O simples ato de tomar água em um copo descartável tem ligações umbilicais com a indústria do petróleo. A matéria-prima para a produção de plástico vem do refino do óleo. Esse material e seus similares permeiam quase tudo o que envolve a vida moderna.
Mesmo a tela usada para a leitura desta reportagem, provavelmente, tem componentes dessa linha de materiais. Além disso, o setor petroquímico é a principal fonte do mais básico recurso para o modo de vida contemporâneo: a energia. A indústria petroquímica mantém uma matriz energética armazenável, transportável e estável. E o Brasil está perto de aumentar ainda mais sua participação no mercado mundial, em que hoje ocupa a oitava posição.

Tamanha abundância levou ao anúncio da adesão brasileira às regras da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), feito na última terça-feira, 18. O grupo é uma espécie de clube que reúne 12 das principais nações que faturam alto com as vendas do mineral no mercado externo. A união se fez para ter mais controle sobre os preços e conseguir manter margens de lucro atrativas. Com as operações nos níveis atuais, a produção nacional supera a da maior parte dos membros desse grupo.
Cerca de 4% da oferta mundial diária sai dos poços brasileiros. Na verdade, apenas dois países da Opep fazem melhor: Arábia Saudita (11%) e Iraque (4,3%). O volume local tem excedente de um a cada quatro barris sobre o consumo. A parte extra é equivalente a toda a produção da Líbia — um dos países há mais tempo na organização dos exportadores. O grande segredo da indústria nacional é a extração em águas profundas.
De onde vem o petróleo brasileiro
Grande parte do óleo brasileiro do dia a dia vem da extração em mar aberto. A Petrobras se tornou referência mundial nesse segmento. A camada pré-sal é o maior segredo da produção nacional. Nem mesmo as chagas deixadas pelo Petrolão, o maior escândalo de corrupção da história do país, foram capazes de afundar a companhia.
Cerca de 78% de toda a extração nacional acontece na camada pré-sal. É um bloco profundo, quase 8 mil metros abaixo do nível do mar. Um avião comercial voa cerca de 12 mil metros acima do solo.

O custo de refino da Petrobras nesse filão é de menos de US$ 3 o barril. Por questões de compliance — e até mesmo para aproveitar todo o potencial desse recurso —, a empresa negocia de acordo com as cotações internacionais, cerca de US$ 75 o barril, atualmente. A lucratividade é alta, mas fazer o contrário disso seria transferir a riqueza de quem produz para quem compra, que nunca é o consumidor final.
A compra do petróleo bruto é feita por refinarias para a geração de combustíveis, lubrificantes, polímeros (a matéria-prima do plástico), entre outros. Assim, reduzir a margem da petroleira significaria transferir mais lucro para as empresas que fabricam esses produtos.
Na Arábia Saudita, por exemplo, a exploração é feita por meio de uma estatal. O governo usa o lucro para alavancar a economia local. Com o dinheiro jorrando, foi possível construir um fundo soberano de dar inveja aos maiores investidores do mundo.
Houve a aquisição e a criação de ativos bilionários. O extenso portfólio envolve vários setores. São participações em negócios como empresas aéreas, conglomerados de alimentos como a BRF, uma montadora de carros elétricos na Califórnia, desenvolvimento de inteligência artificial e dispositivos de infraestrutura. O dinheiro gerado pelo setor petroquímico saudita está sendo usado até mesmo para construir uma cidade ultramoderna no meio do deserto, onde não haverá carros. Com o nome The Line, o projeto consiste em uma espécie de prédio espelhado em linha, com 170 quilômetros de extensão, altura de 200 metros, largura de 500 metros e capacidade para abrigar 200 mil moradores. O case da Árabia não é um caso isolado.

Também no Oriente Médio, Dubai é uma grande história de sucesso. O lugar passou de um deserto inóspito para um dos grandes centros de negócio do mundo, graças ao bom emprego do dinheiro gerado pela exploração do óleo negro. Onde antes havia apenas camelos, tendas e muita areia, hoje desfilam Ferraris, Lamborghinis, Rolls-Royces, todos os modelos mais luxuosos de carros que o dinheiro pode comprar. Tanto glamour se completa com o Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo, com 828 metros acima do solo — ou 21 vezes o tamanho da estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Tanto a Arábia Saudita quanto Dubai mostram que é possível mudar a face de um país quando o dinheiro gerado pelos poços não é dragado pela corrupção.
Dubai no Brasil?
No extremo norte do Brasil, um Estado amarga indicadores terríveis. O Amapá, apesar de perto do Caribe, não tem hotéis deslumbrantes em praias paradisíacas forradas de turistas comprando tudo em dólar, rindo da conversão. Em vez disso, há a densidade da Floresta Amazônica, povoados isolados com poucos habitantes e, muitas vezes, até falta de energia em pleno século 21.
A renda per capita média local é de R$ 1,5 mil por mês — o equivalente à metade da cifra em Brasília. Essa escassez de recursos no Estado, porém, pode dar lugar a dias de muita abundância. A chance para a mudança tem nome e sobrenome: petróleo da Margem Equatorial.
Distante 500 quilômetros da costa do Estado, essa área possui gigantescas reservas. Há um entrevero entre o Ibama e o governo federal para liberar os trabalhos por lá. Ao mesmo tempo, um país próximo já resolveu suas questões e está vendo a paisagem urbana melhorar, graças aos investimentos bilionários. É a Guiana, que começa a ser conhecida como a Dubai da América do Sul em razão do boom de riqueza.
Com 800 mil habitantes, a Guiana teve uma explosão do produto interno bruto. Em 2015, antes das petroleiras, a média per capita era de pouco menos de US$ 6 mil por ano. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, o valor deve chegar a US$ 30 mil em 2025. O salto de cinco vezes deixará os guianenses com uma riqueza média mais de duas vezes maior que a dos chineses (US$ 14 mil). As reservas locais do mineral são estimadas em 11 bilhões de barris. A projeção do volume dos poços da Margem Equatorial no Amapá é praticamente a mesma. O tamanho da população também é semelhante ao do país vizinho — ou seja, o petróleo pode transformar esse Estado na Dubai do Brasil.

Leia também “O país da energia limpa”