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Ilustração: Revista Oeste/IA
Edição 256

O apagão de Lula 3

Quando diz para o trabalhador não mais comprar itens básicos como laranja, café ou carne, o presidente replica uma Maria Antonieta dos trópicos, que faz do Alvorada seu Palácio de Versalhes particular

Adalberto Piotto
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Tempos atrás, escrevi nesta coluna sobre o governo Lula agir como uma biruta, ao sabor dos ventos, tamanha a falta de convicção, de plano, de ideias. O quadro se agravou. Hoje, o governo demonstra diariamente que não tem a menor ideia do que fazer, num apagão de soluções e governança que assombra o país.

Lá atrás, começou negando as estatísticas oficiais e os mais básicos princípios da democracia e da liberdade de expressão. A consequência foi uma regressão em transparência e eficiência da gestão pública. Depois, resolveu brigar com os fatos e a institucionalidade, como a autonomia do Banco Central, decidida por emenda constitucional no Congresso. Debateu-se também contra os avanços da Lei do Saneamento, igualmente discutida e aprovada no Parlamento. Na seara internacional, sempre escolheu o lado errado em tudo o que decidiu apoiar ou opinar, seja na invasão da Ucrânia, na crise dos reféns israelenses sequestrados pelos terroristas do Hamas, seja na proximidade com Emmanuel Macron. Neste último caso, o passeio de mãos dadas com o presidente francês pela Amazônia passou imagem de deslumbre diante da manipulação com bugigangas brilhantes do maior algoz europeu do acordo entre Mercosul e União Europeia.

Além de tudo isso, desrespeita sem pudor a sagrada responsabilidade fiscal. Do que cada família brasileira procura fazer com esmero diariamente, quando tenta colocar as despesas dentro do orçamento doméstico e não gastar mais do que ganha, ele, Lula, desdenha. Dilma Rousseff dizia que “gasto é vida”. De quem? Porque ela quebrou o país e nos legou a maior recessão econômica de nossa história por dois anos seguidos, em 2015 e 2016.

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Presidente Lula e Dilma Rousseff, presidente do Banco do Brics, antes da sessão de abertura da Reunião Ministerial da Força-Tarefa do G20 para o Estabelecimento de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, na sede da ONG Ação da Cidadania | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Por isso que, antes de ir adiante, é recomendável pôr números nesta atual tragédia das contas públicas. O Tesouro Nacional divulgou que o déficit primário de 2024 ficou em torno de R$ 11 bilhões. Nos números reais, foi de R$ 43 bilhões. Mas, como o STF permitiu ao governo excluir da conta os gastos com a tragédia no Rio Grande do Sul, com as queimadas no Pantanal e na Amazônia, e outros mais, o saldo negativo ficou menor, lembrando que vinha de um buraco de R$ 228 bilhões em 2023.

A equipe econômica tenta passar a imagem de que a trajetória do endividamento está controlada, declinante. Mas por que, então, as preocupações fiscais não saem da pauta? Porque, apesar de os números mostrarem uma queda do endividamento, também escondem algumas pegadinhas.

Vamos lá!

A retirada de algumas despesas para melhorar os números foi autorizada por uma canetada do Supremo Tribunal Federal, o sócio do consórcio em Brasília. Tal desvirtuamento fora da institucionalidade constitucional é insustentável numa democracia porque atropela a separação dos Poderes e suas prerrogativas. Apenas para comparar, durante a pandemia de covid-19, ao se ver pressionado a aumentar os gastos fora do orçamento para mitigar os efeitos da crise sanitária global, o governo Bolsonaro negociou com o Congresso a autorização para aumentar os gastos do governo. Ou seja, agiu institucionalmente como previsto nas democracias constitucionais, em que o Legislativo é o fiscal do Executivo. Quem deveria ser o STF nessa equação de poder entre o Planalto e o Congresso? Pelo texto da Constituição, ninguém. Mas foi e é quem tem se colocado acima de tudo.

A dívida pública nominal, que envolve o governo federal, os Estados e os municípios, não tergiversa sobre o único significado contábil de gasto: gasto é gasto. Em 2024, a dívida bruta superou os R$ 9 trilhões. Desses, R$ 7,31 trilhões são apenas de dívidas federais, que subiram 12,2% durante a gestão Lula. O discurso de trajetória decrescente do déficit primário, embora fático, padece diante dos números absolutos da dívida bruta em alta. E, nesta semana, o Congresso deu um recado ao governo: não dá mais para fazer ajuste fiscal pela receita. Em outras palavras, chega de aumentar imposto, corte despesas!

Não será fácil. Pressionado pela popularidade ladeira abaixo, o governo inventou o Pé-de-Meia, mais um programa de transferência de renda, com o agravante de ter colocado os gastos fora do orçamento. A pedalada foi notada pelo Tribunal de Contas da União, que mandou bloquear o repasse. Mas, como em Brasília tudo se ajeita, o TCU deu 120 dias para que o governo coloque a despesa do programa dentro do orçamento. Até lá, o dinheiro pode vir de algum outro lugar, mas continua estranho ao pagador de impostos.

Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

O vício da má governança é como pelo de lobo velho: nunca se perde. Apesar de todos os sinais do Congresso e até de sua combalida equipe econômica — cujo ministro tornou-se um meme ambulante —, Lula disse que, se depender dele, não haverá nenhuma outra medida de ajuste fiscal em 2025, um ano pré-eleitoral.

De outro lado, tenta mostrar que não está alienado. Se orientado ou não pelo marqueteiro novo, o presidente assumiu que seu governo ainda não entregou o que prometeu e que a inflação está corroendo o poder de compra da população. A estratégia do discurso não deu certo. Depois de ver seu governo demonstrar insensibilidade e desconhecimento da realidade de uma simples gôndola de supermercado ou de uma feira de rua, quando recomendou que, se a laranja estiver cara (é a fruta mais barata), compre outra fruta (mais cara?), ele, Lula, dobrou a aposta: “Se está caro, não compre!”.

Quando você diz para alguém desistir de um produto supérfluo porque o preço está acima do que pode pagar, é uma coisa. Mas, quando o presidente da República diz para o trabalhador não mais comprar itens básicos como laranja, alface, café ou carne, Lula pode até ter tomado ciência das coisas, mas replica uma Maria Antonieta dos trópicos, que faz do Alvorada seu Palácio de Versalhes particular, igualmente distante do povo, do cheiro da rua, do calor do asfalto por onde não consegue mais andar por ter se tornado um presidente de cercadinho.

O apagão de Lula 3 é extremamente crítico ao país dos brasileiros que trabalham, com demanda reprimida por dar certo e pressa em fazer acontecer. Até quando dura, é difícil imaginar no atual contexto atípico da política sob o STF.

E falo do governo, porque o apagão parece ser irreversível.

Leia também “Não é guerra fria. É só a hora dos adultos na sala”

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