Já disse aqui que o Brasil só precisa sobreviver a Lula. Falta ainda pouco mais de um ano e meio para as próximas eleições e a possibilidade da retomada da normalidade institucional. Também já trouxe aqui, por diversas vezes, os números do caos econômico das contas públicas, do retrocesso fiscal sem precedentes em que a gastança descontrolada do atual governo jogou fora todo o esforço dos governos Temer e Bolsonaro — e sobretudo da população brasileira —, que recuperaram a economia do país depois dos crimes de corrupção e de gestão do PT. Na coluna da semana passada, pontuei a série de erros e desvios institucionais do governo e o revisionismo temerário do Supremo Tribunal Federal, que colocam o Brasil numa bagunça estranha de insegurança econômica, política e jurídica que desalenta os brasileiros, afasta investidores e coloca em risco o nosso futuro.
Retomo um pequeno trecho do artigo anterior:
“Na extensa lista de fatos recentes que contrariam o maltratado interesse público ou que se sobrepõem a ele nessa estranha bagunça, o desvirtuamento do papel do Estado está comprometendo a vida brasileira tal como ela vinha acontecendo antes disso tudo. Sem previsibilidade do que é legal ou não, do que se pode ou não fazer, da garantia do devido processo legal, a cidadania brasileira se torna de segunda classe. É como se o parágrafo único do artigo 1º da Constituição, que diz textualmente que ‘Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente’, não existisse, não valesse, não dissesse o que diz claramente ou fosse de aplicação relativa.”
Quando o Brasil vivia apenas as crises que a democracia prevê, como debates tensos e intensos entre governistas e oposição — inclusive quando estes trocam de lado —, reformas de legislação pelo Congresso e até escândalos, o respeito pela democracia sempre teve remédio para tudo. Veja que a Constituição de 1988, feita sob a emoção e a pressão da retomada democrática, prevê inclusive processos de impeachment de presidente da República. E tivemos dois, desde então. O lado perdedor gritou, esperneou, mas o processo feito sob o rigor da lei estável, que gera segurança jurídica, garantiu a transição e a recuperação do país. O único desvio aqui foi no fatiamento do julgamento de Dilma, ao não lhe tirar os direitos políticos, mesmo depois de apeada do cargo, como acontecera com Fernando Collor.

Mas o que pretendo frisar com esse exemplo é que a política brasileira, a que vive de voto e fez o texto constitucional, sempre encontrou saídas, mesmo no caso da ex-presidente, defenestrada que foi pelo eleitor na eleição seguinte. Ou seja, solavancos tivemos, mas nunca saímos da estrada institucional e democrática com que pavimentamos a vida nacional desde os anos 1980 do século passado. Agora, os remédios que temos parecem não servir mais, porque muita gente os rejeita na hora de combater a infecção pelo vírus do autoritarismo, que cinicamente prende e arrebenta em nome da defesa da democracia. É esse vírus, criado no laboratório do deep state e fartamente compartilhado entre pessoas sem os mínimos pudores democráticos, que assola o país de todos. Entre os infectados por opção, temos os criadores do vírus, os bem pagos para infectarem os outros, os incautos por uma ditadura pessoal que defenestre o seu opositor e, por fim, temos até os advogados das prerrogativas do vírus. É uma excrescência, uma praga que abala a saúde pública da cidadania brasileira.
Feita a digressão deste momento em que vivemos, volto-me a fatos atuais.
As últimas pesquisas de opinião confirmam o derretimento da popularidade do atual presidente da República. A versão infectada do STF atual, fonte de insegurança jurídica e de arbitrariedades que afrontam a lei, tem em Lula o seu principal parceiro. Juntos, eles têm corroído a garantia constitucional de independência entre os Poderes e a inviolabilidade parlamentar. Com isso, a perseguição a opositores se tornou implacável, só comparável ao DNA de ditaduras. A multidão de zumbis que gritam “sem anistia!” lhes dá uma sensação de apoio. Falsa, como se pode aferir pelas ruas, pelas redes sociais e pelos números.
Pesquisa do PoderData, realizada entre os dias 15 e 17 de março, mostra que 53% desaprovam Lula. No início de 2023, a desaprovação era de 39%. Entre as mulheres, somente 21% apoiam a gestão do petista. E 44% de todos os ouvidos na pesquisa disseram que Lula é pior que Bolsonaro. Somente 32% pensam o contrário. Os números são avassaladores. Mas não apenas.

Aparentemente cansado de ser tratado como poder de segunda classe, o recém-empossado presidente da Câmara dá sinais de reação. Na cerimônia de apresentação do projeto de reforma do Imposto de Renda, em que o populismo de Lula quer isentar quem ganha até R$ 5 mil, Hugo Motta ampliou o debate com os dedos apontados para Lula e para um combalido Fernando Haddad, o ministro da Fazenda sem autonomia, sem autoridade, sem luz, sem apoio, sem nada:
“Queremos discutir mais. Queremos discutir eficiência da máquina pública, queremos discutir algo que possa trazer para o cidadão um serviço público de melhor qualidade. Também queremos discutir, ministro Haddad, pontos importantes no que diz respeito às isenções tributárias que hoje o Brasil tem.”
Ao propor uma discussão maior, antes de aceitar automaticamente a proposta do governo de aumentar a taxação dos que ganham acima de R$ 50 mil por mês, Motta quer saber se o governo da destruição das contas públicas vai passar a gastar menos do que arrecada, se vai reduzir o tamanho da máquina petista inchada, se vai ser responsável com o dinheiro do pagador de impostos, se ofertará serviços públicos melhores e se serão discutidos de verdade os benefícios a grupos econômicos, ora tirados sem estudo de impacto, ora concedidos sem critério ou defesa do interesse público. Em um governo cujo partido majoritário tem sua história ligada aos maiores escândalos de corrupção, toda vigilância é pouca. O presidente da Câmara acerta em aproveitar o momento para dizer que 513 deputados precisam ser levados em conta. É uma reação importante, um começo. Mas, ao dizer que o Brasil não tem perseguidos políticos, em discurso na última quarta-feira no Plenário, precisa ir muito além no entendimento da realidade do país, da defesa da separação dos Poderes, da austeridade fiscal, da responsabilidade social e governamental. Tudo o que Lula 3 não tem ou com o que não se preocupa.

Por isso que, mesmo sendo a reforma do Imposto de Renda justa e necessária, quando proposta por um governo que produz rombos fiscais como uma profissão de uma fé torta que quebra o país, ela não carrega consigo o objetivo de fazer justiça tributária ou social. É só uma medida populista que joga o custo para os outros sem que o governo primeiro faça o seu dever de casa. E é eleitoreira, uma vez que passaria a valer no ano que vem, ano de eleição para um presidente impopular de um governo incompetente, ineficiente e apoiador de regimes e poderes autoritários que tentam tirar das urnas a oposição. Um corpo infectado nunca esconde os sintomas de decadência.
O remédio, volto a dizer, está na democracia, no jogo justo e na obediência à Constituição. E, sobretudo, nas pessoas democraticamente saudáveis.
Leia também “Bagunça estranha”
Excelente!
Excrescência maior é tirar os penduricalhos do judiciário
Hugo Motta já mostrou a que veio. Infelizmente o trecho do meio do artigo já tá defasado