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Foto: Revista Oeste/IA
Edição 253

O avanço da direita na guerra ideológica

Vencedores nas urnas, conservadores também ganham espaço em movimentos estudantis, negros e LGBT

Cristyan Costa
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Durante uma reunião da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa de São Paulo, em março de 2024, os deputados estaduais Guto Zacarias (União Brasil) e Carlos Giannazi (Psol) se desentenderam sobre a instituição do “Dia de Mandela”. Enquanto debatiam o assunto, Giannazi disse se sentir “curioso” em relação à oposição de Zacarias ao texto, argumentando que gostaria de entender “como um parlamentar que é afrodescendente e brasileiro vota contra uma homenagem a um líder africano mundial”. “As pessoas negras, Giannazi, que me parece ser um branco que está tentando ensinar um negro a votar em uma pauta racial, são iguais às brancas, e podem votar de acordo com suas próprias ideologias”, respondeu Zacarias.

Esse tipo de pressão ideológica não se restringe à esfera do Parlamento. Nas escolas e universidades brasileiras, os estudantes são doutrinados diariamente a aprender que negros, mulheres, pobres, pessoas LGBT, deficientes físicos, entre outros segmentos tachados de “minorias”, não podem pensar diferente da intelectualidade esquerdista, muito menos ser alguém “de direita”. O mantra é reproduzido todos os dias em veículos de comunicação engajados, que não perdem a oportunidade de ridicularizar quem quer que não reze na cartilha assinada por Karl Marx.

Negros e gays de direita

O movimento Pretos Conservadores é um bom exemplo que prova que a narrativa ensinada por militantes comunistas travestidos de professores não resiste aos fatos. Criado no ano passado, o grupo que já tem aproximadamente 80 membros propõe se distanciar do discurso “progressista”, que é disseminado sobre o segmento. “Queremos elevar o nível do debate e demonstrar para o povo brasileiro quão utilitaristas têm sido os discursos que orbitam entre a ideia de ‘justiça social’ e a eterna condição de ‘vítima’ histórica dos ‘negros’ que a esquerda tem diluído nos conteúdos escolares, na indústria cinematográfica, na música, na arte e na informação, pilares da nossa cultura”, disse Paula Custódio, presidente do movimento e conhecida como Preta Conservadora. “Combatemos a vitimização e o Estado assistencialista. Estamos certos de que os problemas nacionais são profundos e complexos, e não seremos os salvadores da pátria, e sim um grupo que tem muito a somar, dada a qualidade de nossos agentes, discursos e ações.”

Paula observou que os atuais coletivos negros são excludentes, por não aceitarem aqueles que pensam de forma divergente. “Diante de um painel de intensificação do totalitarismo esquerdista e de exclusão sistemática de pretos que não estão alinhados às prescrições ideológicas dos movimentos negros no debate público, este grupo se reuniu, se organizou e decidiu buscar institucionalização pela via mais ajustada aos seus ideais, o Partido Liberal (PL), hoje a maior organização política conservadora do país”, disse ela. “A proposta não é ser a chapa branca da direita nacional, tampouco servir de mascote, mas, sim, organizar uma base política pouco aproveitada pelo nosso conservadorismo.”

Integrantes do movimento Pretos Conservadores se reúnem com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Iniciativa semelhante ocorre no meio LGBT, a exemplo do Instituto Gays Conservadores do Brasil, liderado pelo advogado Dom Lancellotti. O grupo começou na internet com o objetivo de defender o ex-presidente Jair Bolsonaro, inspirado em um movimento pró-Trump. “Bolsonaro não é homofóbico nem tem qualquer tipo de preconceito contra gays”, afirmou Lancellotti a Oeste em 2023. “O que ele não apoia é a militância de pautas que considera ruins para a sociedade. Antes e depois da chegada dele ao Planalto, houve uma campanha difamatória muito pesada liderada por partidos de esquerda que usaram o movimento LGBT para demonizar o adversário deles. E essa imagem, infelizmente, acabou ficando na cabeça.”

Hoje, o instituto de Lancellotti tem 500 membros espalhados pelo Brasil, os quais recebem informações por meio das redes sociais do instituto. As plataformas digitais dos gays de direita já têm, juntas, pouco mais de 130 mil seguidores. “Nosso objetivo é conquistar posições no Poder Legislativo para a criação e/ou revogação de leis de nosso interesse”, disse Lancellotti. “Queremos também esclarecer a opinião pública sobre a homossexualidade e o conservadorismo. Também vamos contar a história verdadeira por trás do movimento LGBT que está aí.”

O advogado Dom Lancellotti | Foto: Divulgação

Movimento estudantil e trincheira no mercado

O avanço da direita no campo ideológico existe também no movimento estudantil, tradicionalmente vinculado à esquerda, visto que o espectro ideológico capturou a classe universitária na década de 1960. Em fevereiro de 2023, liderados por Diego Bergamim, um grupo de jovens exaustos da militância marxista em sala de aula decidiu se juntar para enfrentar a partidarização da educação. Com isso, nasceu a União Conservadora dos Estudantes, conhecida por Unice.

O que surgiu como algo pequeno, em São Luís, no Maranhão, hoje já reúne cerca de 120 jovens que discutem meios de enfrentamento da doutrinação em sete Estados, mais o Distrito Federal. Nesses locais, entre outras tarefas, os coordenadores recrutam jovens e realizam ações sociais. Uma das iniciativas prevê abrir a mente dos alunos com a indicação de livros e pensadores diferentes daqueles que são recomendados diariamente nas escolas públicas brasileiras. A Unice aconselha aos estudantes que registrem, com o próprio celular, eventuais casos de doutrinação em sala a fim de denunciar e impedir que esse tipo de comportamento se repita durante as aulas. O objetivo é que o mercado tenha profissionais menos ideológicos.

União Conservadora dos Estudantes (Unice) | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Justamente contra a ideologia da esquerda que permeia as universidades, não poupando sequer o Direito, advogados se organizaram para defender o que está escrito na Constituição e nas leis. É o que vêm fazendo o Movimento Advogados do Brasil (MAB), o Movimento Advocacia Independente (MAI) e o Advogados de Direita Brasil (ADBR). Juntos, eles somam mais de 11 mil pessoas. Um dos focos é se contrapor às narrativas que vêm sendo divulgadas por ajuntamentos como o Prerrogativas.

Presidente do ADBR, a advogada Géssica Almeida contou que, entre outras tarefas, o grupo que ela comanda se mobiliza contra a “censura que limita direitos fundamentais”. “A tendência é ampliar parcerias, fortalecer ações suprapartidárias e alcançar impacto ainda maior na sociedade”, disse Géssica. “Queremos mostrar que estamos antenados ao devido respeito à Carta Magna e à defesa da advocacia”, acrescentou Alfredo Scaff, líder do MAI, em alusão à omissão da Ordem Nacional dos Advogados quanto aos abusos do Supremo Tribunal Federal (STF). “Nosso grupo foi responsável por grandes ações, como a Maior Ação do Mundo, que está na Corte Interamericana de Direitos Humanos, com a assinatura de apoio de mais de 3 mil advogados e 250 mil cidadãos brasileiros denunciando os arroubos do STF contra a liberdade de expressão”, complementou a criadora do MAB, Flavia Ferronato.

Os três grupos movimentaram as redes sociais, na semana passada, ao saírem em defesa do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), cujo mandato entrou na mira do Prerrogativas, que prometeu acionar o Conselho de Ética da Câmara, em virtude de um vídeo do parlamentar sobre o Pix. Os 11 mil advogados também apoiaram Jair Bolsonaro, com fundamentos jurídicos que desmontaram o argumento do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que impediu o ex-presidente de comparecer à posse de Trump. Como efeito da pressão dos grupos, o Prerrogativas baixou o tom quanto a Ferreira e disse que vai aguardar um “parecer” da Advocacia-Geral da União quanto às falas do deputado. No ano passado, a centro-direita deu uma surra em seus adversários nas urnas ao eleger a maioria dos prefeitos e vereadores do país. De uns anos para cá, mostrou também que está aprendendo a vencê-los no campo da luta ideológica.

Notícia publicada em Oeste (16/1/2025) | Foto: Reprodução/Revista Oeste

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