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Joe Biden, ex-presidente dos EUA, durante a cerimônia de posse de Donald Trump, na Rotunda do Capitólio dos EUA, em Washington (20/1/2025) | Foto: Reuters/Chip Somodevilla
Edição 253

O legado de Biden: ele não deixou um legado

Quatro anos depois, o ex-presidente deixa um registro extenso e oneroso de não realização

Peter Suderman
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À medida que o presidente Joe Biden deixa a Casa Branca, vale a pena olhar para trás — não para sua administração, mas para mais de uma década atrás, quando Barack Obama era presidente, e Biden ainda era o segundo no comando.

Em julho de 2012, Obama fez um discurso em que a frase principal foi: “You didn’t build that” (“não foi um feito seu”, em tradução livre). O discurso foi, entre outras coisas, sobre o tamanho do governo, a eficiência dos setores público e privado, e o valor do Estado para realizar grandes coisas.

“Já fizemos cortes no valor de US$ 1 trilhão”, declarou Obama. “Podemos fazer mais alguns cortes em programas que não funcionam e fazer com que o governo trabalhe de forma mais eficiente.” Mas, em última análise, ele argumentou que o governo era responsável por grande parte do sucesso privado. “Se você obteve sucesso, teve ajuda de alguém ao longo do caminho”, disse. “Você teve um ótimo professor em algum momento da vida. Alguém ajudou a criar esse sistema americano incrível que temos e que permitiu que você prosperasse. Alguém investiu em estradas e pontes. Se você tem uma empresa, não foi um feito seu. Outra pessoa fez isso acontecer.”

Em julho de 2012, Barack Obama fez um discurso em que a frase principal foi “You didn’t build that” (“Não foi um feito seu”, em tradução livre) | Foto: Reuters/Julia Demaree Nikhinson

O discurso se tornou um ponto de discórdia política, com os republicanos e seus aliados dizendo que Obama estava insultando os pequenos empresários, e os democratas e as organizações de checagem de fatos da mídia — estou me repetindo — insistindo que as observações foram intencionalmente mal interpretadas e tiradas do contexto. Se quiser, você pode ler o discurso completo aqui.

Mas vamos deixar de lado o contexto partidário por um momento e nos concentrar apenas neste trecho importante: “Alguém investiu em estradas e pontes. Se você tem uma empresa, não foi um feito seu”.

Nos últimos quatro anos, o presidente Biden autorizou um investimento de bilhões de dólares do contribuinte em infraestrutura e, em especial, em infraestrutura de energia verde de alta tecnologia, como trens de alta velocidade, banda larga rural e estações de recarga de veículos elétricos.

E o que aconteceu: não foi um feito dele.

Muito dinheiro para nada

O dinheiro foi autorizado, mas os projetos não chegaram a ser concluídos. Como o site Politico informou, em dezembro, em um panorama geral dos projetos de infraestrutura de energia verde assinados por Biden, “uma expansão de US$ 42 bilhões do serviço de internet de banda larga ainda não conectou uma única residência. Dificuldades burocráticas, escassez de equipamentos e desafios logísticos significaram que um esforço de US$ 7,5 bilhões para instalar carregadores de veículos elétricos de costa a costa rendeu até agora apenas 47 estações em 15 estados”.

Ainda de acordo com o Politico, o Congresso americano autorizou mais de US$ 1 trilhão em gastos para os principais programas de Biden relacionados a clima, energia limpa e infraestrutura, mas mais da metade desse valor “ainda não foi alocada ou ainda não está disponível para as agências”. Muitos dos grandes projetos que receberam subsídios ou incentivos fiscais durante o governo Biden ainda são essencialmente imaginários, e alguns podem nem acontecer, dependendo do que o presidente Donald Trump e os republicanos no Congresso decidirem fazer.

Nem mesmo os projetos nos quais o próprio Biden tem pessoalmente investido foram recompensados: há muito tempo ele abraça uma fantasia romântica de transporte ferroviário de passageiros, e sua administração enviou mais de US$ 3 bilhões para aumentar o financiamento do sistema ferroviário de alta velocidade da Califórnia, que há tempos foi adiado. Esse projeto ferroviário deveria conectar Los Angeles a São Francisco, mas tem anos de atraso, está US$ 100 bilhões acima do orçamento — e agora luta para concluir uma linha muito mais curta e muito menos útil entre Merced e Bakersville, que não são exatamente centros econômicos globais. No momento, não há data de conclusão nem qualquer plano de ação para conectar Los Angeles e São Francisco. Biden investiu bilhões em um projeto sem valor, e os Estados Unidos não ganharam nada com isso.

Repetidas vezes, foi o que aconteceu na sua administração: grandes somas foram gastas ou autorizadas, mas nada aconteceu.

Não foi um feito dele. O que é especialmente irônico, já que muitos democratas e alguns de seus aliados começaram o mandato de Biden com ênfase no que alguns progressistas chamaram de “governo de entregas”.

O Congresso americano autorizou mais de US$ 1 trilhão em gastos para os principais programas de Biden relacionados a clima, energia limpa e infraestrutura | Foto: Reprodução/Redes Sociais

A idiotice de tantas leis

Os democratas, segundo esse argumento, precisavam fazer mais do que apenas falar sobre questões de que as pessoas já gostavam. Eles precisavam promover uma agenda que fizesse uma diferença real e visível na vida das pessoas. Precisavam demonstrar que podiam cumprir o prometido de maneira relevante.

No entanto, à medida que Joe Biden deixa o Salão Oval, fica claro que ele não cumpriu o prometido.

Até o próprio Biden às vezes parece entender isso. No final de 2023, depois de meses percorrendo o país para mostrar que suas políticas melhoraram a economia, ele não conseguiu angariar mais votos. De acordo com a CNN, ele expressou “profunda frustração por não poder se gabar da construção física de muitos projetos que seus feitos legislativos vão financiar” e “reclamou que, mesmo viajando pelo país para divulgar leis históricas, como a lei de infraestrutura bipartidária, pode levar anos até que os residentes de algumas das comunidades que recebem fundos federais vejam o início da construção”.

Então as coisas estavam indo devagar. Muito dinheiro havia sido autorizado ou gasto, mas muito pouco havia sido construído. Com certeza alguém estava no comando. Quem poderia ser?

Grande parte dos comentários de centro-esquerda sobre os fracassos de Biden nesse departamento tem se concentrado nos requisitos de regulamentação e em processos burocráticos que, segundo eles, frustraram os projetos apoiados pelo governo, além dos desenvolvimentos privados.

Isso tem um fundo de verdade. Em especial, os compromissos de Biden em apaziguar tanto os sindicatos quanto os defensores de políticas progressistas que gostam de regulamentações dificultaram que qualquer pessoa, do setor público ou privado, fizesse grandes coisas. E é notável que, à medida que seus fracassos ficaram mais evidentes, especialistas simpatizantes dos democratas, como Ezra Klein, enfatizaram cada vez mais o impacto negativo das barreiras regulatórias. É bom ver os liberais acordarem para a idiotice de tantas leis.

A SpaceX não é estatal

Mas os problemas de Joe Biden são maiores que a mera burocracia. Enquanto concorria à Presidência, ele se posicionou como o avatar razoável de um partido democrata que era dominante e moderado: “Eu sou o Partido Democrata”, afirmou ele em um debate em setembro de 2020. Mas sua insistência em aplacar os grupos de interesse alinhados ao Partido Democrata, em quase nunca dizer “não” a nenhum grupo de esquerda, em se recusar a exigir a responsabilização de seus adjuntos e chefes de departamento, em compor sua equipe de governo com progressistas radicais com diplomas de pós-graduação da “Universidade Elizabeth Warren de Regular Tudo”, especialmente combinada com o avanço de sua idade, fez com que ele parecesse mais com o oposto: o Partido Democrata era Joe Biden.

A presidência de Biden foi mais parecida com uma reunião de conselho regional, com muitas partes interessadas, mas sem linhas claras de autoridade nem priorização. Ninguém estava no comando. Biden não apenas deixou de cumprir o prometido. Ele não conseguiu fazer porque não conseguiu liderar.

O contraste com o setor privado é revelador. O projeto ferroviário mais notável nos Estados Unidos durante o mandato de Biden não foi o trem de alta velocidade da Califórnia condenado ao fracasso nem alguma atualização da ferroviária federal Amtrak que justificasse os bilhões que esse governo enviou para eles, mas o Brightline na Flórida. Por causa do fator surpresa, o maior projeto de engenharia desse mandato quase com certeza foi o foguete reutilizável da SpaceX. Sim, a SpaceX tem relações comerciais significativas com o governo, mas é fundamentalmente uma empresa privada, operando com metas e direção privadas. Os Estados Unidos ainda podem fazer grandes coisas. Mas essa abordagem burocrática e verticalizada não conseguiu dar conta disso.

Os libertários e defensores do Estado mínimo poderiam dizer que é bom que Biden não tenha feito muita coisa e que o governo não tem que se envolver em nenhum desses projetos. Mas, mesmo que parte do financiamento acabe sendo recuperada, ele presidiu uma quantidade extremamente onerosa de nada.

SpaceX tem relações comerciais significativas com o governo | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Histórico de não realizações

E o que os inúmeros fracassos do projeto mostram é que ele fracassou nos próprios termos. Às vezes, Biden parece reconhecer que sua presidência deu poucos frutos, e não apenas em reclamações particulares divulgadas pela imprensa. Em seu discurso de despedida à nação, no dia 15 de janeiro, Joe Biden prometeu que o melhor ainda estava por vir se os americanos tivessem paciência: “Vai levar um tempo para sentirmos o impacto total de tudo o que fizemos juntos”, disse ele. “Mas as sementes foram plantadas e vão crescer e florescer nas próximas décadas​.”

Em outras palavras, Biden quer levar o crédito por qualquer coisa boa que aconteça depois que deixar o cargo. Dado o histórico inexpressivo de suas políticas até o momento, vale a pena ser cético quanto à possibilidade de um grande florescimento. Mas, mesmo na eventualidade de todas essas supostas sementes acabarem dando frutos, isso ainda significaria que o próprio Biden não terminou o trabalho. Outra pessoa terá feito isso acontecer.

Essa é a defesa de seu histórico de não realizações: não é um feito de Biden, mas talvez um dia seja de alguém? Não é um grande legado, mas é o que ele tem.


Peter Suderman é editor de conteúdo especial da Reason.

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2 comentários
  1. Fabio Baptista
    Fabio Baptista

    É o PAC nos EUA, inclusive com o discurso do Lula que “semearam” para um futuro, com uma colheita que nunca chegará.

  2. Osmar Martins Silvestre
    Osmar Martins Silvestre

    Mais importante até que aquilo que um presidente fez, é aquilo que ele deixou fazer em detrimento dos interesses do seu povo. Não fazer nada, é melhor que deixar se impor uma agenda globalista, uma agenda woke, uma invasão chinesa, uma quadrilha de corruptos, uma censura, uma injustiça, etc. Biden não fez nada, mas fez muito mal ao deixar acontecer todas essas coisas.

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