O governo Trump finalmente lançou sua “bomba tarifária” nesta semana. O presidente americano pretende, com essa tacada, nivelar o jogo comercial no mundo. Sobre esse assunto, eis o resumo: do ponto de vista estritamente econômico, tarifas protecionistas machucam a própria nação. A visão mercantilista, de que exportar é bom e importar é ruim, está ultrapassada. Mas, se Trump pretende usar a ameaça das tarifas para obter recuos dos parceiros comerciais dos Estados Unidos, atingir objetivos geopolíticos ou preservar aspectos da segurança nacional, aí pode fazer sentido.
Inicialmente é preciso reconhecer que as críticas, desta vez, não vêm apenas da esquerda democrata. Se o New York Times está contra e isso é previsível, devemos reconhecer que o Wall Street Journal também se mostra preocupado. Os liberais clássicos, que não são esquerdistas ou socialistas, sabem que o caminho protecionista representa um custo econômico e que o risco de uma guerra comercial generalizada empobreceria a todos. São críticas, portanto, mais legítimas.
Pretendo, a seguir, apresentar os argumentos liberais com base no grande economista francês Bastiat. Admitir que as tarifas significam um custo econômico para os americanos é um ponto de partida necessário para avaliar as intenções de Trump. Fossem elas somente mercantilistas, teríamos de fato um problema maior. Mas, ao que tudo indica, Trump quer utilizar essa ameaça crível para forçar a redução das tarifas dos demais países, o que seria claramente benéfico a todos, inclusive aos americanos.

E há, também, o aprendizado com a pandemia, que mostrou a fragilidade de uma dependência excessiva da indústria estrangeira. O argumento da desindustrialização em si é fraco, pois toda nação que enriquece tem crescente participação dos serviços no PIB. Há muito mito nessa paranoia exagerada da perda da indústria nacional, portanto, em que pese a China ter abocanhado boa parte da manufatura global, em particular a que depende mais de mão de obra. Trump quer “trazer os empregos de volta”, principalmente do trabalhador de fábrica, a classe média “blue collar”. Mas há limites para tanto, sob o risco de custos bem maiores para os consumidores.
Vamos, então, ao ponto defendido por Bastiat. Muitos alegam que o livre comércio tem que ser recíproco para ser benéfico. Bastiat afirma que pessoas com tal mentalidade são protecionistas em princípio, mesmo que não reconheçam, e são apenas mais inconsistentes que os protecionistas puros, que são por sua vez mais inconsistentes que os defensores da abolição completa de produtos estrangeiros.
Para provar seu argumento, ele utiliza uma fábula de duas cidades, Stulta e Puera, que construíram uma grande estrada conectando-as. Após o término da construção, Stulta teria reclamado que os produtos de Puera estavam inundando o seu mercado, e criou o cargo assalariado de encarregados pela obstrução do tráfego dos importados. Logo em seguida, Puera fez o mesmo, e o resultado era mutuamente perverso.
Até que um homem velho de Puera, suspeito até de receber pagamento secreto de Stulta, disse que os obstáculos criados por Stulta eram maléficos a Puera, o que era uma pena. E que os obstáculos criados pela própria Puera também eram maléficos, novamente uma pena. Completou que não havia nada que pudessem fazer quanto ao primeiro problema, mas que poderiam solucionar a outra parte, criada por eles mesmos.
Logo houve forte reação, e o acusaram de sonhador, utópico e até “entreguista”. Alegaram que seria mais difícil ir que vir pela estrada, ou seja, exportar que importar. Isso colocaria Puera em desvantagem em relação a Stulta, como as cidades na beira dos rios estão em desvantagem frente às montanhosas, já que é mais complicado subir que descer. Só que uma voz disse que as cidades na beira dos rios prosperaram mais que as montanhosas, causando alvoroço. No entanto, era um fato! Infelizmente para o povo de Puera, decidiram que tais cidades tinham prosperado contra as regras, e optaram pela manutenção dos obstáculos, em nome da “independência nacional”, da honra, da proteção da indústria doméstica contra a competição selvagem. E os consumidores continuaram sendo sacrificados para o benefício de alguns produtores privilegiados, como sempre ocorre nas medidas protecionistas.

Em suma, tarifar importados é algo economicamente prejudicial ao próprio povo. Muitas críticas às tarifas de Trump ficam restritas a essa lógica econômica. Mas Trump está usando as tarifas como ferramenta de pressão política, o que é diferente. Em nome da honestidade, deve-se aceitar que há um custo econômico ao optar por esse caminho. Mas no médio prazo o efeito pode ser muito positivo, principalmente se suas ameaças surtirem o devido efeito.
É o que argumenta o advogado Cristiano Carvalho, com base na Teoria dos Jogos. Ele lembra que, até aqui, vários países já recuaram com a simples ameaça tarifária. E explica qual seria a estratégia de Trump:
“A ameaça de tarifar é crível, uma vez que foi adotada já no primeiro mandato, e, assim como a superioridade bélica é importante no contexto de guerra tradicional, a força econômica do país é fundamental no contexto da guerra comercial. Os EUA detêm a maior economia do mundo, com o impressionante PIB de US$ 29 trilhões, atingindo mais de US$ 10 trilhões a mais do que o segundo colocado, seu principal concorrente comercial, a China. Portanto, o mundo depende muito mais dos EUA do que o contrário, o que reforça a ameaça crível de tarifação, e permite muita ‘gordura’ a ser queimada, em caso de necessidade de aplicação real das tarifas.”
Ele acrescenta:
“A lógica é a mesma da guerra tradicional, só que, em vez de ancorar um porta-aviões próximo a uma área de conflito, sinaliza-se com tarifas altas sobre as importações do país oponente, de modo a forçá-lo a adotar a postura desejada. O custo reputacional é consideravelmente menor e, dependendo da forma como for aplicado, pode inclusive agradar a opinião pública. Aliás, o ‘America First’, principal mote da campanha eleitoral de Trump, inclui medidas protecionistas à indústria americana e, ainda que discutível em termos de eficiência econômica, foi um dos fatores responsáveis pela vitória nas urnas.”
Trump está lançando mão das tarifas para fazer pressão, não para iniciar uma guerra comercial com mais protecionismo geral como resultado, ao que tudo indica. E tem dado certo! Vale lembrar, ainda, que os Estados Unidos são um dos países mais abertos do mundo. Ou seja, quando o Brasil fala em “reciprocidade”, chega a ser uma piada, já que o Brasil possui tarifas comerciais bem maiores do que os Estados Unidos. Por isso o ex-presidente Bolsonaro condenou a estratégia lulista diante da ameaça de Trump:
“Uma eventual guerra comercial com os EUA não é uma estratégia inteligente e que preserva os interesses do povo brasileiro. A única resposta razoável à tarifação recíproca dos EUA é o governo Lula extinguir a mentalidade socialista que impõe grandes tarifas aos produtos americanos, inviabilizando o povo brasileiro de ter acesso a produtos de qualidade mais baratos.”
Esse seria, sem dúvida, o caminho mais prudente e benéfico para os brasileiros. E mostraria o sucesso da estratégia de Trump. Se o governo socialista brasileiro optar pelo confronto, porém, quem mais tem a perder são os próprios brasileiros. Jogar chicken game com Trump pode ser bem arriscado: quem vai desviar primeiro? Se Lula resolver “peitar” nosso segundo maior parceiro comercial e o maior mercado consumidor do planeta, poderá jogar nossa economia no abismo de vez…

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Hoje não tá difícil de compreender a economia. Tem que ter capacidade como Paulo Guedes, espírito público e honestidade
Certamente que as tariffs têm muito mais um propósito geopolítico que econômico, uma grande ação de um país que sabe o que está fazendo para uma melhor economia mundial e preservação da sua soberania.
Consta, gostei do seu artigo. A economia não é uma ciência exata, outras varíaveis podem ser inseridas nesse contexto para que o “tarifaço do Trump” possa surtir efeito positivo ou negativo, acredito que a probabilidade de dá certo é muito grande dada a variedade de mecanismos que Trump tem em suas mãos.
Constantino, como sempre, excelente. Muito bom confiar em você.
Esqueci de perguntar para o Constantino: o Lula foi garoto propaganda da\ JBS para vender carne no Vietnã e no Japão. Qual a tarifa que eles cobrarão pela importação. Nota: continuamos rezando por ti.
Eu coloquei gostei por ser gentil contigo. Até pensei em fazer uma reclamação para a B.Nunes de que, a Oeste está deixando de lado alguns pontos importantes. Enfim, teu artigo é bom para os acadêmicos que gostam de citar autores diversos. No entanto, a maioria dos teus colegas jornalistas e economistas de plantão, clínicos em geral, formulam premissas falsas ou insustentáveis. Vou dar apenas um exemplo pra ti raciocinar: olha a tabela apresentada pelo Trump no lançamento do pacote da reciprocidade. Vietnã 90 a 46. Taiwan, 64 a 32. Japão, 46 a 24, Índia, 52 a 26, Reino Unico, Chile e Brasil, 10 a 10, Sérvia, 74 a 37, etc etc.
Qual a reciprocidade? Poucos falam das diferenças enormes das tarifas aplicadas aos EUA e ninguém fala em reduzir ou negociar para que se eles reduzirem e o Trump também reduzir um pouco, o que aconteceria? É justo manter estas diferenças, ética ou tecnicamente capaz de refutar graus de protecionismo de cada país. Qual o grau de protecionismo da China, da Tunísia ou da União Européia? E para os mais impulsivos esquerdistas: tá, a guerra tarifária implica de que modo o peso dos tributos… o custo Brasil, taxas portuárias, ipi, icms, pixulecos e outras rubricas sem denominação não aumentam custos e também sustentam inflação alta? O exemplo das duas cidadelas é simbólico e faz parte do mundo liteário e da simbologia, mas acho que estou ficando velho demais para adivinhar o que a maioria está espalhando por aí. A imprensa ainda tem poder e está confundindo o diagnóstico correto que é aplicado em hipóteses de muitas variáveis. É melhor perguntar para os analistas quais as dezenas prováveis da mega-sena do que eles apresentam de suposições. Exite algum problema em discutir a tabela do Trump das diferenças tarifárias que no modo de pensar dele são injustas e não tem nada de reciprocidade. Se a maioria dos países negociarem com reduções, a inflação global cairá para níveis mais suportáveis e até o dólar superestimado poderá também cair… e aí a China vai ficar brava.