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Deputado Eduardo Bolsonaro, durante entrevista à imprensa, em Brasília, DF (19/11/2024) | Foto: Lula Marques/Agência Brasil
Edição 261

To be is not to be: o exílio de Eduardo Bolsonaro

A experiência do parlamentar, em vez de enfraquecer sua influência política, tende a reforçá-la junto aos dissidentes do regime PT-STF

Flávio Gordon
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“Meu nome? Sou o Viajante Interestelar!
Amarraram-me o corpo com força,
mas a minha alma está além do seu poder.”

(Alexander Soljenítsin, Arquipélago Gulag)

A condição de exílio é um tema recorrente na história, na cultura e na literatura de várias sociedades. Em termos de subjetividade, o poeta francês Victor Hugo definiu-a profundamente como “um longo sonho com a pátria”, referindo-se à permanente sensação de desenraizamento do exilado e à transição experimentada entre uma posição existencial organizada e prenhe de sentido para uma posição existencial na qual as condições de vida passam a ser caóticas.

Victor Hugo, poeta francês, em 1884 | Foto: Wikimedia Commons

Na mesma linha, o poeta cubano exilado Octavio Armand descreveu o exílio como uma condição em que “ser é não estar”, um jogo de palavras usado para descrever o paradoxo de ser alguém e, ao mesmo tempo, não estar em lugar algum. “To be is no to be — That’s the question!

Enquanto tentava explicar objetiva e racionalmente para o entrevistador Luís Ernesto Lacombe o seu processo de exílio, esse aspecto subjetivo da questão pareceu, de súbito, ter desabado sobre Eduardo Bolsonaro como uma torrente. Ao pensar na reação do pai à decisão, o parlamentar emocionou-se, como se ali, pela primeira vez, e de maneira catártica, ele tivesse se dado conta da profundidade do torvelinho existencial pelo qual passaria a partir de então, incluindo a possibilidade de nunca mais voltar a encontrar o pai pessoalmente.

Objetivamente, pode-se definir o exílio político como um mecanismo de exclusão institucional pelo qual uma pessoa envolvida na política e na vida pública, ou percebida pelos detentores do poder como tal, é forçada ou pressionada a deixar seu país de origem ou local de residência, sem poder retornar até que haja uma mudança nas circunstâncias políticas. O caso de Eduardo Bolsonaro é, portanto, típico nesse sentido.

Por outro lado, ele é bastante extremo e simbólico, pois envolve justamente o deputado que recebeu o maior número de votos de toda a história parlamentar brasileira. Nesse sentido, portanto, ele serve para escancarar aquilo que todas as pessoas sensatas já sabem há algum tempo: que a celebrada democracia brasileira não passa de uma falácia, que o consórcio PT-STF foi quem a golpeou de morte, e que, ao usurpar nosso sistema de Justiça para perseguir politicamente o referido parlamentar, o que faz esse consórcio é cassar os votos de mais de 1 milhão de eleitores. Morta a democracia representativa, resta a República dos jantares e das conspirações da elite caquistocrática.

Deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em sessão deliberativa no Plenário da Câmara, em Brasília, DF (4/2/2025) | Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

No entanto, como já se observou na experiência de tantos exilados latino-americanos, notadamente de cubanos e venezuelanos vitimados por ditaduras comunistas afins ao regime brasileiro presente, o distanciamento forçado da terra natal, apesar de doloroso, também gera um paradoxo: ao mesmo tempo que o exilado é excluído do cenário nacional, sua identidade como representante da legítima “alma nacional” é reafirmada. Dessa forma, a experiência do exílio, em vez de enfraquecer a influência política de Eduardo, tende a reforçá-la junto aos dissidentes do regime PT-STF.

Com efeito, muitos exilados políticos latino-americanos retornaram a seus países e desempenharam papéis significativos na reconstrução política e social. Portanto, não é demais imaginar que o exílio de Eduardo, assim como o de outros líderes conservadores, não signifique apenas um afastamento forçado, mas também, ao contrário, um reposicionamento estratégico para um eventual retorno da direita ao poder no país, dessa vez mais inserida da dinâmica global do assim chamado “nacional-populismo”.

Quando uma pessoa é forçada ao exílio, por óbvio, perde os direitos associados à cidadania. Por outro lado, e ao mesmo tempo, pode passar a se identificar mais e mais com o que percebe como a verdadeira identidade nacional. Assim, foi no exterior que muitos dos nacionais deslocados descobriram, redescobriram ou mesmo formularam mito-poeticamente a “alma coletiva” de seus países de origem. E o potencial político desse olhar distanciado, e paradoxalmente mais interiorizado, não deve ser desprezado. Enquanto alguns migrantes e viajantes se tornam transnacionais e desterritorializados, muitos outros procuram reconstruir seus laços de solidariedade em termos de identidade coletiva da pátria, abrindo, assim, um campo fascinante de debate político e cultural à medida que essas sociedades retornam à democracia e reabrem sua esfera pública.

Foto: Shutterstock

A experiência do exílio desafia os deslocados a reconsiderar os ideais com os quais partiram e suas noções tanto do país anfitrião quanto da pátria que deixaram para trás. Assim, ocorre um profundo processo de redefinição de pressupostos culturais, sociais e políticos, fundamental para compreender as transformações posteriores nesses países. Eduardo Bolsonaro parece pertencer a esse segundo grupo de exilados, os que redefinem a sua própria relação com o país natal e sua história. A postura inicial do parlamentar exilado indica um processo de amadurecimento político-existencial que, provavelmente, lhe fará contemplar a pátria-mãe com novos olhos.

De certo modo, a sua aquisição de maturidade faz lembrar a de Alexander Soljenítsin. No dia em que foi sentenciado, e atordoado pela perspectiva de oito anos nos campos de trabalho forçado soviéticos, o célebre dissidente soviético e Nobel de Literatura contemplou o abismo à sua frente. Um companheiro de cela que havia sido condenado junto com ele, resiliente em face do próprio destino, e possivelmente tentando tranquilizar-se, esforçava-se por manter-se otimista. Eles ainda eram jovens, afirmou, e viveriam por muito tempo. O mais importante era não irritar ainda mais as autoridades. Cumpririam sua sentença como prisioneiros exemplares, trabalhando duro e mantendo a boca fechada. Conformar-se-iam e não profeririam mais palavra alguma de dissidência.

Alexander Soljenítsin, escritor russo e ganhador do Prêmio Nobel, em Vladivostok, na Rússia (1994) | Foto: Wikimedia Commons

Soljenítsin ouviu em silêncio enquanto falava o companheiro de infortúnio, mas um discurso mais incandescente de dissidência já se formara dentro dele. Como escreve em Arquipélago Gulag: “Queria concordar com meu amigo, cumprir a pena confortavelmente e depois apagar da mente tudo o que havia vivido. Mas comecei a sentir uma verdade brotar dentro de mim: se, para viver, é necessário não viver, então, qual é o sentido de tudo isso?”.

Essa parece também ter sido a conclusão de Eduardo: se, para exercer o mandato parlamentar, é preciso não exercer o mandato parlamentar, então, qual é o sentido de tudo isso? E, para honrar essa verdade interior descoberta, também ele, assim como Soljenítsin, tornou-se mais uma alma em exílio…

Leia também “Os jornalistas da GloboNews e suas bobagens científicas”

2 comentários
  1. Carlos Gomes Monteiro
    Carlos Gomes Monteiro

    Excelente artigo, Flávio. O exercício do mandato da maioria dos parlamentares brasileiros já deixou, em muitos casos voluntariamente, de ter um sentido objetivo. A verdade é que a situação pode ainda se agravar se na próxima eleição continuarmos sem o voto impresso auditado, circunstância que, até agora, tem a maior probabilidade de ocorrer.

  2. Felipe Polido Fernandes
    Felipe Polido Fernandes

    Tenho certeza de que o Brasil renascerá após este período de tribulação

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