Aqui ou em qualquer lugar do mundo, jovens precisam de duas coisas para que a vida lhes faça sentido: propósito e disciplina. E não é difícil imaginar as razões. Pense em alguém que tem 15 anos. Não é uma criança, tampouco um adulto. Mas já tem compreensão das coisas. A depender das condições socioeconômicas, do país ou da cultura, já está mais ou menos inserido na vida. Nem é tão jovem para que possa abrir mão das responsabilidades crescentes, nem atingiu a idade para que dele se deva depender. É aí que esse jovem precisará de algum propósito de curto, médio ou longo prazo para viver, por que estudar ou lutar; afinal, terá uma expectativa de vida que já gira em torno dos 80 anos de idade. Sem propósito, o que, como e por que fazer nos próximos 65 anos? Não dá. Por outro lado, precisará igualmente de disciplina. Qualquer adulto — e também o jovem que se saiu mal nas provas escolares — sabe que, goste-se ou não, sem disciplina não se chega a lugar algum. Matemática, por exemplo, não aceita desaforo, assim como as regras gramaticais. Ou estuda ou se perde na imensidão da ignorância por displicência.
Faço agora uma pergunta que vai permear este artigo até o fim: o que o Brasil está fazendo para gerar propósito a milhões de jovens que, se tiverem disciplina, terão grandes chances de atingir seus objetivos? Que ambiente se está oferecendo ao tirar deles e de todos as garantias constitucionais?
Começo com uma constatação: não dá para chegar ao futuro empurrando o país para trás. No mundo do avanço da IA, da educação com inteligência artificial remodelando métodos de aprendizado, países desenvolvidos já começam a preparar seus jovens para a era da vida pós-IA. A temporalidade é essencial no planejamento. Daqui a dez anos, quando o estudante de hoje com 15 anos estiver com 25 anos de idade, a inteligência artificial não será mais uma novidade, mas uma tecnologia já amalgamada à vida das pessoas ou transformada em algo diferente, mas certamente pronta a ser superada por um novo avanço. Tal conclusão vem da aplicação de uma simples soma com elementar sensatez de que o tempo é implacável. Brigar com o futuro não o deixa no passado. Só o exclui do futuro do presente. Não me parece uma alternativa inteligente para quem tem uma vida longa pela frente.

Enquanto o mundo avança por lá, o ativismo do Supremo Tribunal Federal solapa por aqui a Constituição e a vida pacificada das leis. E, pela falsa defesa da democracia, grupos político-ideológicos radicais de esquerda, movidos a intolerância, querem extirpar quem pensa diferente deles. Apesar de perdoados no passado por crimes violentos, defendem o indecente e insensível “sem anistia” e a prisão de brasileiros como a cabeleireira Débora dos Santos — que só escreveu “perdeu mané” na estátua em frente ao STF, e pode ser condenada a absurdos 14 anos de prisão em regime fechado. É pena de bandido que rouba e mata, um latrocínio doloso, a uma jovem mulher e mãe sem antecedentes criminais, “armada” com um batom. Por que tamanho ódio da Justiça, da imprensa cínica e dos artistas “limpinhos” do lamaçal de hipocrisia à gente brasileira do dia a dia que só fez protestar? Só os artistas sob efeito de fontes “alucinógeno-criativas” podem ser contestadores do status quo? Que elitismo cultural mais soberbo e arrogante!
Fato é que essa ditadura “neo-chic” está empurrando o país para um passado obscuro de opressão e perseguição estatal sem lei que já tínhamos superado no fim dos anos 70 do século passado.
É sob esse ambiente de exceção que uma geração inteira se vê obrigada a resolver de novo o que já estava resolvido, a lutar uma vez mais pelo que já havia conquistado. Refiro-me às liberdades de expressão, de se manifestar, de se reunir, ao direito à propriedade privada, e ao sagrado direito à vida. Tudo o que há de mais básico e de valor insofismável para sociedades civilizadas, antes garantias irrevogáveis, agora está sendo relativizado no país. Entre o nascer e o pôr do sol, tem havido sempre um ministro a dar uma liminar ou um entendimento que contraria a sociedade e a vida nacional no que já estava pacificado. É um retrocesso atroz e sem fim.
O STF atual sem disciplina constitucional impede que tenhamos propósitos de vida longa e segura. Imagine jovens nativos digitais, que já nasceram conectados com o mundo livre e que não querem viver num estado de exceção, justamente porque nasceram na democracia que seus pais e avós lhe conquistaram? Não há como aceitar esse Armagedom de ruptura democrática antinatural dos bonitinhos do Ainda Estou Aqui, que vivem do passado e desprezam os direitos humanos e a defesa dos perseguidos do presente. Na estranha democracia de narcisos que acham feio o que não é espelho, podem prender e arrebentar… os outros.

Há anos, o Supremo, em sua marcha imparável de revisionismo, tornou-se a principal fonte de insegurança jurídica do país. Ficou pior. Hoje, lamentavelmente, o STF tem sido fonte de retrocesso institucional que assombra brasileiros democráticos de qualquer idade que querem viver no Brasil de agora. Não bastasse afrontar a Constituição ao reinterpretá-la de forma frequente e casuística, reescrever regras constitucionais e colocar os outros dois Poderes da República sob seus mandos ou dependência, a decisão recente de novamente ampliar o foro por prerrogativa de função, para fincar o julgamento do ex-presidente Bolsonaro numa Corte estranha e que deveria se declarar impedida, é a prova cabal de que nada mais é garantido. Ou seja, tudo depende de um julgamento novo por gente que muda de opinião a toda hora. Como viver assim?
O Supremo tem falhado nos seus deveres como guardião inalienável da Constituição, na preservação do Estado Democrático de Direito e na garantia do devido processo legal a todos, em qualquer momento, e no foro adequado e justo. Em formações anteriores de ministros legalistas, não tergiversava na defesa da lei para evitar justamente os abusos e arbitrariedades das perseguições políticas, típicos de regimes autoritários.
A perda de direitos garantidos e a nova luta por recuperá-los é o exemplo do que chamo de perda de tempo crônica que nos afeta como sociedade. Muitas mentes que poderiam estar discutindo soluções para os novos problemas ou desafios de nossa época estão sendo obrigadas — por necessidade premente — a defender novamente os nossos mais básicos direitos: o de expressão e todas as garantias civis da Constituição de 1988. Como envolver o país numa discussão séria da educação e da vida econômica sob a inteligência artificial num ambiente como este? O tempo passa para os outros. Para nós, se perde.
Provavelmente, o Brasil deve ser um dos poucos países do mundo em que a solução de quase todos os seus problemas está aqui dentro. Mas também somos um país que cria problemas para si que não têm mais razão de existir. Com isso, é necessário um gasto de energia dobrado, um retrabalho. É como se a água que movimentou o moinho para gerar energia precisasse passar duas vezes pela roda d’água para gerar a mesma energia. É falta de inteligência que desdenha do esforço de quem trabalha sério.
Por fim, para que este artigo não termine num autoflagelo injusto como país, é preciso separar os dois “Brasis”. Se de um lado temos o atual governo federal, o STF e seus puxadinhos na sociedade assoberbados em retrocesso institucional e a mais vil perseguição política, o outro Brasil, o que tem demanda reprimida por dar certo, continua fazendo o país acontecer. Sob educadores que não se afastaram da disciplina para ensinar com eficiência ou empreendedores e profissionais que não abrem mão do propósito maior de um país que vai continuar avançando, este Brasil existe, resiste e insiste. Apenas se ressente de que poderia dar muito mais certo e estar muito mais dedicado ao futuro se a parte atrasada não estivesse no poder.
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Obrigado, Piotto. Seu alerta, neste texto, é extremamente sério!!