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Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 261

O país do assistencialismo

Programas como o Bolsa Família estão corroendo os princípios mais básicos da economia brasileira

Carlo Cauti
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Há pouco tempo, a floricultora Marisa Granchelli viralizou nas redes sociais ao gravar um vídeo com um desabafo que pode ser resumido em sete palavras: “A gente não acha ninguém para trabalhar” (Leia reportagem de Anderson Scardoelli nesta edição). Dias antes, a comerciante Marilene Maximiano, de Nova Serrana (MG), também havia denunciado a enorme dificuldade em encontrar mão de obra. Para ela, a explicação para a escassez é simples: as políticas populistas do Executivo. “Nós precisamos chegar até esse governo e fazê-lo entender que não é assistencialismo que faz crescer o país”, disse. “Ao contrário: assistencialismo quebra o país. Não se acha funcionário em lugar nenhum. As pessoas não querem trabalhar; querem ficar em casa sendo enganadas, achando que a miséria que o governo paga irá resolver seus problemas.”

Esses dois casos são apenas a ponta do iceberg de um problema que está flagelando o Brasil todo: está cada vez mais difícil contratar pessoas. Muita gente prefere receber benefícios sociais e ficar em casa.

“E não estamos falando de trabalhadores com ensino superior”, explica Rodolpho Tobler, pesquisador do Ibre-FGV, responsável pela Sondagem do Mercado de Trabalho. “Quando falamos de mão de obra qualificada, entendemos ocupações que precisam de um conhecimento mínimo. Como marceneiro, açougueiro, soldador etc.”

Para Tobler, existe uma influência dos benefícios sociais nessa situação. “A partir de 2022, não apenas aumentou o valor do Bolsa Família como cresceu o número de beneficiados”, observa. “Não faz sentido para uma pessoa sair de casa para trabalhar oito horas por dia e ganhar um salário mínimo que, tirando impostos e descontos, é apenas um pouco a mais do que obtém do governo sem fazer esforço.”

Cartão do Bolsa Família
Tobler argumenta que o aumento do Bolsa Família desestimula o trabalho formal ao tornar a renda assistencial mais vantajosa que o salário mínimo | Foto: Lyon Santos/MDS

Segundo a análise do Ibre-FGV, essa tendência vem piorando há pelo menos um ano, e se tornou uma limitação grave para os negócios, principalmente entre as construtoras.

Uma pesquisa da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) mostrou que 75% das empresas do setor revisaram seus prazos de obra em razão de dificuldades de contratação de pessoas. A entidade acionou o governo federal para elaborar saídas mais ágeis para os programas sociais por meio da construção civil.

“O setor está em xeque”, afirma Carlos Borges, vice-presidente do Secovi-SP, maior sindicato do setor imobiliário da América Latina. “Muitas obras estão atrasando. A falta de mão de obra tem forçado as empresas a recrutar imigrantes, principalmente venezuelanos. Para recrutar trabalhadores, há empreiteiras brasileiras que colocam placas na fronteira de Roraima oferecendo regularização, alojamento, alimentação e treinamento. Hoje, cerca de 10% dos trabalhadores em canteiros são estrangeiros. Mesmo assim, é extremamente difícil tocar os empreendimentos. Os atrasos são uma constante, e muitas empresas estão até começando a fechar por não conseguir tocar o negócio.”

Muita bolsa, pouco dinheiro

“Precisamos diminuir o Bolsa Família”, disse o empresário Rubens Menin, durante um evento do BTG Pactual realizado no final de fevereiro. Mineiro, ele é um dos fundadores da MRV, a maior incorporadora da América Latina. E, portanto, uma das empresas que mais sofrem com a carência de mão de obra.

Detalhe interessante: a MRV é a maior construtora de moradias de baixa renda, enquadradas no Minha Casa, Minha Vida. Mesmo assim, Menin não teve nenhum problema em declarar que “hoje o Benefício de Prestação Continuada (BPC) mais o Bolsa Família estão em quase R$ 300 bilhões no ano. Nós não temos dinheiro para isso”.

Se em 2004 os beneficiários do Bolsa Família somavam cerca de 6 milhões de núcleos familiares, em 2015, último ano do governo Dilma Rousseff, esse número pulou para cerca de 14 milhões. Hoje, chega a 21 milhões. Mais de três vezes o número inicial.

Se a conta for feita por pessoa, cerca de 56 milhões de brasileiros — um cidadão a cada quatro — recebem o Bolsa Família atualmente. O maior contingente de contemplados desde que o programa foi criado.

Os valores pagos também aumentaram exponencialmente. Em 2004, a quantia individual era de apenas R$ 48 por mês. Em 2015, passou para R$ 165. Hoje, chega a R$ 670. Se o valor inicial tivesse sido corrigido pelo IPCA, hoje o Bolsa Família não chegaria a R$ 170 por mês.

Em 2004, o Brasil gastava 0,2% do PIB com o Bolsa Família. Em 2019, esse total subiu para 0,5% do PIB. Em 2023, a despesa saltou para 1,5% do PIB e, em 2024, chegou a 1,6%. Multiplicou por oito desde o lançamento. O país está gastando mais com programas sociais do que com as Forças Armadas, já que a Defesa recebeu apenas 1,1% do PIB.

Curral eleitoral

De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem 103 milhões de pessoas trabalhando atualmente, 7 milhões de desocupadas (que buscam ativamente um emprego), 40 milhões abaixo da idade mínima para trabalhar e 66 milhões fora da força de trabalho.

Ou seja, mais de um brasileiro a cada quatro não está procurando emprego ou simplesmente desistiu de qualquer tipo de atividade profissional.

A pergunta é: como milhões de cidadãos conseguem sobreviver no dia a dia sem exercer nenhuma atividade profissional? “Essas pessoas estão acomodadas fora do mercado de trabalho graças ao dinheiro que provém do Estado”, explica Giberto Braga, professor de economia no Ibmec-RJ.

Para o especialista, programas como o Bolsa Família ou o Auxílio Gás “têm um apelo social importante: tirar as pessoas da pobreza e erradicar a fome. Um papel indiscutível. Um gasto lícito. Mas que tem um alto poder eleitoral. A tendência desse tipo de programa é se desvirtuar com o tempo. Em vez de criar inserção, ele cria um curral eleitoral. E a tendência é afrouxar as contrapartidas demandadas aos beneficiários, não prover instrumentos efetivos de inserção, e gerar uma acomodação”.

Fraudes e distorções

A avalanche de dinheiro público para programas sociais acaba dando origem a casos que beiram o grotesco. Um exemplo é a cidade de Serrano do Maranhão (MA), a cerca de 200 quilômetros da capital São Luís. Segundo dados do IBGE, existem 3.953 domicílios no município, e 5.041 núcleos familiares beneficiários do Bolsa Família. Ou seja, há mais beneficiários do programa do que residências, o que é uma ilegalidade. Esse cenário se repete em pelo menos dez cidades brasileiras, todas nas Regiões Norte e Nordeste, onde há mais contemplados do que domicílios.

“A maior parte das pessoas nessas regiões, especialmente nas áreas rurais, não são casadas, mas moram juntas”, afirma Milton Andrade Júnior, produtor de cacau em Ilhéus (BA). “Então o homem recebe R$ 600 de Bolsa Família e a mulher também, o que é vetado por lei. Mas ninguém controla. Juntos, eles chegam quase a um salário mínimo. Um valor alto para essas localidades.”

Andrade está registrando sérias dificuldades em recrutar mão de obra para as plantações. “Ninguém mais quer trabalhar recebendo tanto dinheiro do governo”, lamenta. “Eu enfrento problemas seriíssimos nas colheitas de cacau. Tive que pagar diárias exorbitantes, que nunca pagamos, para achar alguém disposto a trabalhar. Isso está inviabilizando muitas fazendas. Que chegam a não realizar a colheita, pois seria antieconômico.”

Andrade afirma que o alto valor dos benefícios governamentais desestimula o trabalho nas plantações de cacau, inviabilizando a colheita | Foto: Shutterstock

Segundo o produtor rural, a escassez de mão de obra também contribui para o aumento do preço dos alimentos nos mercados. “Se não tem trabalhador para a colheita, as frutas apodrecem nas árvores”, afirma Andrade. “A oferta diminui e, com isso, o preço aumenta. Além disso, se a bolsa é tão elevada, os trabalhadores pedem um salário maior. E o produtor tem que repassar esse aumento de custo para o preço final. Gerando inflação. Esse é o resultado desse excesso de programas sociais.”

Brasil: mais pobre, menos produtivo e mais atrasado.

Além dos problemas setoriais, há duas enormes questões para o país: a queda da produtividade e o peso nas contas públicas.

Como diz Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, “produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo”. A capacidade de um país de melhorar seu padrão de vida ao longo do tempo depende quase inteiramente da sua capacidade de aumentar o produto por trabalhador. O Brasil está indo exatamente na contramão disso.

Foto: Shutterstock

A acomodação de parte considerável da força de trabalho e a predileção por empregos informais — como bicos ou trabalhos temporários, em que não há incentivo para melhorar a qualificação e, portanto, sem aumento de competência da mão de obra — reduzem a capacidade de geração de riqueza no sistema econômico como um todo.

Essa situação também drena recursos dos cofres públicos e não contribui em nada para a arrecadação de Imposto de Renda e Previdência. Por causa do excesso de programas sociais, o Brasil está se tornando mais pobre, menos produtivo e mais atrasado.

“O custo para o Brasil é gigantesco”, explica o economista Gilberto Braga, professor no Ibmec-RJ. “É preciso começar a analisar qual é o retorno desses gastos para o país no médio e no longo prazo. Está cada vez mais claro que esses programas têm um custo relativo grande. No mínimo, está na hora de aperfeiçoá-los.”

Leia também “O PIB dopado”

6 comentários
  1. Gelson Noé Manzoni de Oliveira
    Gelson Noé Manzoni de Oliveira

    E os empresarios que estão fraudabdo sistema? O trabalhador tem carteira assinada fake e continua recebendo o bolsa família.

  2. Wagner Darlan Antas de Almeida
    Wagner Darlan Antas de Almeida

    Voto de cabresto é isso que o consórcio de poder deseja.

  3. Anísio Silva Horta
    Anísio Silva Horta

    MAS ESSE É O PLANO DA ESQUERDA; PRODUZIR UMA LEGIÃO DE DEPENDENTES DO ESTADO. CADA DEPENDENTE É UM JUMENTOS NO CABRESTO.

  4. Omar Roberto de Aguiar
    Omar Roberto de Aguiar

    O governo de 2019 a 2022 aumentou o Bolsa Família em 320%

  5. Omar Roberto de Aguiar
    Omar Roberto de Aguiar

    Embora seja de direita, lembro a Carlo Cauti que o Bolsa família era de R$ 187 quando Bolsonaro assumiu e deixou acima de R$ 600.

  6. Antonio Carlos Roos
    Antonio Carlos Roos

    Tem que cobrar INSS desses benefícios sociais.. vai aposentar direto inútil!?!

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