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Ilustração: GoodStudio/Shutterstock
Edição 257

A nova ‘luta de classes’: humanos X robôs

A parceria com a tecnologia é um caminho mais inteligente

Dagomir Marquezi
-

A história de todas as sociedades que existiram até hoje
é a história da luta de classes. Homem livre e escravo,
patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação
e companheiro — numa palavra, opressores e oprimidos
estiveram em constante oposição, travaram uma luta
incessante, ora velada, ora aberta, uma luta que terminou
sempre por uma transformação revolucionária de toda a
sociedade ou pela ruína das classes em conflito.
(Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto Comunista, 1848)

Marx e Engels, que propunham o conflito eterno entre os seres humanos, não tinham imaginação para prever o que aconteceria no século 21. O conflito do momento não é entre “opressores e oprimidos” — mas entre humanos mal preparados e robôs. A situação é capa da revista TechLife.

Recente pesquisa da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) descobriu o que todo mundo já sabe: latinos que trabalham em agricultura, construção civil, varejo e no ramo da alimentação estão ameaçados pela automação. Outro estudo da UCLA mostrou que, só no estado da Califórnia, 2,3 milhões de latinos estão em empregos com risco de se tornarem automatizados. Voltaremos aos latinos da Califórnia mais tarde.

Quem corre perigo?

A questão não é nova. “As máquinas tornaram os empregos obsoletos por séculos”, lembra matéria recente da revista Time. “A máquina de fiar substituiu os tecelões, os botões substituíram os operadores de elevador e a internet tirou as agências de viagens do mercado. Um estudo estima que cerca de 400 mil empregos foram perdidos para a automação nas fábricas dos EUA de 1990 a 2007.”

Uma pesquisa do Fórum Econômico Mundial com 800 companhias e 637 milhões de empregados ao redor do mundo mediu o impacto desta nova era. Segundo essa pesquisa, 83 milhões de empregos podem acabar até 2027. Foram levantados os dez tipos de trabalho que estão em declínio mais rápido:

  1. Caixas de bancos e caixas em geral
  2. Atendentes de serviços postais
  3. Caixas e bilheteiros
  4. Auxiliares de alimentação de dados
  5. Secretários administrativos e executivos
  6. Auxiliares de registro de materiais e manutenção de estoque
  7. Escriturários de contabilidade, escrituração e folha de pagamento
  8. Legisladores
  9. Funcionários de estatística, finanças e seguros
  10. Vendedores de porta em porta, vendedores de rua e bancas de jornais
Foto: VesnaArt/Shutterstock

No outro lado da lista estão os empregos que estão crescendo de forma mais rápida:

  1. Especialistas em inteligência artificial e aprendizado de máquina
  2. Especialistas em sustentabilidade
  3. Analistas de inteligência de negócios
  4. Analistas de segurança de informação
  5. Engenheiros de fintechs
  6. Cientistas e analistas de dados
  7. Engenheiros de robótica
  8. Engenheiros de eletrotecnologia
  9. Operadores de equipamentos agrícolas
  10. Especialistas em transformação digital

Como se pode perceber, as dez ocupações em alta estão todas integradas com a evolução da tecnologia. Quem quer crescer não deveria encarar a tecnologia como um rival que vai roubar seu emprego. Mas como um parceiro de trabalho, especialmente na área de inteligência artificial, capaz de potencializar a capacidade de qualquer pessoa preparada. 

As previsões do passado

Em 2018, a Universidade de Oxford fez um exercício de previsão no mesmo sentido e declarou quais empregos correriam mais perigo de automação em 2025. A lista:

  1. Operadores de telemarketing
  2. Pesquisadores
  3. Costureiros
  4. Técnicos matemáticos
  5. Subscritores de seguros
  6. Reparadores de relógios
  7. Agentes de carga e frete
  8. Preparadores de impostos
  9. Trabalhadores de processo fotográfico e operadores de máquinas de processamento
  10. Novos auxiliares de contas

Em alguns desses pontos eles acertaram. Quase ninguém trabalha mais como revelador de fotos em laboratórios. Já as oficinas de conserto de relógios parecem firmes. Costureiros também. 

Segundo o estudo da Oxford, estas seriam dez ocupações que não seriam ameaçadas pela automação neste ano de 2025:

  1. Terapeutas recreativos
  2. Supervisores de primeira linha de mecânicos, instaladores e reparadores
  3. Diretores de gerenciamento de emergência
  4. Assistentes sociais de saúde mental e abuso de substâncias
  5. Audiologistas
  6. Terapeutas ocupacionais
  7. Ortesistas e protesistas
  8. Assistentes sociais de saúde
  9. Cirurgiões orais e maxilofaciais
  10. Supervisores de primeira linha de trabalhadores de prevenção e combate a incêndios
Foto: Andrey Popov/Shutterstock

Há uma tendência em comum nessas pesquisas: as profissões mais ameaçadas são as mais repetitivas e redundantes. No Brasil, algumas delas são mantidas por lobbies sindicais, esses eternos protetores do atraso — como os cobradores de ônibus e condutores de metrô. A crise da automação é na verdade um convite para que as pessoas evoluam, sejam mais criativas e técnicas.

O site Caper, especializado em trabalho, foi um pouco além e levantou as atividades que poderão ser substituídas pela inteligência artificial daqui a cinco anos. Exemplos:

  1. Tarefas repetitivas e baseadas em regras: elas não precisam de humanos.
  2. Trabalhos que não precisam de inteligência emocional: se o ser humano não usa empatia, criatividade e inteligência emocional, pode ser perfeitamente substituído.
  3. Atendimento ao cliente: a inteligência artificial faz a maior parte desse serviço sem cobrar salário.
  4. Motoristas de caminhão e táxi: já estão sendo substituídos por veículos autônomos Tesla e Waymo.
  5. Revisores: o ChatGPT e outros modelos de IA já fazem esse serviço sem pausa para o almoço ou necessidade de dormir.
Foto: Shutterstock

E os latinos?

É o momento de voltar aos latinos da Califórnia. Um programa oficial chamado Latino Digital Accelerator (Acelerador Digital Latino) foi desenvolvido pelo governo Joe Biden (e pelo menos até agora mantido pelo governo Donald Trump) para ensinar o uso do computador, da internet e da inteligência artificial a quem estava menos preparado.

Dos 35 mil treinados pelo Latino Digital Accelerator, 70% foram até o fim, 6 mil arranjaram novos empregos e 10,5 mil ganham hoje um salário de seis dígitos anuais. É uma resposta da educação prática da meritocracia na vida de quem quer progredir.

O Brasil de 2025 decidiu tomar outros caminhos. Nossas universidades lavam o cérebro dos estudantes para provar que o que Marx e Engels escreveram em 1848 continua valendo 177 anos depois. Em vez de preparar as novas gerações para um trabalho conjunto com robôs, incentivamos a preguiça com programas assistenciais tipo Bolsa Família. E o grau de sucesso do Brasil como país está invariavelmente associado pelo comandante da nação à palavra “cervejinha”.


dagomirmarquezi.com
@dagomirmarquezi

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1 comentário
  1. JOSE CARLOS GIOVANNINI
    JOSE CARLOS GIOVANNINI

    Texto primoroso. Teachers, vice reitores e reitores poderiam colocar ( só um pouquinho ) a carapuça…

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