“Aceita um?”, pergunta calmamente a mulher de estatura mignon, pele clara e cabelos loiros na altura dos ombros ao oferecer alguns biscoitos. “Eu adoro”, encoraja Angela Gandra Martins, secretária municipal de Relações Internacionais de São Paulo. Ela coloca o pote transparente sobre a mesa de canto rodeada de flores do amplo gabinete que ocupa no sétimo andar do Edifício Matarazzo, sede da prefeitura. “Vamos conversar aqui no sofá mesmo”, recomenda, enquanto se acomoda. Em uma das paredes, quadros retangulares mostram prédios da capital paulista iluminados à noite.
A imagem polida da mulher de gestos delicados, que veste um blazer branco com listras verdes, salto alto e óculos de aros quase transparentes contrasta com o retrato de uma “extremista de direita” desenhado por veículos de comunicação. Pouco antes de tomar posse, a imprensa engajada tratou de pintar Angela como uma “ativista bolsonarista antiaborto”. “Entendo que foi uma forma de tentar atingir o prefeito Ricardo Nunes, que me convidou pela minha capacidade técnica, e não por critérios meramente ideológicos”, constata Angela, que também é jurista e fala sete idiomas, ao afirmar que está animada por ter assumido a SRI — forma como os servidores internos chamam a pasta. “Vamos abordar enfaticamente a segurança alimentar da cidade, a valorização da nossa cultura e o acolhimento de imigrantes.”
Entre outros assuntos, a secretária comentou a eleição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o futuro da liberdade de expressão no mundo sob a gestão do republicano. Angela também falou a respeito das acusações infundadas de golpe de Estado contra seu pai, Ives Gandra. “Esse assunto ‘de golpe’ de Estado é uma obsessão que, infelizmente, não termina”, lamenta.
Confira os principais trechos da entrevista:
A liberdade de expressão tem sido alvo constante de ataques no Brasil e no mundo. A senhora avalia que a eleição do presidente Donald Trump contribui para resguardar esse direito?
Certamente. O presidente tem feito acenos muito positivos no sentido de garantir esse direito não só para os norte-americanos, mas também para o mundo. Lembro sempre que a primeira liberdade democrática é a possibilidade de se manifestar, de discordar um do outro e de falar sobre qualquer coisa sem medo de censura. Trump tem se esforçado por um mundo mais livre, sobretudo com relação à importância das redes sociais como um meio de entender o pensamento das pessoas e também como um caminho que conduz à aproximação entre elas. Entendo que, a partir de agora, haverá pressão para que se respeitem mais efetivamente as plataformas digitais e a possibilidade de o povo falar. Elas são um termômetro para saber o que o povo quer. O meu pai diz que elas são “o pulmão da democracia”, e eu concordo plenamente. Por isso me preocupo quando um governo propõe meios de calá-las.
Haverá, por parte da SRI, aproximação com os EUA?
Sim. No entanto, mais acadêmica, principalmente a respeito de temas como esse, da liberdade de expressão. Qualquer jurista deve saber que vivemos a pior crise jurídica da história do Brasil, visto que a lei não tem tido muito valor.
Desde que decidiu ser secretária, a senhora tem sido acusada pela esquerda de querer usar o Estado para promover suas pautas pessoais. Por quê?
Em virtude de alguns fatores, entre eles o de ter sido secretária de um ministério de Bolsonaro. Outro elemento é atingir o prefeito, é claro, por ele supostamente estar saciando o apetite de um espectro ideológico. Também querem denegrir o meu trabalho em determinados assuntos, como a questão da vida, ao me tacharem de “ativista”. Gosto sempre de lembrar que a proteção desse direito está na Constituição. Basta lê-la. Sou jurista e minha atuação é sempre profissional e técnica. Meu trabalho é pragmático, e não ideológico. Também sei separar os governos. Hoje, trabalho com o Nunes e vou executar o que ele me pediu na prefeitura, sem trazer bandeiras que não estejam relacionadas ao que foi solicitado. A defesa da vida é muitíssimo relevante, mas não é uma pauta desta secretaria.
O que faz a SRI? Já foi possível mapear o estado em que encontrou a pasta?
Resumidamente, a SRI é uma versão municipal do “Itamaraty”. Ao chegar, mantive praticamente intacta a equipe de antes e acrescentei apenas cinco pessoas, sendo algumas delas colaboradores que me ajudaram na minha passagem pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, durante o governo Bolsonaro. Sobre o mapeamento, temos um programa chamado Twin Cities, que, em linhas gerais, é um intercâmbio entre cidades brasileiras e estrangeiras. Gosto de levar para fora o que deu certo aqui e trazer do estrangeiro medidas bem-sucedidas lá. Dessa forma, enquanto queremos exportar o modelo dos CEUs [Centros Educacionais Unificados], também pretendemos trazer iniciativas da Finlândia e da Dinamarca, por exemplo, que propõem tirar pessoas das ruas oferecendo moradia, que é custeada pela pessoa por meio do emprego.
A senhora pretende fazer um pente-fino nas medidas de Marta Suplicy, sua antecessora?
Não. Há trabalho bom e bem-feito, tanto da Marta quanto do ex-ministro Aldo Rebelo. Negar isso seria imprudência. Quando assumi o comando da SRI, pus como um dos meus objetivos partir do que já foi feito, e fazer mais. Estou aqui com a mentalidade plural, pois sempre dialoguei com todos os partidos. O foco é totalmente no que nos une.
Quais são os projetos que a senhora vai estabelecer para a pasta?
Vamos abordar enfaticamente a segurança alimentar, a valorização da nossa cultura e o acolhimento de imigrantes. A primeira bandeira é muito relevante, porque o segundo direito do ser humano, depois da vida, é a alimentação. Por isso, queremos fortalecer as agriculturas familiar e urbana. Na região de Parelheiros, na zona sul, há um apoio nosso à produção local de modo que essas famílias possam vender suas mercadorias, seja aqui na capital, seja em outro lugar. Nesse ramo, não pensaremos em medidas assistencialistas, como se faz ao prometer picanha, e sim utilitaristas. Já no campo da cultura, a partir do diálogo com consulados, pretendemos estabelecer intercâmbios dos nossos alunos e incentivar o ensino de outros idiomas nas escolas. A respeito dos estrangeiros, o nosso papel será o acolhimento e a inserção social deles.
Por que a senhora decidiu se juntar ao secretariado do prefeito Ricardo Nunes?
Temos pautas em comum, é claro. O prefeito tem sido delicado e me convidou pelas minhas habilidades, não por uma pauta específica. Estou aqui também pela minha tecnicidade em relação à agenda internacional, até porque estudei para ser diplomata e falo sete idiomas, já a caminho do oitavo. Na minha passagem pela esfera federal, tive ainda uma proximidade com o Ministério das Relações Exteriores. Além disso, para mim, o que ajudou a tomar essa decisão foi acreditar na gestão Nunes.
O que a senhora traz da sua carreira e da experiência no governo Bolsonaro para a gestão municipal de São Paulo?
Antes de ingressar no ministério, eu tinha a experiência do setor privado, além de ter sido integrante da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado. Agora possuo vivência nesses dois mundos e sei como eles funcionam. Na pasta, pude aprender a lidar com todas as famílias do Brasil, e esse trabalho todo influencia. Houve a possibilidade de dar um tratamento mais humano às nossas atividades. É exatamente isso que quero trazer para cá: priorizar pessoas.
O doutor Ives, seu pai, foi acusado de participar de uma suposta ‘trama golpista’. O nome dele é citado em e-mails enviados do tenente-coronel Mauro Cid para um militar, em 2017. Qual é sua avaliação sobre isso?
Esse assunto de “golpe de Estado” é uma obsessão que, infelizmente, não termina. O meu pai escreveu livros nos quais fez uma interpretação bem clara do artigo 142 da Carta Magna. Esse entendimento tem sido deturpado, pois nada tem a ver com ruptura institucional, e sim com garantia da ordem democrática no Brasil. Além disso, como ele poderia ter participado de uma suposta articulação dessa natureza, em 2017, quando nem sequer se sabia que o então deputado federal Jair Bolsonaro viraria presidente no ano seguinte? Essa história não se sustenta.
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