Ao cruzar a linha da segunda metade do mandato, considerada sempre mais pedregulhosa durante qualquer governo no país, o presidente Lula da Silva teve uma ideia para tentar se salvar do naufrágio: levar um marqueteiro para dentro do Palácio do Planalto. O escolhido foi o baiano Sidônio Palmeira, responsável por campanhas do PT, que passou a ter status de ministro de Estado em janeiro. Prestes a completar o primeiro mês na cadeira, ele foi flagrado pela imprensa, na semana passada, num gesto que poderia estar acompanhado da seguinte legenda: “Onde eu fui me meter?”.
A imagem (reproduzida no vídeo abaixo) foi registrada no dia 30 de janeiro, numa entrevista coletiva convocada pela equipe do próprio Sidônio. A ideia era tentar colocar o petista diante das lentes dos amigos da velha mídia para responder a perguntas “controladas” — veículos independentes, como a Revista Oeste, não são convidados pelo cerimonial. Passados alguns minutos com o microfone na mão, porém, Lula disse o seguinte: “Não se preocupe com pesquisa, porque o povo tem razão: a gente não tá entregando aquilo que a gente prometeu. Então como que o povo vai falar bem do governo se ele não tá entregando?”.
Nesse instante, é possível observar o marqueteiro levar a mão direita ao rosto, num gesto típico de quem acaba de ser surpreendido pela fala não combinada. O sorriso nervoso dá lugar a um bamboleio corporal. Em outros trechos, ele tenta demonstrar aprovação ao que Lula diz, assentindo com a cabeça, e esfrega as mãos como se pedisse para que o relógio corresse mais rapidamente.
A estratégia de expor o presidente às câmeras, e deixá-lo falar como se o governo não estivesse à deriva, deu errado. Lula acabou se sentindo à vontade para recorrer ao repertório de mentiras, como negar o rombo fiscal que promoveu no país. “Não existiu rombo fiscal. Rombo existiu no governo passado”, disse. ”A única coisa que desejo é que as pessoas tenham certeza de que neste governo haverá responsabilidade fiscal. Esse é o meu histórico.”
A fala foi ainda pior porque, além de mencionar Jair Bolsonaro sem nenhum dado aritmético à mão, ele culpou a tragédia no Rio Grande do Sul, no ano passado, por isso. Detalhe: seu governo não foi capaz de dar a devida assistência aos gaúchos por causa da incompetência de Paulo Pimenta, nomeado às pressas como interventor no Estado, mas que acabou lembrado por uma foto numa churrascaria, nos dias mais difíceis da catástrofe.
“Se não fosse o Rio Grande do Sul, nós teríamos feito superávit pela primeira vez em muitas décadas. É importante lembrar — e eu gosto de sempre enfatizar — que eu já fui presidente da República e alcancei um superávit de 4,5%, numa demonstração de seriedade.”
(Discurso de Lula em janeiro)
Para quem estava no posto havia poucos dias, a lambança da entrevista improvisada já seria um péssimo cartão de visita, mas não foi só. Em ao menos três momentos, Sidônio fez pior: a reação do governo ao caso Pix; a novela dos brasileiros deportados dos Estados Unidos; e, no último fim de semana, um boné azul que foi parar na cabeça de líderes do PT no Congresso com os dizeres “O Brasil é dos brasileiros” — uma imitação do acessório dos eleitores republicanos de Donald Trump (“Make America great again“, ou “Torne a América grande novamente”).
Os garotos-propaganda escolhidos foram Randolfe Rodrigues (AP), Camilo Santana (CE), Carlos Fávaro (MT) e Alexandre Padilha (SP) — os três últimos se licenciaram dos ministérios para votar na eleição do Senado. Depois, Lula também apareceu em público usando o boné. O site Poder360 informou que cada peça custou R$ 80. O representante da Jr. Bordados, de Irajá (RJ), disse que o PT encomendou 30 bonés para o fim de semana, mas que, no final, acabou produzindo 600. Faturou R$ 48 mil com a brincadeira.
No dia seguinte, deputados da oposição confeccionaram os seus, em verde e amarelo, com a frase “Comida barata novamente”. Até os comentaristas da GloboNews criticaram a ideia de Sidônio.
As redes sociais mostraram que a campanha foi um tiro no pé. Era um meme pronto. Centenas de imagens rodaram grupos de WhatsApp pelo Brasil e inundaram as plataformas com todos os tipos de dizeres: da picanha à corrupção, do aumento de impostos e do preço da gasolina aos gastos secretos da primeira-dama, Janja da Silva. O resultado foi que ninguém lembrava o que estava escrito na testa de Randolfe, Padilha e companhia, mas, sim, das piadas que circularam sem parar. E até o “Make America great again” virou “Make Odebrecht great again” nas redes.
Será que em nenhum momento a nova equipe de comunicação aprendeu com a que foi demitida? Não compreenderam que a criatividade dos memes e o humor do brasileiro são imbatíveis na internet — e isso não tem nada de antidemocrático?
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No sábado, 1º, data da eleição no Congresso, o jornal O Globo, cuja redação tem acesso aos bastidores do governo, trouxe uma informação curiosa: Sidônio se queixou do que chamou de “república do off”. Traduzindo: ele pediu que os ministros e auxiliares de Lula não repassem mais informações sobre o governo aos jornalistas “sem a identificação de quem é a fonte”. Alguns nomes do primeiro escalão teriam sido repreendidos, segundo reportagens da imprensa tradicional: Fernando Haddad (Fazenda), Nísia Trindade (Saúde), Camilo Santana (Educação) e Magda Chambriard (presidente da Petrobras).
O fato é que Sidônio já levou pelo menos dois bailes nas redes sociais. O primeiro foi permitir que o PT escalasse o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) para rivalizar com o vídeo de Nikolas Ferreira (PL-MG) sobre o monitoramento do Pix. A revista Veja disse que o ministro comparou o estrago do Pix a um “câncer em metástase”. O governo separou R$ 50 milhões para produzir uma campanha na semana seguinte. Enquanto o PT tentava, de novo, usar a mesma estética de um vídeo assistido por 300 milhões de pessoas, acabou expondo que sua bancada não tinha um único jovem para duelar com Nikolas — grisalho, Lindbergh foi “cara-pintada” e líder da União Nacional dos Estudantes (UNE) na virada dos anos 1990.
O episódio dos deportados dos Estados Unidos foi uma cortina de fumaça que não deu certo. Por mais que Lula e seus simpatizantes na mídia se empenhem, a inflação dos alimentos é uma crise difícil de reverter com propaganda. Como convencer os pagadores de impostos, cujos salários não têm chegado ao final do mês por causa do preço da comida, que a culpa é de Donald Trump ou de Jair Bolsonaro? Responsabilizar o mercado financeiro tampouco cola, porque o brasileiro está preocupado mesmo é com o “supermercado”. Pior: cada vez que Lula ou Haddad resolvem tocar no assunto, o dólar dispara.
Outra novidade na gestão Sidônio são as entrevistas de Lula para rádios, que há alguns anos passaram também a exibi-las em vídeo pelo YouTube. Na quinta-feira, 6, ele falou para os ouvintes da Rádio Metrópoles, de Salvador. O petista sugeriu aos pagadores de impostos que, ao se depararem com produtos caros nas prateleiras, não comprassem. É algo como culpar o supermercado pelo desastre causado pelo governo dele. Talvez os brasileiros não aprovem a ideia.
Além da falta de conteúdo para embalar, o ministro da Propaganda de Lula deu sinais de falta de repertório já na chegada. Em seu discurso de posse, falou em calar as redes sociais e embarcou no palavrório que já cansou o Brasil: “extrema direita”, ameaça à democracia, censura às redes sociais etc. É a única agenda de Lula em dois anos, sempre pendurado nos gabinetes do Supremo Tribunal Federal (STF). Um detalhe, contudo, pode atrapalhar os planos desse consórcio: não há lei no país para mandar prender pé de laranja ou de café, prateleira de remédio nem carrinho de supermercado.
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Pela 2a semana consecutiva não consigo ler o artigo de Silvio Navarro. Por que, se todos os outros abrem no celular?