A regulamentação das redes sociais virou tema central nas discussões jurídicas do país, especialmente quando se trata dos limites entre a liberdade de expressão e a censura. Esses debates se intensificaram ainda mais nos últimos meses, em virtude das propostas draconianas que tramitam no Executivo, no Legislativo e no Judiciário.
O advogado Sérgio Rosenthal, especialista em Direito Digital, alerta para os perigos desses projetos. Segundo o jurista, o risco de eventuais avanços contra a liberdade de manifestação é real. “A grande dificuldade está em definir o que constitui fake news e o que é liberdade de expressão, senão haverá uma zona cinza onde a censura pode facilmente se infiltrar”, observa.
Em entrevista exclusiva, o advogado critica as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Particularmente, as ações do ministro Alexandre de Moraes. Rosenthal cita, entre outras ilegalidades, o bloqueio de perfis nas redes sociais e a imposição de multas milionárias às plataformas. De acordo com o jurista, essas decisões violam o direito de defesa dos indivíduos.
O advogado também rechaça a politização do STF e afirma que esse ativismo judicial pode ultrapassar os limites constitucionais. A discussão sobre o papel do Supremo nas questões digitais, por exemplo, é apenas uma das facetas desse cenário jurídico conturbado. “Lamentavelmente, a polarização que vivemos no meio social se estendeu também ao Poder Judiciário”, resume o jurista.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que o senhor pensa sobre a regulamentação das redes sociais?
A regulamentação adequada interessa à sociedade. Atualmente, existe a regulação fixada pelo Marco Civil da Internet. É uma lei que existe há mais de dez anos. Além disso, as publicações nas redes sociais são reguladas pelo Código Civil e pelo Código Penal. Então, há regulamentação suficiente para coibir a prática de delitos e ilegalidades nas plataformas digitais.
Então, por que o Congresso e o Supremo passaram a discutir formas de ampliar a regulamentação?
O que se discute é o aprimoramento dessa legislação para abarcar situações que, na visão do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, não estão ainda contempladas pela legislação existente. Atualmente, a lei funciona desta forma: os usuários são responsáveis por tudo aquilo que publicam, tanto civil quanto criminalmente. As redes sociais só são responsabilizadas pelo que os usuários publicam em duas circunstâncias diferentes: 1) quando recebem determinação judicial para remover posts, mas desobedecem; e 2) quando recebem notificação de alguém que se sentiu ofendido por situações que envolvem cenas de nudez, atos sexuais e violação de direito autoral.
O STF tem competência para regulamentar as redes sociais?
Esse debate é válido, mas entendo que não cabe ao Supremo legislar sobre o tema, ou seja, criar regras de responsabilização para as plataformas. De acordo com a Constituição, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Quem pode criar lei é o Congresso Nacional, e quem deve promulgá-la é o Poder Executivo. O Judiciário deve julgar de acordo com aquilo que estabelece a lei.
Como evitar que as propostas de regulamentação resultem em censura?
Essa é a grande dificuldade desse tema. Para algumas pessoas, determinadas afirmações configuram fake news. Para outras pessoas, configuram o legítimo direito de liberdade de expressão. É muito difícil, em determinadas circunstâncias, diferenciar um discurso antigoverno de um discurso antidemocrático. São conceitos muito subjetivos. É exatamente nessa zona cinzenta que reside a dificuldade em estabelecer o que é o legítimo direito de suprimir publicações ilegais do legítimo direito de exercício da liberdade de expressão.
Recentemente, o desembargador Ricardo Pessoa de Mello Belli escreveu um artigo no jornal O Estado de S. Paulo para sugerir que jornalistas deveriam ser processados por usarem o termo “penduricalhos”. Ele afirma que essa palavra é uma fake news contra juízes e desembargadores. Como o senhor analisa esse caso?
O artigo foi escrito por um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Portanto, da Corte mais importante no Estado. É uma pessoa ligada ao mundo jurídico e que, em tese, tem conhecimento vasto da nossa lei. Ele escreveu um artigo no qual diz o seguinte: é fake news chamar de “penduricalhos” as vantagens recebidas por magistrados. O desembargador chega a sugerir que os órgãos de representação da magistratura ingressem com ações contra os órgãos de imprensa que divulgam essas matérias. É a opinião dele. Ele tem o direito de manifestar a opinião dele, ou deveria ser cortado? Será que o artigo dele deveria ser proibido? Ainda que não concorde com a opinião dele, penso que o desembargador tem o direito de se expressar.
O Supremo e parte da imprensa protestam contra o anonimato nas redes sociais. O que o senhor pensa sobre esse assunto?
As plataformas digitais, muitas vezes, divulgam publicações que são feitas por robôs ou por perfis falsos. Nessas circunstâncias, entendo que de fato devem existir regras claras para que essas mensagens não sejam espraiadas pelas redes sociais e sejam imediatamente suprimidas. É obrigação das redes sociais verificar se o usuário de fato existe, a fim de que se cumpra o preceito constitucional estabelecido no artigo 5º, inciso IV, que diz o seguinte: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Isso evitaria muitos dos problemas que temos enfrentado atualmente.
Como o senhor vê as decisões do ministro Alexandre de Moraes de determinar o bloqueio de perfis e de impor multas milionárias às plataformas digitais?
Essas decisões são altamente criticáveis, ainda que baseadas em boas intenções. Segundo o Marco Civil da Internet, qualquer conteúdo ilícito pode ser suprimido das plataformas. O Poder Judiciário pode determinar a remoção dessas publicações. Mas a lei não prevê que determinados perfis de usuários sejam banidos. Então, há excessos. Quando você suspende o perfil de um usuário, está criando uma situação em que o internauta fica proibido de publicar algo ilícito, irregular. Mas a mesma pessoa fica também alijada de seu direito de se expressar regularmente. Você está criando uma situação de censura, sem dúvida alguma. É ilegal. Mais ainda: o ministro tem dado ordens de forma monocrática, sem que antes possa ser exercido o direito de defesa. É motivo para muitas críticas.
De que maneira o senhor avalia os inquéritos prolongados pelo ministro Alexandre de Moraes?
Esses inquéritos tratam de inúmeros fatos, e não de apenas um fato criminoso. Envolvem diversas linhas de investigação, vários investigados. Essa deve ser a razão da demora na conclusão dos inquéritos. Evidentemente, esse prazo já foi superado há muito tempo.
Não há formas de recorrer, ao considerarmos que os inquéritos sob relatoria do ministro deveriam ter se encerrado?
O STF é a nossa última instância. É dele a palavra final. A Corte, e não apenas o ministro Alexandre de Moraes, demonstrou ser favorável à continuidade desses inquéritos. Portanto, não há a quem recorrer.
O senhor acredita que as decisões do STF são políticas?
As decisões são jurídicas, emanadas de um tribunal. Mas o componente político é nítido nas decisões do Supremo. Lamentavelmente, a polarização que vivemos no meio social se estendeu também ao Poder Judiciário. Hoje em dia, temos uma Corte politizada e polarizada. Isso se reflete em inúmeras decisões que têm sido exaradas nos últimos tempos.
Alguma dessas decisões chamou atenção do senhor?
A recente denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, cujo julgamento deve ser atribuído à Primeira Turma do STF. Isso chama atenção. O caso não seguiu para o plenário, com a deliberação de todos os ministros — o que pareceria absolutamente razoável e até natural.
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Quais seriam os contrapesos para eventuais avanços do STF?
Em casos que estão sub judice, a última palavra é do Supremo. Não há nada que se possa fazer a respeito disso. Com relação às atividades do Supremo e dos poderes dos ministros, eventuais reformas devem ocorrer por meio de alterações na Constituição Federal. Existem projetos em discussão para limitar os poderes dos ministros ou para estabelecer mandatos com prazos específicos, sem a necessidade de ficarem no cargo até a aposentadoria.
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