Pular para o conteúdo
publicidade
J.D. Vance, vice-presidente dos EUA, participa de uma reunião bilateral com a presidente da Comissão Europeia e a representante da UE para Relações Exteriores e Política de Segurança, na residência do embaixador dos EUA em Paris, na França (11/2/2025) | Foto: Reuters/Leah Millis
Edição 258

Pode Clezão recorrer?

Enquanto presidentes do Senado não reafirmarem seu juramento de defender a Constituição, não haverá a quem recorrer

Alexandre Garcia
-

O governo brasileiro levou um pito, e o Supremo recebeu um aviso do Departamento de Estado dos Estados Unidos sobre censura e liberdade de expressão. Expôs a realidade de que o Supremo não cumpre a nossa Constituição, pois os alertas e as exigências dos EUA são os mesmos impostos pela Constituição brasileira, que garante a manifestação do pensamento e veda qualquer tipo de censura. O Brasil não está só na violação desse princípio fundamental da democracia. O vice-presidente dos Estados Unidos, no dia 14 de fevereiro, em Munique, antecipou-se à nota recente do Departamento de Estado e deu um puxão de orelha em autoridades europeias. O discurso na Conferência de Segurança Europeia foi histórico.

Destinava-se à Europa, mas poderia muito bem ser endereçado ao Brasil. Ele começou alegando que a ameaça não vem da China ou da Rússia, mas está dentro da própria Europa, com a destruição de seus valores, principalmente a liberdade de expressão. “Excessiva regulamentação vai restringir a democracia, e não defendê-la” — argumentou. Querem censurar a mídia social com o pretexto de ódio, misoginia, desinformação. “Se acham que a democracia pode ser atingida por algumas postagens, então alguma coisa está errada com essa democracia. Permitir que os cidadãos falem o que pensam só fortalece a democracia.”

Um alerta para o Brasil, que tem todas as garantias na Constituição Cidadã, mas ela é descumprida no seu âmago, já que prioriza garantias para a liberdade. Vance lembrou em Munique que na União Soviética não podia haver o outro lado, a opinião diferente; não podia ganhar a eleição. Qualquer semelhança com a última campanha presidencial brasileira é mera coincidência. O vice americano perguntou aos europeus o que a Otan quer defender. “O que é importante para a Europa e está sob ataque?” E ele próprio respondeu: “Não haverá segurança na Europa se tiverem medo de vozes e opiniões. Aí, não há nada que a América possa fazer por vocês. Vocês não podem ter governo censurando e prendendo oponentes”. Governo que não ouve o povo é tirania, lembrou J.D. Vance. Se trocasse Europa por Brasil, o diagnóstico serviria perfeitamente.

No Brasil, o presidente da República tem insistido na “regulamentação” das redes sociais; isto é, censura, já que a Lei do Marco Civil da Internet, aprovada em 2015 e sancionada por Dilma, é consenso obtido em anos de discussão. O ministro Moraes, falando como professor na USP, ligou redes sociais ao fascismo, apresentando-as como uma conspiração pelo domínio mundial. Mas é o oposto: as redes sociais deram, finalmente, voz à origem do poder, que é o povo. Antes do mundo digital, a conversa ia de uma boca para um par de ouvidos; agora uma opinião pode ser avaliada, contestada, aprovada ou negada, por milhões de pessoas. Por esses canais o eleitor pode fiscalizar e pressionar seus mandatários. Numa rede, cada pessoa com um celular pode ampliar sua voz para o mundo. As redes sociais tornam mais forte a democracia — à exceção dos países em que há censura e tirania.

Aqui tira-se a voz até de parlamentares, que são invioláveis pela Constituição, e se amordaçam e prendem os dissidentes. E há uma inversão política, ao se pensar que o Estado é mais importante que o povo. É o contrário: o Estado só existe porque antes existe um povo; e o Estado existe para servi-lo. O povo é que diz ao Estado o que deve fazer; se é o Estado que diz ao povo o que fazer, isso é o fim da democracia, como ensinou J.D. Vance naquela memorável aula em Munique, em que citou o papa João Paulo II: “Não tenham medo”. Os que temem opiniões discordantes é porque têm argumentos muito fracos — e respondem com censura.

O medo irracional que criou a crise institucional tirou um condenado em três instâncias do cumprimento da pena, lavou sua ficha e o fez candidato e presidente. Medo de Bolsonaro dar golpe. Para justificar o medo, faz-se um inquérito demonstrando que ele queria dar golpe. O golpe é uma abstração que não aconteceu nem tinha meios para acontecer. Mas se torceram tanto a Constituição e o devido processo legal, que não há como desentortá-los e aparentar, no exterior, que aqui vigora uma democracia — com presos políticos, exilados e censura, mais a anulação eleitoral de Bolsonaro, tudo explícito. E, enquanto presidentes do Senado não reafirmarem seu juramento de defender a Constituição, não haverá a quem recorrer. Só o Senado, que aprova os ministros do Supremo, tem poder constitucional de reprová-los. A quem recorre o Rumble? Bolsonaro? Clezão?

Clezão defesa filmagens
Clezão tinha 46 anos. Ele deixou a mulher e duas filhas | Foto: Reprodução/Facebook/Cleriston Cunha

Leia também “Exposto e decomposto”

0 comentários
Nenhum comentário para este artigo, seja o primeiro.
Anterior:
O governo das ‘minorias’
Próximo:
O samba do democrata doido
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.