Seis ou sete anos atrás, escrevi um espetáculo de stand-up comedy sobre o acrônimo em perpétuo crescimento que foi de LGB para LGBT, para LGBTQI, e assim por diante. O foco do texto era o conceito do que poderia acontecer caso o fio de letras continuasse crescendo até o alfabeto inteiro estar contido nele. Ao fim de 2016, a piada ficou datada, não porque as políticas identitárias não estavam mais em voga — longe disso —, mas porque a “comunidade” em questão já tinha levado a piada muito mais longe do que eu tinha imaginado, chegando ao ponto de duplicar letras e adicionar números por garantia.
Alguns ativistas preferem LGBTQIA+. Outros sentem que a sigla não é suficientemente inclusiva para aqueles que se identificam como “dois espíritos” — pessoas que desempenham um dos muitos papéis de gênero misto, de acordo com povos nativos do continente norte-americano — e optaram por LGBT2Q+. Também existe LGBTQ2SIA, que não deve ser confundido com LGBTQQIP2SAA. O People’s Front of Judea discutindo com o Judean People’s Front, de Monty Python, vem à mente.
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Da mesma forma, a bandeira do orgulho com as cores do arco-íris passou por uma metamorfose desconcertante. Ela foi criada no fim dos anos 1970 para substituir o triângulo rosa, que tinha sido apropriado dos campos de concentração nazistas como um gesto de desafio e empoderamento. O novo símbolo do arco-íris foi uma tentativa consciente de se distanciar de conotações tão sombrias e expressar uma mentalidade mais alegre e otimista.
Com oito listras originalmente, ela logo foi reduzida a uma versão mais marcante de seis listras, que foi o padrão por muitas décadas. Com o aumento ingovernável das políticas identitárias e da interseccionalidade no últimos anos, vários grupos de interesse têm competido por “representação” na bandeira. A “bandeira do progresso”, por exemplo, acrescenta uma divisa com cinco listras: as listras rosa, azul-clara e branca representam os direitos trans, enquanto as listras preta e marrom representam as pessoas não brancas — como se o arco-íris original fosse uma espécie de representação literal das cores de pele aceitáveis na comunidade gay.
Seria muito mais fácil criar uma bandeira gigante para os narcisistas. E pronto
Se você acha isso tudo confuso, você não está só. Agora que o orgulho LGBT tem seu próprio mês (fevereiro, com seus anos bissextos, sempre foi o mês mais gay), existem bandeiras para cada identidade de gênero ou sexual concebível. Elas não são necessariamente representativas de grupos que foram historicamente perseguidos, e sim uma mistura de neologismos que parece ser selecionada livremente como tantos acessórios de moda.
Então agora existem bandeiras disponíveis para aqueles que se identificam como pangênero, agênero, bigênero, trigênero, gênero-queer, gênero-fluido, demigênero, semigarota, semigaroto, neutro, poliamoroso, não binário, assexual, omnisexual, polissexual, abrossexual, androssexual, ginossexual, skoliossexual, arromântico, questionamento, não conformidade de gênero e muitas mais. Com certeza, seria muito mais fácil criar uma bandeira gigante para os narcisistas. E pronto.
Essa obsessão com nichos de identidade faz avançar a ideia de que, no cerne do gênero e da sexualidade, está o conceito de escolha. Isso funciona diretamente contra o mantra do “nasci assim” dos vários movimentos de liberação gay do século 20. Isso é em grande parte um desenvolvimento do dogma social construcionista da Teoria Queer, em voga por um tempo no fim dos anos 1990 e no começo dos anos 2000, que rejeitava a ideia de essencialismo biológico, por considerá-lo opressivo. Enquanto a adoração a Michel Foucault está um tanto desatualizada nos círculos acadêmicos (em 1995, o teórico queer David M. Halperin chegou ao ponto de escrever um livro chamado Saint Foucault: Towards a Gay Hagiography, ou “Santo Foucault: para uma hagiografia gay”, em tradução livre), suas ideias centrais chegaram ao mainstream, em especial a ênfase nessas nebulosas estruturas de poder que ouvimos falar que, aparentemente, dominam a sociedade.
Por outro lado, muitos ativistas trans estão seguindo a deixa do início do movimento por direitos gays, promovendo o argumento biológico-essencialista de que nasceram com cérebros masculinos ou femininos em corpos do sexo oposto. Muitos ideólogos da justiça social tentam até manter as duas posições ao mesmo tempo, afirmando que o sexo é uma construção social, mas que as pessoas trans nasceram no corpo errado. Consistência não é o forte deles.
Uma empresa que sente necessidade de gritar que não discrimina pessoas gays me faz desconfiar de uma homofobia secreta
Conforme as insígnias e o léxico do movimento LGBTQIA+ se tornam cada vez mais absurdos, não dá para ignorar a sensação de que muitos de seus proponentes sentem uma nostalgia da opressão do passado. As políticas identitárias do presente estão enraizadas em narrativas de vitimização. Isso faz sentido em países onde ser gay é ilegal ou até punível com a pena de morte, mas não faz nenhum sentido em países como o Reino Unido, onde há muito tempo direitos iguais foram estabelecidos.
O que não quer dizer que a homofobia deixou de existir, ou que não deveríamos ser vigorosamente contra ela onde quer que perdure, mas ser gay no Reino Unido em 2020 não traz mais o risco de prisão ou ostracismo social. É um insulto às conquistas dos luminares dos direitos civis do passado fingir que os gays são mais oprimidos do que nunca. Comparados a Harvey Milk e Stormé DeLarverie, os ativistas LGBTQIA+ de hoje parecem mais baderneiros bêbados ainda balançando os braços em brigas imaginárias mesmo depois que o bar fechou.
Então, quando a empresa Avanti West Coast anunciou seu novo “trem do orgulho LGBT” na semana passada, dava para sentir o constrangimento coletivo das pessoas LGBT em todo o país. Pintado de maneira espalhafatosa com as cores aumentadas da bandeira do “progresso”, esse espetáculo aterrorizante foi gritando da estação Euston, em Londres, até a estação Manchester Piccadilly diante de uma fanfarra de aprovação da imprensa britânica. Não havia heterossexuais no pessoal de bordo, os anúncios eram intercalados com fatos sobre o Orgulho LGBT e sua história, e houve pausas obrigatórias para todos os passageiros dançarem “YMCA”. E, ainda que eu tenha inventado a última parte, poderia muito bem ser verdade.
A luta por direitos gays era sobre tratamento igualitário perante a lei e dar visibilidade àqueles levados para as sombras da sociedade pela perseguição do Estado. Agora que a igualdade foi conquistada, o orgulho LGBT foi rebaixado a uma orgia corporativa de identitarismo. A bandeira do arco-íris e todas as suas derivações cafonas são um marcador de virtude para empresas que desejam vender seus produtos para os incautos e declarar seu comprometimento com “a diversidade e a inclusão”. Ano passado tive a infelicidade de jantar em um restaurante no Soho inundado por bandeiras do arco-íris, com placas que indicavam abertamente que a empresa apoiava direitos iguais para pessoas LGBT. Por que eles imaginariam que alguém imaginaria o contrário? Quando muito, um negócio que sente a necessidade de gritar que não discrimina pessoas gays me faz desconfiar de uma homofobia secreta.
Existe um meme nas redes sociais sobre o mês do Orgulho LGBT que mostra uma criatura salivante saída direto do Inferno, de Dante, atraindo uma longa fila de gays para sua boca aberta com uma bandeira do arco-íris estrategicamente posicionada. O cinismo parece justificado. A maior parte das corporações sem dúvida não estava celebrando o orgulho LGBT tão abertamente antes que o Artigo 28 do Ato do Governo Local do Reino Unido fosse revogado em 2003, ou antes que a idade do consentimento para relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo fosse equiparada em 2001, ou antes da descriminalização da homossexualidade na Escócia em 1980. Seu comprometimento com os direitos LGBT aparentemente só se manifesta quando é provável que gere lucro.
Da mesma forma, agora que as empresas parecem estar em sintonia quando se trata de explorar a história dos direitos dos gays para ganhar um trocado fácil, não é nenhuma surpresa que a Avanti declarasse que seu novo trem do Orgulho LGBT tem como objetivo “trazer pessoas não brancas, pessoas transgênero e aquelas que vivem com ou foram mortas pelo HIV para a dianteira”. Se a harmonia social é a preocupação genuína, com certeza existem formas melhores de alcançar esse objetivo do que por meio de trens horrorosos.
Para mim, a ideia de celebrar a heterossexualidade, homossexualidade ou bissexualidade de alguém faz tanto sentido quanto sentir orgulho de ser destro ou ter olhos azuis. Isso posto, eu realmente entendo que para muitas pessoas a ideia de identidade sexual ainda seja importante, e não tenho objeções a qualquer um que queira participar de eventos do Orgulho LGBT. Só acho uma pena que a bandeira não pareça ser um símbolo de empoderamento ou um tributo ao sucesso de lutas gays históricas, e sim uma ferramenta para corporações gananciosas e um sinal da fidelidade a uma visão de mundo ideológica desagregadora.
Não sou o único a notar que alguns dos bullies e dos indivíduos mais cruéis das redes sociais exibem bandeiras do arco-íris na biografia, um exemplo deprimente do que acontece quando boas causas são sequestradas por identitaristas intolerantes.
Assim, não é de admirar que cada vez mais pessoas gays estejam se sentindo desconfortáveis a respeito da bandeira do arco-íris e com os vários acrônimos LGBT. Somos todos a favor da união, dos direitos iguais e de assumir uma posição contra o preconceito e a discriminação, e é por isso que bandeiras e sequências de letras confusas que geram alienação e discórdia parecem ter passado muito do ponto da utilidade. Até mesmo o Stonewall, o preeminente grupo pelos direitos gays do Reino Unido, está promovendo uma divisão com sua redefinição homofóbica de “homossexualidade” como “atração pelo mesmo gênero”, em vez de “atração pelo mesmo sexo”. Se estamos falando sério sobre igualdade para pessoas gays, está na hora de abandonar esse tipo autossatirizante e autoindulgente de política identitária e se concentrar na nossa humanidade comum. E deveríamos começar descarrilhando esse maldito trem.
Andrew Doyle é comediante e colunista da spiked. Seu novo livro, My First Little Book of Intersectional Activism (escrito por seu alter ego Titania McGrath), foi lançado esta semana. Compre pela Amazon. Ouça o último episódio de Culture Wars, seu podcast, abaixo:
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Texto muito bom e divertido. O universo “Woke” tende a ser totalitário e segregador. Mas o que dizer dos “Fabianos” que pregam o duplo padrão “Orwelliano” de inclusão por segregação? Pergunta retórica.
EXCELENTE!!!! ????????
O texto expõe todos os excessos que a militância sexista promove , do mal gosto estético, passando pela imposição/manipulação de conceitos e narrativas explicitamente desagregadoras até chegar na esperteza dos grupos identitários e das empresas que desejam se associar à zueira toda para tirar vantagem financeira. Tudo luta por poder.