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Obra A Conquista do Amazonas, de Antonio Parreiras (1907) | Foto: Reprodução/Museu Histórico do Estado do Pará
Edição 257

A saga amazônica de Pedro Teixeira — Parte 1

O capitão foi designado para comandar a primeira expedição de reconhecimento e exploração do Rio Amazonas

Evaristo de Miranda
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Nada nas conquistas de Portugal é mais extraordinário
do que a conquista da Amazônia.
(Joaquim Nabuco, Direito do Brazil, 1903)

No século 16, a Amazônia não pertencia a Portugal. Era espanhola de direito e de fato. De direito, pelo Tratado de Tordesilhas. E de fato também foram os espanhóis os primeiros a chegar à Ilha de Marajó, no Pará. Como ela se tornou portuguesa e hoje é brasileira? Não caiu dos céus, nem foi obra de ONGs. Foram séculos de estratégia geopolítica dos lusitanos, investimentos, expedições, fortificações, diplomacia, ordenanças, esforços de povoamento e evangelização para torná-la parte do Brasil. A COP30 em Belém será o triste fim de tantas epopeias? Será a Amazônia reduzida a um protetorado estrangeiro, fornecedor de especiarias florestais sustentáveis?

Entre muitos, a um homem o Brasil deve sua Amazônia. Se São Paulo é sinônimo de Nóbrega e Anchieta; Salvador, de Tomé de Sousa; Rio de Janeiro, de Estácio e Mem de Sá; Olinda-Recife, de Duarte Coelho; a Amazônia brasileira tem seu nome: Pedro Teixeira, a quem se deve metade do território brasileiro. Ou: 62% da Amazônia está em território brasileiro por sua causa. Sua história merece ser conhecida, sobretudo na Amazônia, em tempos de internacionalização e ameaças à soberania nacional.

Estátua de Pedro Teixeira em Cantanhede, Portugal | Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Um século depois das expedições espanholas descendo o rio e sem maiores consequências territoriais, em 1637, os portugueses engajaram-se de forma decisiva na exploração e demarcação da Amazônia. Buscaram tomar posse de grande parte da bacia, em cuja embocadura já haviam consolidado sua presença e controle com a fundação de Belém. O final da União das Coroas Ibéricas pedia homens excepcionais. Pedro Teixeira era um deles: experiente e valoroso nas conquistas do Maranhão (expulsão dos franceses) e do Pará (fundação de Belém), na exploração do Tocantins, Tapajós e Xingu, na erradicação de ingleses e holandeses do Amazonas.

No ano anterior, em 1636, um português chamado Francisco Fernandes realizou a façanha de subir sozinho o Rio Amazonas até as proximidades dos contrafortes andinos. Numa pequena canoa impelida a remo e vela, ele chegou até a província dos Encabelados, próximo dos Andes. Lá encontrou uma missão espanhola, cuja guarnição maltratara os índios. Condenados pelos religiosos e atacados pelos índios, os militares enfrentavam uma situação muito confusa. O capitão Juan de Palácios havia sido assassinado.

Os religiosos e mais seis soldados espanhóis decidiram fugir e descer o Amazonas seguindo Francisco Fernandes, como antes já fizera Francisco de Orellana e Lope de Aguirre. Chegaram a Belém a salvo e passaram ao Maranhão, em fevereiro de 1637. Relataram ao governador Jácome Raimundo de Noronha a aventura e seu desejo de retornar ao Equador. A façanha incentivou as autoridades portuguesas, cientes do movimento crescente pela Restauração da Coroa Portuguesa, independente da Espanha, a partirem à conquista e à posse da porção interior do Rio Amazonas.

O capitão Pedro Teixeira foi designado para comandar essa primeira expedição de reconhecimento e exploração do Rio Amazonas, da foz em direção às nascentes, até Quito. Ele havia combatido os franceses no Maranhão com Jerônimo de Albuquerque, participara com Francisco Caldeira Castelo Branco da conquista do Pará e expulsara ingleses e holandeses de Gurupá. Sem mapas, nem maiores referenciais, a ele cabia o desafio de levar as armas e os marcos portugueses até os contrafortes dos Andes, como indicava o Regimento da expedição, sobretudo em sua parte sigilosa, ordenada pelo governador Jácome Raimundo de Noronha.

O capitão Pedro Teixeira foi designado para comandar a primeira expedição de reconhecimento e exploração do Rio Amazonas | Foto: Shutterstock

Na organização, entre outros, a expedição tinha como capitão-mor, Pedro Teixeira, português; mestre de campo (coronel), Bento Rodrigues de Oliveira, fluminense; piloto-mor, capitão Bento da Costa, português; sargento-mor, Felipe Cotrim, português; capitão de infantaria, Pedro da Costa Favela, pernambucano; e escrivão, João Gomes de Andrade, português.

Também integrava a expedição o ouvidor-geral Maurício de Heriarte, cujo relato integra a obra “Descrição do Estado do Maranhão, Pará, Corupá e do rio das Amazonas” e religiosos, como os franciscanos Agostinho das Chagas e Domingos de Brieva. Este descera o Amazonas acompanhando Francisco Fernandes, em 1636, e seguiu com a expedição até Quito, junto com quatro dos seis soldados espanhóis.

Por razões de sigilo, a expedição não saiu de Belém. Foi organizada e saiu de Cametá, antiga Camutá, na margem esquerda do baixo Tocantins. De Cametá, ele passou a Gurupá, onde finalizou os preparativos. Em 28 de outubro de 1637, com 70 canoas (47 de grandes dimensões, com vinte remadores cada), balsas de corticeira menores, três canoas alvarengas com víveres e gêneros alimentícios, mais de 70 soldados, 1,2 mil índios (flecheiros e remadores), mulheres e “meninos de serviço”, num total de mais de 2 mil pessoas. E partiu ao desconhecido, remando contra a corrente, enfrentando, com poucos recursos, enormes perigos e dificuldades.

Foi a maior frota a navegar grande parte do Amazonas/Solimões até hoje. Para encontrar passagem pelos intrincados canais do Amazonas, foram necessárias paciência e persistência. O dia a dia foi de enfermidades, ataques de índios desconhecidos, muitos mosquitos, acidentes, tempestades, falta de alimentos e incertezas. Heriarte, sobre a terra equatorial e suas florestas, disse: “É um tanto estéril de mantimentos, não tem verão conhecido. Todo ano chove; no mês de setembro, secam as águas.” Índios desertaram.

Diante das dificuldades, em fevereiro de 1938, Pedro Teixeira adotou uma tática militar: designou um destacamento de vanguarda, uma esquadrilha mais ágil, com oito canoas, comandado pelo coronel Bento Rodrigues de Oliveira. Brasileiro, ele falava tupi perfeitamente, fora criado entre indígenas. Entendia tanto os índios, a ponto de estes acreditarem em sua capacidade de ler seus pensamentos. Bento Rodrigues seguiu adiante, explorando o território com mais mobilidade, deixando sinais e mensagens para a expedição e preparando locais para pouso.

Com essa estratégia, Pedro Teixeira evitou erros de navegação, perigos de corredeiras desconhecidas, riscos de emboscadas, encontrou tribos amigas e indicações dos melhores locais para acampar. E manteve o ânimo dos índios e da tropa com as demonstrações reiteradas do mestre de campo Bento Rodrigues, segundo as quais o objetivo estava próximo.

Foram meses subindo o Rio Amazonas, sem contato visual com o coronel Bento Rodrigues de Oliveira, apenas com suas comunicações. O relato de Pedro Teixeira da viagem é detalhado. Ele descreve a topografia, as possibilidades de caça e pesca, o contato amistoso com sociedades indígenas, os indícios de metais preciosos, os locais mais apropriados para edificar fortificações, como a indicação para a fortificação e a fundação da futura cidade de Manaus na embocadura do Rio Negro (explorado pela expedição) ou ainda em função das características geomorfológicas do Rio Amazonas, como em Óbidos:

Caminhamos para oeste umas oitenta léguas, tendo o rio sempre de duas léguas a duas e meia de largura até um estreito que não tem mais que um quarto de légua, mas tão fundo que a oitenta braças não se pode tomá-lo. Tem lindas praias para fortalezas e defesa do rio e lindos sítios junto à terra e ainda que despovoada junto ao rio de uma banda e outra, bem perto daí é tanto o gentio como nas demais partes.”

Ideal para fortificar e instalar aduana para controle de mercadorias, metais preciosos e bens vindos ou indo ao Peru.

Ocupação da Amazônia nos séculos 16 e 17 | Foto: Reprodução/Redes Sociais

É possível com os relatos da expedição demarcar, pela primeira vez e com relativa precisão, as densidades populacionais ao longo do Rio Amazonas naquela época. A expedição tanto na ida como no retorno destacou as guerras intertribais marcadas pela presença de estacas fincadas com cabeças humanas, em frente a aldeias ao longo de considerável trecho do rio, a estratificação social nas sociedades indígenas do médio Amazonas e a existência de organizações políticas de caráter regional e pluriétnico. Impressiona o relato de Pedro Teixeira sobre o canibalismo de certas tribos da região — “gente muito carniceira” — e a grande quantidade de troféus de caveiras humanas expostas nas casas e aldeias: “Esses passam da conta porque não usam de outra carne senão a humana”.

Como atestam a etnografia e a arqueologia modernas, a expedição produziu o mais detalhado relato, até então, dessas sociedades indígenas, com sete capítulos aos territórios dos Curuzirari e dos Yoriman. O conjunto dos relatos da expedição permitem localizar geograficamente aldeias na época, a denominação das tribos e sua comparação com o reportado por outras expedições e missões nas décadas e séculos seguintes.

A expedição ultrapassou o limite geográfico atual do Brasil no Rio Amazonas (Tabatinga), mais próximo do Oceano Pacífico e mais distante do Atlântico. Adentrou no hoje Peru por cerca de 500 quilômetros fluviais até chegar à embocadura do Rio Napo, na proximidade leste da atual cidade de Iquitos. Ao deixar o Rio Amazonas e entrar no Rio Napo, a expedição começou a enfrentar correntezas maiores, enquanto subia em direção aos Andes, num longo, sinuoso e perigoso percurso. Era o período de cheia e de maior navegabilidade do Rio Napo (de junho a agosto). Perdeu o auxílio dos ventos alísios, descobertos pela expedição como de grande utilidade no futuro, como foi, para facilitar a ascensão a vela do curso do Rio Amazonas.

Ao chegar à foz do Rio Aguarico (“água rica” — em ouro, em castelhano), Pedro Teixeira instalou um posto militar. Era 3 de julho de 1638. O Rio Aguarico, com 390 quilômetros, em seus últimos 50 quilômetros é hoje a fronteira natural entre as Repúblicas do Equador e do Peru. Desemboca no Rio Napo, entre as atuais Nuevo Rocafuerte (Equador) e Cabo Pantoja (Peru).

Para assegurar sua futura retirada, Pedro Teixeira postou ali a maior parte do seu pequeno exército, sob o comando de Pedro da Costa Favela e Pedro Baião de Abreu. Aguardariam o retorno do capitão e sua pequena tropa, atentos aos Encabelados. Ali, esses temidos índios haviam assassinado o capitan Juan de Palácios. Antropófagos, usavam cabelos compridos. Eram hábeis no uso do dardo e viviam em guerra contínua com tribos limítrofes.

Praça Pedro Teixeira, no centro de Belém | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Com sua tropa reduzida, ele navegou até a cidade atual de Francisco Orellana, mais de 200 quilômetros rio acima. Na margem esquerda do Napo chegam os Rios Coca e Payamino, onde se engajou, seguindo Bento Rodrigues. Seria mais “tranquilo” prosseguir pelo Napo, sem entrar no Payamino, até o Rio Misahuallí, para alcançar Archidona e, por caminho bem trilhado, seguir até as cidades de Baeza e Quito. Opção adotada em seu retorno.

Guiando-se pelos sinais deixados pelo coronel Bento Rodrigues, em 15 de agosto de 1638, alcançou a pequena aldeia castelhana de Payamino, sob jurisdição de Quito, província de Quixos. Lá encontrou pela primeira vez as canoas de Bento Rodrigues, sem tripulação. Ele ali chegara dois meses antes. E uma mensagem: abandonaram a via fluvial e partiram a pé, por trilha, em direção às cabeceiras do Payamino, a Baeza, e depois Quito.

“Nas cabeceiras de Napo e Payamino, ao pé da cordilheira, se tira muito ouro de lavagem, fino de vinte e quatro quilates, e o há em outros muitos rios (…) e todos enriquecem aquela província”, diz Heriarte. Várias plantas cultivadas e exploradas são citadas: mandioca, urucum, goma elástica dos Cambebas (seringueira), milho etc. Menciona o cultivo e o comércio da coca ou epadu (Erythroxylum coca var. ipadu). Com folhas verde-escuras e flores brancas aromáticas, o epadu é uma variedade da coca, a mesma da produção de cocaína. “Por nome Coca, que toma o nome de uma erva, que os índios plantam e beneficiam com grande cuidado pela falda do rio, por a comerem e levarem por contrato a outras partes.”

Pedro Teixeira também abandonou as canoas (nunca as recuperou) e seguiu a pé, para Baeza. Seria a parte mais difícil e desafiadora da expedição: atravessar a floresta amazônica a pé e galgar a Cordilheira até Quito.


— Continua na Edição 259 da Revista Oeste.

Leia também “Na agropecuária nada se perde, nem a fumaça”

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