a Associação Nacional de Jornais (ANJ) viu sua força diminuir. A entidade tinha 154 associados em 2013. Neste início de 2025, o número de parceiros está em cem — queda de 35% no intervalo de 12 anos. Detalhe: nos últimos tempos, a ANJ passou a aceitar projetos nativos digitais, sem versões impressas, como os portais G1 e UOL.
Banca vira bomboniere
Outro segmento diretamente impactado por essa crise é a banca de jornal. Somente na cidade de São Paulo, o número de estabelecimentos do tipo caiu de cerca de 5 mil em 1996 para pouco mais de 2 mil em 2024.
O número de bancas de jornal poderia ser ainda menor não fosse o espírito empreendedor de profissionais da área. Os pontos que sobreviveram passaram a atuar como lojas de conveniência ou mesmo bombonieres. Nelas, é possível comprar chocolate, chiclete, água mineral, refrigerante, bolacha e salgadinho. Há aquelas que oferecem carrinhos de brinquedo, armações de óculos, guarda-chuvas, mochilas, bonés, camisas de times de futebol, fones de ouvido e carregadores de celular.
É o caso do jornaleiro Agnaldo Rodrigues Soares. Desde 1998, ele trabalha na Banca Trianon 2, localizada na Avenida Paulista nas proximidades do Parque Trianon, em São Paulo. No decorrer de quase três décadas, Agnaldo acompanhou de perto a crescente falta de procura por jornais. Para ele, esse tipo de conteúdo está fadado à extinção.
“Peguei a época em que a gente recebia uma pilha de jornais. Hoje as distribuidoras só me entregam um exemplar da Folha e um exemplar do Estadão”, relata Soares. “Tem dias que não consigo vendê-los.”
O jornaleiro informa que o que ele ainda consegue vender impresso em papel são as revistas de passatempo e palavras cruzadas. E, claro, os jornais para pets — em sua banca, Soares comercializa cada pacote de 2 quilos por R$ 29,90. “Vendo, em média, de três a cinco por dia”, avisa. Na parte de conveniência, os produtos mais procurados são os acessórios de celular.
Na banca que fica na esquina da Avenida Paulista com a Alameda Ministro Rocha Azevedo, há outra ideia de negócio. Por lá, a gerente Camila Teixeira Felipe e sua equipe oferecem serviços que vão de fazer cópias xérox de documentos a esquentar marmitas. Para usar o micro-ondas, o cliente paga R$ 2.
“Esquento de 40 a 50 marmitas por dia”, informa Camila. “Jornal? Recebo um por dia e, em muitos casos, devolvo.”
Financiados pelo povo
Ciente de que outras bancas da região, assim como a dele e a de Camila, recebem apenas um exemplar de cada jornal, Soares indaga como esse tipo de iniciativa ainda sobrevive. “Para mim, a conta não fecha. Não faz sentido você ter todo esse trabalho de logística para entregar somente um exemplar em cada ponto”, comenta o jornaleiro. “Será que eles recebem dinheiro do governo?”
A pergunta é pertinente. Dados compilados por Oeste a partir de informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República mostram que os jornais impressos brasileiros receberam R$ 72 milhões em ações de publicidade do governo federal no decorrer dos últimos nove anos (2016-2024). O ápice do período se deu em 2017, durante a gestão Michel Temer, quando quase R$ 21 milhões arrecadados dos pagadores de impostos foram parar nos cofres das empresas do setor.
O valor pago pelo governo aos jornais diminuiu durante o mandato de Jair Bolsonaro, chegando a cair para menos de R$ 145 mil em 2020. Sob a atual gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, a verba publicitária voltou a subir, superando R$ 9 milhões em 2023.
Apesar das cifras milionárias, jornais também estão perdendo espaço para a mídia on-line na área da publicidade estatal. De 2016 a 2024, a Secom gastou R$ 667 milhões em ações de propaganda na internet. O recorde foi estabelecido em 2023, com gastos de mais de R$ 126 milhões.
Não é só na propaganda governamental que o impresso perde vez. Levantamento do Conselho Executivo das Normas-Padrão mostra que a internet abocanhou quase 40% de todos os investimentos publicitários feitos no Brasil em 2024, com movimentação de cerca de R$ 2,3 bilhões. Jornais impressos representaram menos de 2% do mercado, com R$ 94 milhões.
Com circulação em queda, formato reduzido, deixando de ser atrativos aos olhos do mercado publicitário e sem conseguirem se rentabilizar com classificados (que também ganharam força na internet nas últimas décadas), os jornais impressos brasileiros precisam ouvir o que diz o jornalista Augusto Nunes: um veículo de comunicação costuma fechar as portas por falta de leitores. E não há dinheiro da Secom que mude essa história.
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