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Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, durante manifestação na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro (16/3/2025) | Foto: Reuters/Pilar Olivares
Edição 261

O PT é analógico

A reação à manifestação pela anistia escancara a velhice da seita de Lula

Augusto Nunes
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Num Brasil menos estranho, jornalistas que tratam fatos com respeito redigiriam em menos de cinco minutos a manchete sobre a manifestação promovida na Praia de Copacabana neste 16 de março:

“Multidão abre no Rio campanha pela anistia”

O subtítulo e um texto de dois parágrafos juntariam uma sucinta descrição do evento, o que foi dito de relevante pelos principais oradores e os comentários de um adversário graduado da turma no palanque. Simples assim — se essa espécie de simplicidade pudesse existir no país presidido formalmente por um Lula cada vez mais Biden e governado no estilo tiro, porrada e bomba por uma ditadura de toga que, com o apoio militante da imprensa velha, transforma a mais deslavada mentira em verdade oficial. Em vez do vigoroso ato inaugural de uma campanha já endossada por milhões de brasileiros, o jornalismo estatizado amparou-se em estatísticos de picadeiro para enxergar um fiasco tão retumbante que anexou o “golpista bolsonarista” à lista das espécies em extinção.

Quem acredita no que o Globo publica acha que “Ato reúne 18,3 mil em Copacabana, calcula pesquisa da USP”. No texto, o redator acrescenta que, segundo o Datafolha, a plateia reuniu 30 mil cabeças. Portanto, uma das duas usinas de algarismos mentiu. Ou ambas merecem vaga no inquérito conduzido pelo caçador de fake news Alexandre de Moraes. O bando da USP já inventara a contagem exatíssima, conferida de hora em hora: 13.212 manifestantes, 13.107, 14.101, e assim por diante. Desta vez, juraram que o uso de drones aperfeiçoou o recenseamento de cabeças. Ficaram felizes com a descoberta de que os seguidores de Jair Bolsonaro eram mais numerosos em 2022 e 2024. Mas nunca ultrapassaram a marca dos 100 mil, afirmam os contadores de gente que prosperam com o codinome “pesquisador da USP”.

Manifestantes se reúnem para apoiar o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro (16/3/2025) | Foto: Reuters/Pilar Olivares
Manifestação Rio de Janeiro - anistia
Manifestação no Rio de Janeiro pede anistia aos presos do 8 de janeiro (16/3/2025) | Foto: Reprodução/Instagram

A Folha e o Estadão rebaixaram a manifestação a “ato esvaziado“, e ilustraram a fantasia com fotos espertas: toda aglomeração humana fica menor quando aparece ao lado do oceano. O que não tem explicação é esse “esvaziado” infiltrado nas manchetes. Segundo o dicionário, tal adjetivo se aplica a algo “despejado, que teve seu teor evacuado”. O governador do Rio, que estava no palanque, teria ordenado o despejo dos moradores dos prédios vizinhos? Ou mandou evacuar as areias de Copacabana? Para os devotos da seita que tem em Lula seu único deus, pouco importa. O que interessa é que a plateia ficou distante do milhão de espectadores com que Bolsonaro sonhara.

“A manifestação flopou”, alegrou-se o deputado Lindbergh Farias. Se tivesse juízo, o marido de Gleisi Hoffmann evitaria falar de atos do gênero. Há poucos anos, ele fez tudo para permanecer no Senado. Tudo mesmo. Até discurso para ninguém, como prova o vídeo constrangedor. As imagens mostram idosos, crianças, homens e mulheres de meia-idade passando diante do homem que, empunhando um microfone, tenta inutilmente capturar a atenção de alguém. Em determinado instante, passa rente ao candidato e segue adiante, indiferente ao palavrório daquele desconhecido. Naquele momento, Lindbergh inventou o comício sem plateia em lugar movimentado.

YouTube video

Quase sessentão, o antigo líder estudantil parece acreditar que o uso de gíria contemporânea pode devolvê-lo aos velhos tempos. Talvez nunca descubra que Lula e todos os seus devotos são portadores de uma deformação ideológica irreversível. Continuam analógicos num mundo crescentemente digital. O tamanho das manifestações, por exemplo, já supera os limites alcançados por datafolhas e pesquisadores da USP. Esses fabricam cifras com base na plateia que envolve o palanque. Mas aos que estavam em Copacabana precisa ser somada a imensidão de brasileiros que assistiram ao ato — e exigem anistia já — pelos canais do YouTube. O ranking dos cinco campeões de audiência é liderado pelo canal de Oeste, com 1,6 milhão. Seguem-se Auriverde (1 milhão), Metrópoles (303 mil), Silas Malafaia (255 mil) e Poder360 (73 mil).

Lula vive e se move num Brasil irreal. Desde dezembro de 2005, quando foi interpelado no programa Roda Viva por profissionais independentes, ele só conversa com jornalistas comparsas. E parou de expor-se a plateias não domesticadas em 2007, no dia da abertura dos Jogos Pan-Americanos do Rio. Ao ouvir o nome da autoridade escalada para o falatório inaugural, a multidão nas arquibancadas resolveu apresentar a Lula a mitológica “Vaia do Maracanã”. O presidente não abriu o bico. Faz quase 20 anos que só vassalos que riem já no começo da piada testemunham as apresentações do palanque ambulante, no momento concentrado em emas, emos, jabutis, jabutias, galinhas e ovos, muitos ovos.

Despencando nas pesquisas de popularidade, o reizinho sem sucessores quer ficar no trono até 2030. O destinatário finge não ter ouvido o recado formulado aos berros pelas eleições municipais? Pois será reprisado — com maior estrondo — pela imensa maioria do eleitorado brasileiro em 2026. O país que pensa e presta quer eleições decentes, rejeita a arrogância autoritária do STF, está cansado de Lula, não admite a impunidade dos ladrões cinco estrelas e vai aprendendo que o caminho da pacificação começa pela imediata concessão da anistia aos milhares de inocentes atormentados pela injustiça desde janeiro de 2023. “Golpistas não podem ser anistiados”, recitam os beneficiários da anistia de 1979. Esses, sim, são adoradores de ditaduras. Esses não têm cura.

Contratos de Lula podem chegar a R$ 3,5 bi, um salto ante 2022 | Foto: Ton Molina/FotoArena/Estadão Conteúdo
Presidente Lula | Foto: Ton Molina/FotoArena/Estadão Conteúdo

“Se a gente chegasse ao poder, teria de devolver no dia seguinte”, disse Vladimir Palmeira, em maio de 2008, num debate entre veteranos de 1968. “A gente não tinha condições de governar país nenhum.” Certíssimo. “A gente não tinha nem mesmo um projeto de poder”, emendou. Errado. Os líderes do movimento estudantil (e seus mentores imersos na clandestinidade) tinham um projeto tão claro quanto perverso: substituir a ditadura militar pela ditadura do proletariado. Quem não tinha projeto de poder era a “massa de manobra”, como se referiam os chefes à multidão de recém-chegados à universidade. Os soldados rasos sonhavam com a liberdade e com a ressurreição da democracia. Os comandantes planejavam uma versão brasileira do horror totalitário.

“As esquerdas radicais não desejavam restaurar a democracia, considerada um conceito burguês, mas instaurar o socialismo por meio de uma ditadura revolucionária”, constatou Daniel Aarão Reis, principal ideólogo de uma corrente do PCB que desaguaria no MR-8, uma das siglas convencidas de que poderia derrubar a bala o regime militar. “Não compartilho da lenda segundo a qual fomos o braço armado de uma resistência democrática. Não existe um único documento dessas organizações que optaram pela luta armada que se apresentou como instrumento de resistência democrática.” Carlos Marighella, por exemplo, ensinou aos alunos da ALN a beleza que há em “matar com naturalidade”, ou por que “ser terrorista é motivo de orgulho”.

Na bifurcação escavada pelo AI-5, a rota certa estava à esquerda, passava pela luta armada e levava à luz. A outra era a errada. A falácia foi implodida pelos que se mantiveram lúcidos, recusaram a idiotia maniqueísta e percorreram o caminho da resistência democrática. Eles só se livraram do cárcere e do exílio porque conseguimos a anistia e restauramos a democracia. Nós vencemos. Eles perderam todas. Poucos se tornaram contemporâneos do mundo ao redor. Quase todos continuaram com a cabeça estacionada em algum lugar do passado. E contagiaram descendentes.

Fantasiados de heróis da guerra suja, os sobreviventes dos anos de chumbo se apropriaram de indenizações milionárias, empregos federais, mesadas de filho mimado. Em seguida, estenderam aos descendentes a vida mansa. Quem ousa discordar do que pensam e fazem é inimigo do povo, nazifascista, extremista de direita, golpista de nascença. Passados ​​tantos anos, estão prontos para errar de novo. Liderados por um presidente que não lê, não sabe escrever, merece zero em conhecimentos gerais e faz qualquer negócio para desfrutar do poder, seguem forjando alianças com o que há de pior no Brasil e fora daqui.

Sequestradores da liberdade e assassinos da democracia não têm cura. Jamais deixam de sonhar com o pesadelo. Todo democrata sabe que não lhes deve nada. Eles é que nos devem tudo — a começar pela vida.

Apoiadores se reúnem em torno do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro (16/3/2025) | Foto: Reuters/Pilar Olivares

Leia também “O juiz merece levar cartão”

9 comentários
  1. Luiz Fraga
    Luiz Fraga

    O artigo chega a ser “histórico”. Particularmente quando é abordada a Guerra Revolucionária, as ações terroristas, guerrilheiras e paramilitares p/ a conquista do Poder e a instauração da “Ditadura do Proletariado”. É o que preconizavam as cartilhas e manuais marxistas da época.
    Devia ser ensinado nas escolas.

  2. Marcos Marcioni
    Marcos Marcioni

    Nos anos sessenta, pequenos grupos de revolucionários comunistas queriam derrubar o regime militar, nada a ver com a volta da democracia.

  3. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Augusto, quero ver vocês em uma manifestação deste nível aqui no Nordeste. Não tenham dúvidas que o povo aqui irá em peso. Em Copacabana, Bolsonaro comentou na possibilidade de ser em Aracaju. Espero que isto ocorra. Sou de Maceió e irei com minha família, 3h de viagem!

  4. Susete França
    Susete França

    Excelente análise, texto brilhante do Augusto!

  5. MNJM
    MNJM

    Estive na manifestação em Copacabana uma multidão ordeira, composta por famílias , clamando por anistia dos injustiçado pela ditadura do STF. Emocionante.
    Augusto e Guzzo são brilhantes..

  6. Omar Roberto de Aguiar
    Omar Roberto de Aguiar

    A olho no da para ver que as pessoas presente no ato lotavam naus de 6 Maracanã

  7. Omar Roberto de Aguiar
    Omar Roberto de Aguiar

    PT além de Analógico faz cálculo com Ábaco.

  8. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Brilhante e contundente artigo

  9. Antonio C. Lameira
    Antonio C. Lameira

    Com desesperança assisto tudo isso e com tristeza profunda vejo o meu País mergulhado no caos, sem lenço, sem documento, só resta chorar e rezar que esse pesadelo passe e voltemos a sonhar por um Brasil melhor.

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