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Destroços de propriedades queimadas, após o incêndio no bairro Pacific Palisades, em Los Angeles, Califórnia, EUA (10/1/2025) | Foto: Reuters/Daniel Cole
Edição 253

Os incêndios de Los Angeles não são vingança da Mãe Natureza

A cobertura dos incêndios de Los Angeles expôs a visão medieval do ativismo climático

Brendan O'Neill, da Spiked
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Quando o Grande Incêndio varreu Londres, em 1666, os cidadãos em fuga estavam convencidos de que Deus os estava punindo. “O terrível julgamento”, eles o chamaram. Londres foi incendiada por seu “pecado mortal da gula”, lamentavam. Uma placa colocada nas ruínas cheias de fumaça da padaria onde o incêndio começou dizia: “Aqui, com a permissão do Céu, o inferno saiu do controle…”. Passados 350 anos, essa visão do fogo como castigo, como o julgamento infernal da humanidade pecadora, se mantém. Só que agora o fogo não é ateado por Deus, mas por Gaia.

Vejamos a discussão penosa sobre os incêndios de Los Angeles. Mesmo enquanto a cidade ainda está em chamas, o culpado já foi encontrado: fomos nós, a humanidade arrogante. Essa “bomba-relógio” é “alimentada pelo aquecimento global”, afirma um ativista climático. Essa é “a crise climática em ação”, diz outro, o subproduto escaldante de nossa “queima de carvão, petróleo e gás”. Bernie Sanders espera que a imagem distópica de Los Angeles sendo consumida pelo brilho alaranjado de chamas mortais desperte nossa espécie de seu negacionismo e nos faça acreditar que a mudança climática “é real, não é uma farsa”. Essa é uma “crise existencial”, ele brada, o que me parece uma linguagem rebuscada para “sentença assustadora”.

Quadro do artista Josepha Jane Battlehooke, para ilustrar o Grande Incêndio de Londres | Foto: Reprodução/Wikimedia Commons
Pintura de Josepha Jane Battlehooke que ilustra o Grande Incêndio de Londres | Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Os incêndios são terríveis. O afluente subúrbio de Pacific Palisades foi o mais atingido. Casas, escolas e empresas foram reduzidas a cinzas. O incêndio também atingiu outras áreas, incluindo Altadena, onde ruas inteiras estão em ruínas negras. Quando este artigo foi escrito, tínhamos cinco pessoas mortas, mil estruturas destruídas e 150 mil moradores de Los Angeles forçados a deixar suas casas. Não parece real — “como um filme sobre uma catástrofe de Hollywood, com uma diferença: isso de fato está acontecendo perto de Hollywood”, disse Ross Clark.

O Independent relata que parte da direita lunática está celebrando esse ataque implacável ao Estado mais liberal e libertino dos Estados Unidos. Eles “aplaudem o desastre”, afirma o jornal, e alguns compartilham fotos falsas do letreiro de Hollywood em chamas junto com uma provocação doentia: “Digam adeus a Pedowood”. Essa celebração medieval do fogo como uma vingança purificadora do pecado — nesse caso, o pecado da pedofilia, não da gula — é claramente uma loucura. Nenhuma pessoa decente tem tempo para uma superstição tão cruel. E, no entanto, a ideia de que esse incêndio, e o fogo de forma mais ampla, é um tipo de punição se tornou assustadoramente popular — mas, nesse caso, é considerado uma punição pela violação da natureza, e não pela violação das crianças.

Bombeiros combatem o incêndio Palisades, em Los Angeles, na Califórnia (11/1/2025) | Foto: Reuters/Ringo Chiu

Quando os ativistas climáticos estabelecem uma linha direta entre os incêndios de Los Angeles e a “queima de carvão, petróleo e gás” da humanidade, fica claro o que estão dizendo: essas chamas mortais são o custo da modernidade, o revés de nossas revoluções industriais. Para onde quer que se olhe, o fogo está sendo atribuído à “mudança climática causada pelo homem”. O incêndio de Los Angeles é “emblemático de uma nova era de desastres ambientais complexos e combinados”, afirma um colunista do Guardian. Se alguém perguntar a ele quem é o responsável por essa calamidade, diz o texto, a “resposta rápida” é que ela está sendo alimentada pelos “gases de efeito estufa que os seres humanos continuam a emitir”. Alguém mais acha que é necessária uma resposta mais elaborada?

‘A culpa é nossa’

O pecado da gula foi substituído pelo pecado da poluição. Se antes era a nossa avareza que provocava o castigo do fogo, agora são as nossas emissões. O Los Angeles Times é claro sobre o que fez sua cidade ser tomada pelas chamas — “a mudança climática causada pelo homem”. Toda a “queima de combustível fóssil” está tornando infernos como esse mais comuns, diz o jornal. O Yellow Dot Studios, um grupo de conscientização sobre o clima fundado por Adam McKay, diretor do filme Não Olhe Para Cima, afirma que “os incêndios em Los Angeles são o resultado de anos de condições climáticas extremas em cascata, geradas pela poluição de carbono proveniente da queima de petróleo, gás e carvão”.

“O resultado de…” — isso é ciência de fato ou é moralismo? A ideia de que a queima de petróleo para mover veículos e aquecer prédios e construções resulta diretamente na queima dos hábitats humanos é racionalismo ou ilusão? Se alguém puder me explicar a diferença entre a antiga crença de que Londres pegou fogo por causa da gula e a nova crença de que Los Angeles está pegando fogo por causa dos hábitos sujos do homem moderno, eu ficaria muito grato. Parece que em ambos os casos o fogo é tratado como a consequência inevitável do comportamento voraz da espécie humana.

Você não precisa de um doutorado em climatologia para saber que as coisas são mais complicadas. Sempre houve incêndios naturais na Terra, “muito antes do surgimento dos seres humanos”. Eles foram causados pelo quê? E, na verdade, há menos incêndios florestais nos Estados Unidos atualmente do que no passado. O National Interagency Fire Center informa que, entre 1926 e 1935, uma média de 41,5 milhões de acres de terra foram perdidos para as chamas todos os anos. De 2013 a 2023, foram 7,02 milhões de acres por ano. Esse “clima de destruição em massa” de que tanto ouvimos falar não parece ser tão destrutivo assim. “A mudança climática não incendiou o mundo”, diz Bjorn Lomborg. Pelo contrário, a quantidade de área do mundo consumida pelo fogo tem revelado uma tendência de queda há mais de 20 anos.

Parece que estamos nas garras da imaginação medieval. Cada evento climático inquietante — cada inundação, tempestade e incêndio — agora é atribuído às nossas terríveis emissões, às nossas atitudes arrogantes. Há uma sensação neorreligiosa na discussão contemporânea sobre o meio ambiente. A mudança climática causada pelo homem está “criando o inferno na Terra”, publicou o LA Times alguns anos atrás. Todos “os incêndios florestais, as enchentes e pandemias” recentes da Terra trazem a sensação de “fim dos tempos”, diz um colunista do Hill, “e a culpa é nossa”. Em resumo, nós mesmos provocamos esse castigo, assim como fizeram os pecadores da Londres do século 17. O planeta está em chamas, e a culpa é da humanidade, diz o Guardian — temos “culpa nesse incêndio”.

A fogueira da razão

Você pode chamar isso de “ciência” se quiser, mas, para mim, cheira a moralismo primitivo, uma condenação beata do homem. Quando até o clima quente é chamado de “onda de calor do inferno” e recebe o nome de Cérbero — a fera de três cabeças no Inferno de Dante que atormenta os pecadores despedaçando-os —, você sabe que saímos do universo da análise fria e fomos para o púlpito do julgamento. Uma consequência de atribuir ao clima um poder quase senciente, essa transformação dos caprichos da natureza em punição da natureza, é que isso deixa nossos governantes impunes. Parece ter havido uma falta de preparo em LA, e algumas pessoas estão destacando que a infraestrutura da cidade “lutou para atender às demandas de combate aos incêndios”. Resolver isso certamente é a melhor maneira de se proteger contra futuras mortes e destruição, em vez de exigir a redução da modernidade em si.

A mudança climática é real, mas também é uma metáfora. Ela se tornou uma metáfora para o que as elites consideram ser o projeto desastroso de industrialização e crescimento. Elas mobilizam atos climáticos para repreender a humanidade e nossa ganância — nossa gula, poderíamos dizer. Essa fogueira da razão me preocupa tanto quanto os incêndios florestais que sempre serão uma característica da vida na Terra.

Destroços de propriedades queimadas, após o incêndio Palisades, em Los Angeles, na Califórnia (10/1/2025) | Foto: Reuters/Daniel Cole

Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show. Seu novo livro, After the Pogrom: 7 October, Israel and the Crisis of Civilisation, foi lançado em 2024. Brendan está no Instagram: @burntoakboy

Leia também “Meninas pobres sacrificadas no altar da ideologia”

3 comentários
  1. Emilio Sani
    Emilio Sani

    mas e o que diz Di Caprio agora?

  2. Felício Soethe
    Felício Soethe

    Uma dúvida, somente, diante de tantos alarmistas de plantão: O dilúvio retratado na Bíblia, também foi fruto da queima de petróleo, do gás carbônico, ou da queima de florestas; ou da criação de gado, que produz muito gás metano?

    1. Felício Soethe
      Felício Soethe

      E mais O incêndio que devastou Sodoma e Gomorra, quem foi o culpado?

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