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Steve Witkoff, enviado de Trump para o Oriente Médio | Foto: Reprodução/X
Edição 254

O homem forte de Trump

Amigo do presidente há décadas, Steve Witkoff foi decisivo para a obtenção de um cessar-fogo em Gaza

eugenio goussinsky
Eugenio Goussinsky
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Sábado 11 de janeiro, dias antes do anúncio de cessar-fogo entre Israel e o Hamas. Steve Witkoff, de 67 anos, telefona para o escritório de Benjamin Netanyahu. Os assessores do primeiro-ministro israelense dizem que ele não poderia atender.

Era Shabat, o dia sagrado no judaísmo para o descanso semanal. Witkoff é judeu. Sabe que, pela religião, o descanso pode ser interrompido quando se trata de caso de vida ou morte. “Não me importo com o dia”, disse, irritado, em inglês. Netanyahu o atendeu.

A situação, relatada pelo jornal israelense Haaretz, ilustra a mudança no cenário do Oriente Médio depois da eleição de Donald Trump, que tomaria posse no dia 20. Além de amigo, Witkoff é o enviado de Trump para o Oriente Médio. 

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A entrada dele nas negociações para um cessar-fogo e para a libertação de reféns sob controle do grupo terrorista foi fundamental para dar fim a 15 meses de impasse. “Acho que eles entenderam bem: melhor fechar o acordo antes da posse”, declarou Witkoff a jornalistas. Na declaração, não faltou a menção a Trump por delegar “melhor do que qualquer um.”

Netanyahu estava irredutível desde 7 de outubro de 2023. Não aceitava um cessar-fogo com o Hamas, para a libertação dos 94 reféns, se o grupo terrorista não abrisse mão de governar a Faixa de Gaza. Considerava um sinal de fraqueza Israel interromper os combates sem essa garantia. Não queria, em seu íntimo, repetir os erros que culminaram com os ataques naquela data fatídica.

Já nos primeiros dias de janeiro de 2025, antes de ter o seu Shabat interrompido, ele percebeu que algo havia mudado. Sentado em seu escritório, em Jerusalém, ouviu do mesmo Witkoff uma frase direta e objetiva: “O presidente Trump tem sido um grande amigo de Israel, e agora é hora de ser um amigo de volta.”

Desde que assumiu a função, Witkoff passou a cobrar uma definição rápida para esse impasse. Israel não vai abandonar totalmente suas posições em Gaza. Mas teve de aceitar um cessar-fogo para uma troca dos reféns por terroristas presos em seu território. O Hamas não deixaria o poder, pelo menos por enquanto.

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A movimentação gerada por Witkoff serviu como uma fagulha para impulsionar a negociação. Estremeceu as bases do Hamas e convenceu Netanyahu. As Forças de Defesa de Israel, afinal, haviam neutralizado a maior parte da capacidade bélica da organização terrorista. O que possibilitou, no acordo, o retorno da população para o norte de Gaza. 

“A abordagem direta e assertiva de Witkoff, aliada ao respaldo de Trump, permitiu-lhe pressionar efetivamente as partes”, afirma a doutora em relações internacionais Karina Calandrin. “Embora estivesse alinhado com as diretrizes da administração Trump, Witkoff demonstrou autonomia significativa ao conduzir negociações sensíveis e complexas, adaptando-se às dinâmicas regionais para facilitar o cessar-fogo e a liberação de reféns.”

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A presença de Witkoff se tornou a personificação da ameaça de Trump, feita antes de ele assumir a Presidência: “Se eles [reféns] não estiverem de volta quando eu assumir o cargo, o inferno vai se instaurar no Oriente Médio, e isso não será bom para o Hamas, e não será bom, francamente, para ninguém”, afirmou Trump. “Vai ser instaurado o caos”.

A presença de Witkoff simbolizou a ameaça de Trump de instaurar o caos no Oriente Médio caso os reféns não fossem libertados | Foto: Reprodução/X

A pressão militar israelense, na retaliação aos ataques, e deterioração das condições humanitárias em Gaza tornaram a situação insustentável para o grupo, segundo Calandrin. Ela, que também é assessora acadêmica no Instituto Brasil-Israel, acredita que isso também influenciou na aceitação do acordo por parte do Hamas.

“Além disso, a perspectiva de um novo governo norte-americano com políticas possivelmente mais duras pode ter incentivado o Hamas a buscar um acordo enquanto ainda havia abertura para negociações.”

Depois do ultimato de Trump aos terroristas, o emissário demonstrou o alto grau de sintonia que mantém com o presidente. Disse estar “prestes” a chegar a um entendimento e expressou uma “grande esperança” de que, até o dia da posse de Trump, haveria “boas notícias” para anunciar. No dia 19 de janeiro, três reféns foram libertadas: Emily Damari, Romi Gonen e Doron Steinbrecher. Em troca, Israel libertou 90 prisioneiros palestinos.

Em 25 de janeiro, foi a vez de as militares Karina Ariev, Daniella Gilboa, Naama Levy e Liri Albag retornarem a Israel. Em contrapartida, Israel soltou cerca de 200 prisioneiros palestinos. 

Na quinta-feira, 30, cumprindo exigências de Israel, mais civis voltaram a ser libertados: Arbel Yehoud, de 29 anos, Gadi Moshe Mozes, 80 anos, e o militar Agam Berger, 19 anos. Esta primeira etapa prevê a libertação de 33 reféns.

A proporção da troca é de 50 prisioneiros para cada refém. Setores conservadores e ortodoxos da sociedade israelense criticaram o acordo. Compõem a base de apoio de Netanyahu no Knesset (Parlamento). Nem isso foi capaz de impedir o êxito de Witkoff — e de Trump.

Resultados imediatos

Witkoff e Trump se conhecem há quatro décadas. Nascido no Bronx, em Nova York, Witkoff atuou como advogado até se tornar investidor no ramo imobiliário, onde fez fortuna e amizade com Trump.

Os dois jogam golfe juntos. No ano passado, Witkoff estava com o presidente quando este foi alvo de uma tentativa de assassinato na Flórida.

Witkoff tem um estilo diferente do genro de Trump, Jared Kushner, que também tem origem judaica. Enviado de Trump em seu primeiro governo, Kushner foi fundamental para os Acordos de Abraão, em 2020, que normalizaram as relações diplomáticas de Israel com países como os Emirados Árabes e o Bahrein. 

Witkoff tem um estilo distinto de Jared Kushner, arquiteto dos Acordos de Abraão que normalizaram relações entre Israel e países árabes em 2020 | Foto: Flickr/Gage Skidmore

O contexto, no entanto, era outro. Kushner utilizou um modelo alinhado ao espírito comercial da aliança — promovendo trocas de tecnologia e pesquisas científicas. Já Witkoff precisou agir rapidamente para lidar com uma situação extrema.

Os resultados precisavam ser imediatos. Ele atuou pelo cessar-fogo como um negociador do ramo imobiliário. Aquele que estuda áreas e regiões de forma estratégica. E utiliza a linguagem firme quando necessário.

“Temos pessoas que sabem tudo sobre o Oriente Médio, mas não conseguem se expressar direito”, disse Trump a respeito do amigo, segundo a agência de notícias AP. ” Witkoff é um grande negociador.

Momentos de tensão

As negociações foram conduzidas de maneira intensa e acelerada, especialmente nas 96 horas que antecederam o acordo. As conversas ocorreram em um luxuoso clube na orla de Doha, em clima de tensão.

Mediadores do Catar, encabeçados pelo Sheikh Tamim bin Hamad al-Thani, e também do Egito e dos Estados Unidos se tornaram intermediários para levar informações de um lado a outro.

O clima era de total desconfiança. “Eles suspeitavam extremamente uns dos outros, sem nenhuma confiança”, disse à AP um oficial egípcio envolvido nas negociações, que pediu para não ter seu nome identificado. “As conversas naquela noite se arrastaram por causa de desacordos sobre mapas que mostravam de onde Israel começaria a retirar suas tropas e sobre sua exigência de que o Hamas fornecesse uma lista de reféns que ainda estavam vivos.”

Os representantes de Israel e do Hamas não se encontraram. A delegação do grupo terrorista ficou no primeiro andar. O negociador havia escapado de um ataque aéreo israelense que matou sete membros de sua família.

No andar acima, membros da equipe de David Barnea (chefe do Mossad) liam e reliam cada palavra do acordo. Barnea é um dos que haviam prometido eliminar todos os participantes daquele ataque de 7 de outubro.

Ao lado de Witkoff estava Brett McGurk, enviado de Joe Biden. Em várias outras tentativas nos meses anteriores, porém, o representante de Biden não havia conseguido impedir que, por uma ou outra palavra, as negociações se interrompessem.

Witkoff fez mesmo a diferença, segundo afirmou Zaha Hassan, analista política e pesquisadora do Carnegie Endowment for International Peace. “O que sabemos agora é que ele ajudou a negociar um cessar-fogo, algo que o governo Biden não conseguiu fazer em 15 meses.”

Refúgio para terroristas, nunca mais

Nem todos, porém, acreditam que Netanyahu cedeu a Trump. O que ele fez, segundo Yousef Munayyer, analista político e pesquisador-sênior do Arab Center Washington DC, foi apenas esperar pela eleição do norte-americano, um aliado mais próximo.

Os familiares dos reféns mortos solicitam que Benjamin Netanyahu se encontre com todas os parentes dos sequestrados e assassinados
Segundo analista político, Netanyahu aguardou a eleição de Trump, um aliado mais próximo | Foto: Reprodução/X

“A realidade é que esse era um acordo que todos sabiam que precisava acontecer, e o único fator sob controle dos israelenses era o momento de sua conclusão”, disse à AP.

O fato é que, agora, Netanyahu sabe que tem um aliado firme, mas que cobra. Ele parece não se importar. Já anunciou uma viagem aos Estados Unidos para o primeiro encontro com Trump neste novo governo.

Enquanto isso, Witkoff conversa com Netanyahu sobre a próxima fase do acordo. A meta é a libertação dos 64 reféns restantes do cativeiro do Hamas. Destes, oito estão confirmados como mortos. O Catar e o Egito já recomeçaram as discussões sobre o assunto.

Trump, porém, vai além: “Witkoff vai continuar a trabalhar em estreita colaboração com Israel e nossos aliados para garantir que Gaza nunca mais se torne um refúgio seguro para terroristas.”

A ideia é trazer estabilidade e o fim das ameaças a toda a região. Do rio ao mar.

Leia também “O ‘crime’ de ser israelense”

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