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Edição 262

O crime no poder

Quando se percebe que bandidos são soltos, mesmo com todas as provas, a insegurança constrange, restringe a liberdade e fere a paz social

Alexandre Garcia
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Na semana passada, no Ceará, Lula afirmou que não permitirá que “a república dos ladrões de celular comece a assustar as pessoas”. Boa parte desses ladrões é latrocida e já assusta há anos. Lula foi acordado pelo barulho de sua queda morro abaixo nas pesquisas. No mesmo Ceará, dias antes, a polícia havia prendido um dos chefes de facção que cobram pedágios das provedoras de internet. Se não recebem, cortam fibra ótica, sabotam equipamento, atiram em veículos de manutenção. Agem em Fortaleza e em outros municípios, inclusive no Porto do Pecém e em Caridade, onde cortaram 90% da conexão digital. Para a Secretaria Nacional de Segurança Pública, os negócios de facções já têm caráter de máfia com abrangência nacional. Os esquemas ilegais com combustíveis, ouro, cigarros e bebidas são estimados em R$ 150 bilhões anuais — só 10% vêm da cocaína. O preso no Ceará, com 30 anos de vida, tem extensa folha policial de homicídios, porte de arma de fogo, extorsão, receptação e tráfico. E estava livre para “trabalhar” — se tivesse escrito com batom na estátua da Justiça, estaria preso. São os critérios que tiram a liberdade dos brasileiros para serem saqueados pelos assaltantes e pelos corruptos que estão em liberdade. Em El Salvador era assim.

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Ao mesmo tempo que Lula falava no Ceará, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, mostrou como é estranho que México, Colômbia e Brasil sejam países que têm partes de seus territórios nas mãos de cartéis de narcotraficantes. A Europa, que é o lugar que mais consome drogas no planeta, não tem sequer um metro quadrado de seu território em poder do tráfico; no sul da França, por onde entra muita droga, a polícia francesa mantém controle do território. China e Índia, com bilhões de habitantes, não cederam um milímetro quadrado para os cartéis de drogas. Nem Estados Unidos, grande consumidor. Por que o Brasil perdeu a soberania de grandes áreas para o tráfico? Por causa da selva impenetrável? Não. E o Brasil tem potencial policial e bélico para desalojar ocupantes ilegais de seu território. Não o faz por quê? Porque o crime está dentro do Estado, nos vários níveis de governo — como respondeu um interlocutor de Bukele.

Nayib Bukele, presidente de El Salvador, durante a cerimônia de inauguração do Key Institute, em Antiguo Cuscatlan (19/3/2025) | Foto: Reuters/Jose Cabezas

Há pouco o ministro da Justiça e Segurança Pública, ex-Supremo, Ricardo Lewandowski, queixou-se de que a polícia prende mal e o Judiciário é obrigado a soltar. Tentou corrigir, mas insistiu em dizer que a polícia precisa aprender a prender, para que o Judiciário não seja obrigado “a corrigir prisões que não foram feitas de acordo com a lei”. A lei e sua leniência são seguidas da neojurisprudência de que um bandido é menos perigoso que um manifestante político. Manifestantes políticos são detidos com perfídia, como a que foi usada para embarcar nos ônibus os manifestantes políticos do 8 de janeiro. Bandidos de facções são libertados por prisões que a Justiça tem que corrigir. Presos políticos são julgados em massa, sem individualização, por um juiz que não é o natural, e sem amplo direito de defesa. Narcotraficantes e corruptos são tratados por juízes garantidores. Isso sem contar a quantidade de solturas, na audiência de custódia — bem intencionada, mas benéfica ao crime —, de assaltantes já presos dezenas de vezes.

A impunidade destruiu a segurança dos brasileiros. Quando se percebe que o corrupto é solto, mesmo com devolução de milhões de reais, confissões e acordos de leniência, a insegurança constrange, restringe a liberdade, fere a paz social. Quem faz as leis penais são nossos representantes. Na prática, não parece que nos representam. Está no Senado um projeto do deputado Sanderson (PL) que aumenta as penas para controle de território. Quando Raul Jungmann era ministro da Segurança Pública, foi elaborado um projeto bem estudado de política de segurança e integração nacional das forças policiais. Foi para o Congresso e saiu 60% castrado. Quem os congressistas representam? E a mídia, representa seus leitores, seus ouvintes, seus telespectadores? Parece que não. Em geral, o que se vê são jornalistas defendendo bandidos, como “vítimas da sociedade”, e condenando o trabalho da polícia, como fez o ministro da Segurança. Irônico, porque o noticiário mostra com frequência a infiltração do crime nos poderes de Estado, por dinheiro ou intimidação.

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El Salvador era o país mais inseguro do mundo. Bukele botou os criminosos no lugar onde devem estar, apartados da sociedade. Na cadeia não podem matar os cidadãos, nem assaltá-los, nem desviar dinheiro dos pagadores de impostos. E Bukele tem razão ao externar perplexidade quanto ao Brasil ceder território aos fora da lei. No Rio, a Justiça contribui para isso, restringindo operações policiais; na Amazônia, as autoridades combatem mais os que produzem, plantam e criam, e menos os narcotraficantes. Isso sem contar a cessão de soberania para estrangeiros camuflados em ONGs. Lewandowski já não está no Poder Judiciário, mas no Executivo, onde é o ministro da Segurança que condena a polícia que ele deveria estimular. Enfim, o chefe do Executivo, presidente Lula, que o levou para o ministério, mais de uma vez justificou assalto para roubar celular “para tomar uma cervejinha”. No Ceará, mudou um pouco o discurso, porque haverá eleição no ano que vem. Com um Estado que não quer resolver e gente que se importa com a segurança só por temor de eleição, o Brasil prepara um futuro igual ao passado de El Salvador.

Alguns governadores mostram que é possível vencer o crime, se houver vontade para isso. Aqui em Brasília, onde estão as sedes dos três Poderes e as embaixadas, sempre houve muita segurança, inclusive porque há um fundo federal para pagar por ela. Talvez por isso a segurança pública fora de Brasília esteja tão distante na memória de juízes supremos que restringem operações policiais e de ministro que critica a polícia por “prender mal” e justifica fuga de presídio de segurança máxima com o relaxamento de Semana Santa. Muitos dos crimes no Distrito Federal eram atribuídos ao entorno goiano. Agora já não há essa desculpa. O governador de Goiás mostrou que prestigiando a polícia o crime encolhe. Há segurança em Goiás e nota-se isso nas ruas de Goiânia. É uma prova de que o Estado brasileiro tem poder para isso. Se não acaba é porque não quer. Como com a saúva, ou o Brasil acaba com o crime, ou o crime toma conta do Brasil.

Leia também “Uma cortina cor de toga”

2 comentários
  1. carlos
    carlos

    Bukele está coberto de razão: “O crime está instalado dentro do governo”

  2. José Pedro Scatena
    José Pedro Scatena

    Lembro de uma fotografia, de uns 15 anos atrás ou mais um pouco, da muralha de um presídio que havia sido dominado pelos internos. Os criminosos emendaram vários lençóis brancos onde escreveram em vermelho “Alexandre de Moraes no STF”. Parece que foram atendidos.

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