Uma série de reportagens publicadas desde a virada do ano levou o pagador de impostos brasileiro a uma triste viagem ao passado: a corrupção, uma praga varrida pela Lava Jato, está de volta no governo Lula da Silva. Até agora, sabe-se que, em dois anos, o cupim já se espalhou por ministérios, estatais e em contratos e leilões fraudados. Em todas as investigações, os envolvidos têm ligações com o PT. Mas nenhum caso é mais assustador do que a administração da Usina Itaipu Binacional, na fronteira com o Paraguai, a segunda maior hidrelétrica do mundo — superada apenas pela de Três Gargantas, na China.
Aos fatos: nas últimas décadas, com rara lacuna nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, a estatal brasileira-paraguaia se transformou numa empresa petista-paraguaia. O lado brasileiro foi tomado pelo partido. Por que a predileção do PT pelo controle de Itaipu? Há anos, a sigla descobriu uma caixa-preta de dinheiro. Sem rodeios: como se trata de uma empresa com dupla paternidade, o Tribunal de Contas da União (TCU) não precisa ser informado nem faz auditoria sobre o que acontece no caixa.

A decisão de deixar Itaipu numa zona cinzenta de fiscalização foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020. A Corte determinou que o tribunal “se abstivesse de conhecer, processar, julgar e executar qualquer medida de fiscalização sobre a usina, por não ter competência para tal”. No ano seguinte, foi assinado um acordo entre Brasil e Paraguai para criar uma “Comissão Binacional de Contas”, que, até pelo tamanho da burocracia internacional, nunca saiu do papel.
Do lado brasileiro, o Conselho de Administração, com mandatos que vão até maio de 2028, é formado por quatro ministros de Lula — Fernando Haddad (Fazenda), Esther Dweck (Gestão e Inovação), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Rui Costa (Casa Civil) — e pela secretária de Finanças do PT, Gleide Andrade. O chanceler brasileiro — cargo hoje de Mauro Vieira — também obrigatoriamente tem uma cadeira fixa. O único conselheiro filiado a outro partido é o ex-deputado paranaense Michele Caputo Neto, do PSDB. A remuneração é de R$ 34 mil para participar de uma reunião a cada dois meses. A presença de ministros em vários conselhos de empresas e bancos costuma dobrar, triplicar, se não mais, seus salários, de acordo com o número de vagas ocupadas.

O diretor-geral de Itaipu, responsável por assinar convênios e contratos, se chama Enio Verri. Eleito deputado federal pelo PT em 2022, ele desistiu do mandato porque a oferta para chefiar a estatal era mais interessante. De março de 2023 a julho do ano passado, a empresa desembolsou R$ 2 bilhões em 120 convênios socioambientais. Essa cifra, certamente, é maior, mas é a última data disponível para consulta pública. O dinheiro desses convênios sociais sai da conta de luz dos pagadores de impostos das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Em dezembro, Itaipu informou que não tem déficit, mas a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) indicou um rombo de R$ 333 milhões no saldo de comercialização de energia da usina. A única explicação possível para esse prejuízo são repasses para eventos, patrocínios e convênios, ou seja, tudo o que tem sido assinado pela diretoria sem fiscalização externa.
O jornal Folha de S.Paulo e o site Poder360 analisaram parte desses convênios e encontraram problemas. O mais gritante está no Programa Bio Favela — Cufa e Itaipu pela Vida na Favela, assinado com o Instituto Athus. Trata-se de uma parceria para fornecer aulas e material esportivo para crianças — bolas de basquete, futebol e skates —, sob um contrato de R$ 24 milhões.

O que os jornais descobriram? As notas fiscais detalham a compra de 2,1 mil bolas da marca Penalty, por R$ 300 a unidade, valor depois alterado para R$ 200 por bola — o número de unidades salta para 3.150. Ocorre que os modelos que constam nas notas fiscais são muito mais caros do que as bolas que aparecem nas mãos das crianças em vídeos e fotografias. Mais: a bola de basquete, por exemplo, é um modelo para adultos, e a de futsal é certificada pela Fifa para campeonatos profissionais. Não é preciso ser professor de educação física para saber que elas podem machucar uma criança franzina. Além do valor, é a matemática que piora a situação: segundo os papéis, são três bolas profissionais para cada jovem atendido.
A direção de Itaipu afirma que tudo está sendo checado. Mas por quem? O Conselho de Administração só costuma entrar em campo quando se trata de valores acima de US$ 5 milhões — a partir de US$ 1 milhão, o lado paraguaio passa a ser acionado. O diretor da empresa, por exemplo, pode assinar convênios de até US$ 200 mil por conta própria. Ou seja, centenas de convênios passam abaixo do radar de qualquer controle externo.
“Com tamanha sobra de recursos, a usina deveria contribuir para a redução das tarifas da energia que produz, tornando mais baratas as contas de luz dos brasileiros, mas, ao invés disso, é fartamente usada como parte de uma espécie de ‘orçamento paralelo’ para bancar os gastos do governo, sem qualquer controle público ou necessidade de negociação política.”
(Editorial do jornal O Estado de S. Paulo, em 18 de março de 2025)
Sobre a composição do conselho em território brasileiro, outro fato se repete sempre que o PT chega ao poder: a tesouraria do partido tem assento garantido. Assim como Gleide Andrade, o antecessor João Vaccari Neto passou anos no conselho de Itaipu. Só foi exonerado quando a Lava Jato descobriu que ele operava propina para a legenda — apelidada de “pixuleco”. Vaccari foi preso. A então presidente Dilma Rousseff o substituiu por Giles Azevedo, seu chefe de gabinete e homem de confiança, já que a tesouraria petista estava na mira do Ministério Público.

A bagunça em Itaipu não para por aí. Os coordenadores desses programas de repasses de verbas para ONGs e afins são ligados a políticos do PT, como Gleisi Hoffmann, agora nomeada ministra, o deputado estadual paranaense Arilson Chiorato e o vereador Angelo Vanhoni, que perdeu a disputa pela prefeitura de Curitiba no ano passado.
Um nome, contudo, chama muito a atenção de quem acompanha os bastidores da empresa: Silvana Vitorassi, assessora da diretoria. Ela é cota da primeira-dama Janja da Silva, com quem se reúne com frequência em Brasília e de quem é amiga de longa data — aparece até nas fotos do casamento com Lula. Janja trabalhou em Itaipu por 16 anos e mantém amigos na empresa. Ela só pediu demissão quando assumiu o namoro com Lula. A média dos salários de indicados pelo PT é de R$ 20 mil, mesma quantia que ela recebia.




O favorecimento de petistas não se restringe aos empregos concedidos em programas de Itaipu. No final de 2023, portanto já sob custódia petista, a empresa patrocinou o Balanço Crítico da Lava Jato, uma iniciativa do Instituto da Defesa da Classe Trabalhadora. Antes de entrar nas cifras, a pergunta óbvia: a presidente da entidade tem ligações com políticos? A resposta: Miriam Gonçalves foi secretária municipal e vice-prefeita de Curitiba. Em 2018, foi candidata ao Senado pelo PT, mas não conseguiu se eleger.
Com o aval do diretor Enio Verri, foram liberados R$ 60 mil em patrocínio para palestras no instituto, todas elas dedicadas a enxovalhar o trabalho da Operação Lava Jato. Meses depois, em março do ano passado, em convênio firmado com o mesmo instituto, Itaipu liberou R$ 500 mil para a implementação do Museu da Democracia.
Na lista de repasses sem uma lupa externa, e com todos os contornos de picaretagem, R$ 4,2 milhões foram dedicados ao desenvolvimento do projeto Paraná Mais Diversidade: Promovendo a Inclusão e a Cidadania LGBTI+. A instituição beneficiada foi o Grupo Dignidade, uma ONG pró-direitos LGBT fundada pelo ativista Toni Reis, que apoia Lula explicitamente nas redes sociais. Essa mesma ONG recebeu R$ 100 mil em emendas parlamentares do gabinete de Gleisi Hoffmann em 2023.
Nesta semana, o jornal O Estado de S. Paulo ampliou o tamanho da encrenca. A usina está prestes a liberar um financiamento de R$ 750 milhões para as obras da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), no Paraná. De acordo com o jornal, o dinheiro vai sair de uma rubrica chamada “outras despesas de exploração”, o que significa nada — não se trata de projeto social, infraestrutura nem preservação do meio ambiente.
Outro valor que espanta é o de R$ 1,3 bilhão que Itaipu desembolsará para apoiar a COP30, conferência mundial do clima em Belém. Ou ainda R$ 80 milhões para o MST, por meio da Cooperativa Central da Reforma Agrária do Paraná (CCA-PR), em fomento à agricultura familiar. A lista não tem fim.
Por enquanto, a única conclusão possível é de que a praga voltou. A dimensão do estrago em Itaipu é incerta — e, sem fiscalização, provavelmente permanecerá incerta. De onde sai o dinheiro, contudo, não é mais segredo: da sua conta de luz.
— Com reportagem de Rachel Díaz
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Governo da companheirada
Além de Itaipu, outros casos ruidosos sacodem a Esplanada dos Ministérios. Um deles envolve a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, também indicada à cadeira por Janja. As reportagens são do jornal O Estado de S. Paulo. Cida aparece em gravações que integram um dossiê contra ela por acusações de assédio moral aos funcionários da pasta. O caso é analisado pela Comissão de Ética da Presidência e pela Controladoria-Geral da União (CGU).
Para se livrar das denúncias, Cida tentou negociar com uma das funcionárias, Carmen Foro, oferecendo um cargo na COP30, recursos para que “sobrevivesse” no Pará, inclusive buscando dinheiro fora do país, e a criação de boas condições para que ela disputasse a eleição para deputada no ano que vem. Num dos áudios, a ministra mostra sua proximidade com Janja e diz que interrompe qualquer agenda — “tem que deixar tudo” — para atender às demandas da primeira-dama.


Da lista de amigos de Janja, outra enrolada é a agora ex-ministra da Saúde, Nísia Trindade. Ela deixou a cadeira, mas seguirá na mira do TCU por várias razões. A principal brecha foi o despacho de R$ 55 milhões pela pasta que comandava em recursos extras para a pequena cidade de Cabo Frio (RJ), um mês antes de seu filho, que é músico, ser nomeado secretário municipal. O Ministério Público alertou, por meio de representação assinada pelo procurador Lucas Rocha Furtado: “A nomeação se mostra controversa e passível de questionamento, no momento em que ela se deu após a liberação de ‘gorda’ verba pelo ministério dirigido pela mãe do nomeado, em uma espécie de ‘toma lá, dá cá’, prática velha conhecida da política nacional”.
Nísia também é alvo de investigação sobre desvios quando comandou a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na época da pandemia. Há ainda apuração em curso sobre vacinas que nunca chegaram à população e medicamentos de uso contínuo que sumiram de prateleiras de unidades de saúde.

Na virada do ano, mais um nome com passagem pelas manchetes policiais há duas décadas reapareceu: o deputado cearense José Guimarães, líder do governo na Câmara. Na época do escândalo do Mensalão, em 2005, ele deixou de ser conhecido como o irmão de José Genoino e ganhou o apelido de “Capitão Cueca”. O motivo é que um assessor do seu gabinete foi preso no Aeroporto de Congonhas com US$ 100 mil escondidos num saco plástico dentro da cueca, e R$ 200 mil numa maleta de mão. O caso ficou parado na Justiça e prescreveu em 2021.
Em janeiro deste ano, a revista Piauí exibiu um áudio da Polícia Federal com tratativas entre empresários e políticos para desviar dinheiro de emendas parlamentares no Ceará. O nome de Guimarães aparece várias vezes na trama. O inquérito está no gabinete do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A lista é grande: segundo o jornal O Globo, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, de Wellington Dias, contratou R$ 5,6 milhões de uma ONG que sumiu com marmitas para a população pobre. A entidade é comandada por um ex-assessor do deputado petista Nilto Tatto, um dos representantes da apelidada “Tattolândia”, em referência aos bairros de Capela do Socorro, Parelheiros, Cidade Dutra e Grajaú, na periferia sul da capital paulista. Essa franja do mapa é reduto eleitoral da família. Todos são políticos: Nilto, Arselino, Jilmar e Ênio. O roteiro é sempre o mesmo: o dinheiro saiu do ministério do PT com a rubrica de um programa social, apareceu uma ONG no meio do caminho, o responsável por ela era assessor do PT e o dinheiro desapareceu — a marmita, obviamente, nunca chegou.

Um caso grave no governo Lula foge às fileiras do PT: Juscelino Filho, ministro das Comunicações, é do União Brasil. Ele foi indiciado pela Polícia Federal por desvio de R$ 10 milhões em emendas parlamentares — Juscelino é deputado pelo Maranhão. Os recursos foram endereçados para obras nas redondezas da fazenda da família no Estado. Mas não foi só: Juscelino usou o avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para visitar uma feira de cavalos, é acusado de embolsar diárias de viagens e de esconder patrimônio da Justiça Eleitoral. A permanência dele no governo, mesmo nos dias mais agudos de bombardeio da mídia, é um mistério. O PT nunca o defendeu. Na Câmara, a informação nos corredores é que ele tem a blindagem do conterrâneo Flávio Dino, hoje no Supremo.


Resta ainda o Arrozão, o leilão fajuto realizado em meio à tragédia das chuvas do Rio Grande do Sul, no ano passado. Lula decidiu importar, de largada, 263 mil toneladas de arroz agulhinha, em pacotes de 5 quilos, que levariam a logomarca do governo, para serem distribuídos pelo país. Esse número poderia chegar a 1 milhão de toneladas se a ideia desse certo. Na época, porém, os produtores rurais informaram que a operação era desnecessária porque tinham estoque suficiente, com 80% do cereal colhido para abastecer o país. Mas o governo do PT decidiu seguir em frente. Quem comandaria a distribuição seria a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), comandada por Edegar Pretto, ligado ao MST — o pai dele, o ex-deputado Adão Pretto, foi fundador do movimento sem-terra no Rio Grande do Sul.
A partir daí, surgiram todas as digitais da falcatrua: dos quatro vencedores do leilão, o principal era uma loja de queijos em Macapá (AP) (veja foto abaixo). Como o estabelecimento seria capaz de armazenar 150 mil toneladas de arroz conforme as normas sanitárias, e depois cuidar da logística para cruzar o país em rodovias cheias de buracos? Não se sabe. Os deputados da oposição recolheram assinaturas para a abertura de uma CPI, que não prosperou. O pregão foi anulado, e jamais retomado.


Junta-se a essas peças o programa carro-chefe do governo chamado Pé-de-Meia, uma espécie de mesada para jovens estudantes, que foi interditado pelo TCU porque não tem previsão orçamentária — ou melhor, pode configurar uma nova pedalada fiscal se não for remodelado nos próximos meses.
É importante frisar que essa coletânea de desvios veio à tona num momento em que não existe mais a Lava Jato, e o PT governa em consórcio com o Supremo Tribunal Federal, tem um aliado no comando do Ministério Público Federal, transformou a Polícia Federal em polícia política, deu poderes inconstitucionais à Advocacia-Geral da União (AGU) e joga com a imprensa tradicional quase inteira a favor.
Leia também “Tribunal sob suspeita”
Deixamos os ratos entrar no cofre. Agora eles compram as pessoas pela mente ou pelos estômago. É o Brasileiro segue trabalhando para manter privilégios de uma casta.
Parabéns pela reportagem.
A direita tem que produzir mais conteúdo mas quase só comenta, comenta e comenta principalmente o conteúdo dos outros, da esquerda ou do governo e aí só circula na direita.
Já falei aqui na Revista Oeste e na Gazeta do Povo mas continuamos dormindo.
Não tem jeito de ter a estrutura de investigação jornalística do Estadão, Folha ou Globo mas daria para fazer pelo menos uma matéria impactante por mês, ou não ?
1- O que houve realmente com a água do Nordeste ?
2- Na análise técnica dos professores universitários de direito quais os erros do STF ?
3- Quais as mentiras do Lula ?
4- Qual a avaliação psiquiátrica do comportamento do ministro Alexandre de Moraes ?
5- O que está na gaveta de quem, e por quanto tempo, no Congresso e no STF?
Tem muita investigação a ser feita
Só tem bandido, uma quadrilha e nós somos os trouxas.
Muito esclarecedor, como sempre , és perfeito em tuas colocações, sempre respaldadas pela fidelidade aos fatos, muito obrigada
Muito esclarecedor, como sempre , és perfeito em tuas colocações, sempre respaldadas pela fidelidade aos fatos, muito obrigada
O PT voltou com toda força à cena do crime, com apoio do Consórcio e da mídia militante q omite as falcatruas por se beneficiar das verbas milionárias da Secom.
E olhe que isso tudo é o que sabemos. Imaginem o que não sabemos do que acontece no oásis de Brasília, onde os parasitas mandam e desmandam sem o povo por perto.
No mais, parabéns Silvio por mais um excelente artigo. Lembrem-se disto ao pagar a sua conta de luz!
Ian Fleming criou o personagem de ficção do célebre 007 e os agentes cujo número era precedido pelos algarismos 00 tinham licença para matar.
O Consórcio PT-STF criou no Brasil a figura da liberdade para roubar. Basta ser do PT ou de alguma de suas linhas auxiliares e esses são personagens reais, muito vivos e com apetite ilimitado.
Inadmissível
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Infelizmente o brasil virou, novamente, uma zona, o PT tomou conta dos caixas e o nosso dinheiro está indo para os bolsos dos membros da gangue do Alí Babá 🦑💸💸💸💰🤬🤬
Uma dúvida persistente: as alternativas de votação gostei/não gostei se refere ao tema ou à reportagem? Sempre que vou votar opto pelo tema terrível, entretanto acho a reportagem ótima. Aí fica a dúvida: gostei do tema ou da reportagem?
A Gazeta do Povo divide em opinião sobre o artigo e reação à notícia. Fica mais satisfatório.
Também tenho essa dúvida. E acho que muitas outras pessoas também.
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