Preso em 17 de novembro de 2016 por corrupção, lavagem de dinheiro e outras patifarias, Sérgio Cabral Filho passou mais de dois anos negando o que afirmava aos berros o colosso de provas colhidas pela Operação Lava Jato: entre janeiro de 2007 e abril de 2015, quando Cabral antecipou com a renúncia o fim do segundo mandato, o Rio de Janeiro foi governado por um gatuno compulsivo, que enriqueceu com propinas multimilionárias que abrangeram todas as transações financeiras que exigiam a aprovação do chefe do Executivo.
Em fevereiro de 2019, num depoimento ao juiz Marcelo Bretas, Cabral enfim admitiu que comandara a roubalheira de dimensões amazônicas. Mas não era bandido, ressalvou. Apenas sofria de uma espécie de dependência, muito comum em todo o território nacional, que alcançara dimensões epidêmicas no Rio. “Esse apego a poder, a dinheiro, a tudo isso, isso é um vício”, revelou o depoente. Onde se via nitidamente um tremendo caso de polícia, deveria enxergar-se um caso clínico. Aparentemente incurável, advertiam as investigações sobre o que andara fazendo o viciado em ladroagem.
Ao assumir o governo fluminense, Cabral fixou em 5% a parte que lhe cabia em cada contrato fechado pela Secretaria de Obras. “Antes de mim, essa comissão era de 10%”, elogiou-se. O vice-governador Pezão ficava com 3%. A divisão do produto do roubo incluía uma fatia reservada ao financiamento das campanhas do prefeito do Rio, Eduardo Paes. O tamanho das quantias movimentadas garantia o amistoso convívio dos integrantes do alto comando da quadrilha.
Um exemplo: Cabral acrescentou ao patrimônio pessoal mais de R$ 78,9 milhões só com os contratos que premiaram a Odebrecht com as obras do PAC Favelas, a reforma do Maracanã para a Copa de 2014, a construção do Arco Metropolitano e a implantação da Linha 4 do metrô carioca. O abandono de refinarias ainda no berço e o naufrágio das parcerias megalomaníacas com Eike Batista foram os carros alegóricos do desfile de furtos e extorsões de todos os tipos. Ninguém escapava das propinas cobradas por Cabral, do fornecedor de merendas escolares à mulher do cafezinho. Condenado em 23 dos 35 processos que protagonizou, as penas impostas ao réu somaram 425 anos e 20 dias de gaiola. Eis aí uma marca que faria bonito nas piores prisões dos Estados Unidos.
Até a entrada em cena do viciado insaciável, o recorde da modalidade pertencia a Marcos Camacho, o Marcola, chefe supremo da organização criminosa Primeiro Comando da Capital: 320 anos de gaiola. Não é pouca coisa. Diante da façanha de Cabral, parece coisa de amador. Em qualquer país provido de um sistema judicial eficaz, os dois morreriam numa cela. Como estamos no Brasil, Marcola pode a qualquer momento deixar pela porta da frente o presídio de segurança máxima que habita. Nenhuma surpresa: o recordista Cabral, depois de seis anos em vários presídios, está livre, leve e solto.
Libertado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, tem tempo de sobra para aparecer no Instagram quase diariamente, a bordo de vídeos em que recomenda filmes e livros, aparece lutando boxe com amigo sparring e recita que a temporada no xilindró o aproximou de Deus e da família. Na semana passada, ao celebrar a chegada a 20 mil seguidores, o ex-governador declarou-se pronto para ampliar a folha de serviços prestados à nação. “Se a Justiça permitir, gostaria de ser candidato a deputado federal”, confessou. Ele sabe que não terá dificuldades para regressar ao mundo dos palanques e discurseiras.
Segundo o STF, Cabral não foi absolvido de nenhuma das acusações que o mantiveram na cadeia durante seis anos. A soltura se deveu à duração exagerada das prisões preventivas. Ao desempatar a votação em favor de Cabral, o ministro Gilmar Mendes alegou que essa espécie de punição tem de ser revista a cada 90 dias. É o que têm lembrado nos últimos dois anos advogados dos presos do 8 de janeiro de 2023. O caso do ex-governador mostra que certas normas só valem quando convém à ditadura da toga. Cabral ingressou no clube dos socorridos por uma Suprema Comissão de Anistia, formada por ministros que agem nas Turmas ou se valem do voto monocrático para premiar com a liberdade bandidos de estimação.
O primeiro e mais valioso resgatado da cadeia foi Lula. Decidido a transferir da prisão para o Planalto um corrupto punido por nove juízes, Edson Fachin inventou a Lei do CEP. As bandidagens haviam sido devassadas pela Lava Jato em Curitiba, ensinou o superjuiz, “mas teriam de ser apuradas em Brasília”. Gilmar Mendes ressalvou que Lula não fora inocentado, e repetiu a piada de mau gosto na tentativa de justificar a soltura de Cabral. O falatório só confirmou que ambos foram, na prática, anistiados.
Um voto solitário de Dias Toffoli fez mais do que afastar das grades os irmãos Batista, homiziados na J&F. Ao dispensar a dupla de pagar a multa fixada no acordo de delação premiada, o ministro inventou uma ramificação do Bolsa Ditadura: além do perdão, os criminosos amigos mantêm em seu poder a parte do produto do roubo que prometeram devolver. Coerentemente, o Amigo do Amigo de Meu Pai anistiou também os larápios da Odebrecht. E deu por liquidada a dívida bilionária.
Talvez abalado pelos estragos decorrentes da síndrome de abstinência, Sérgio Cabral não está em plena forma. Falta-lhe ritmo de jogo. Mas os vídeos estão aí para isso. Ele já vem soltando a voz com a fluência de camelô, ajustando o olhar de pecador arrependido e aprendendo a sorrir como um pregador da série B. Quando dominar a arte de comover plateias com um choro convulsivo sem lágrimas, estará pronto para piorar o Ministério de Lula. Ou para disputar uma vaga na Câmara de Vereadores do Rio e gritar a palavra de ordem mais obscena da história do Brasil: “Sem anistia”.
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Esse cara me dá nojo!!! É a cara do Brasil!! Pobre Rio de Janeiro; capital governada por um pupilo desse indivíduo asqueroso!!! Decadência irreversível. Típico suburbano morador da zona sul; o ranço é eterno!!!
O povo acabou de mostrar nas eleições de 2024 que está enxergando com nitidez cada vez maior os canalhas que atormentam o Brasil. Cabral e Lula são dois dos mais torpes. A hora de todos chegará.
Povo e políticos malditos!!
País maldito!!
Augusto, estou começando a ter dificuldades com a leitura de seus textos. Os conteúdos deles me causam dores na entranhas de ódio e revolta e o infeliz sentimento de impotência ante tanta roubalheira.
Renovei a assinatura da revista, mas ainda não recebi o livro do Augusto Nunes.