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Edição 34

‘A educação que seu filho recebe é da pior qualidade’

Ilona Becskeházy, ex-secretária de Educação Básica no governo Jair Bolsonaro, relata sua experiência na pasta e avalia a qualidade do ensino no país

Silvio Navarro
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No próximo domingo, 15, milhares de escolas pelo país abrirão suas portas para os eleitores votarem nos futuros prefeitos e vereadores. Mas, no dia seguinte, majoritariamente, as portas estarão fechadas para os alunos. “As escolas serão o último ambiente a voltar ao normal no pós-pandemia no Brasil. Isso já é suficiente para explicar o valor que a sociedade brasileira dá à educação formal”, afirma Ilona Becskeházy, mestre em Educação Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação na gestão Jair Bolsonaro.

Em entrevista a Oeste, ela traça um diagnóstico sobre a qualidade do ensino e o que viu nos 111 dias que passou em Brasília. “A educação que seu filho recebe é da pior qualidade. Pior que a do filho de um motorista de ônibus urbano no Canadá.”

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Qual a avaliação da senhora sobre a demora no reinício das aulas no país? É possível mensurar o prejuízo que 2020 deixará para os alunos?

A OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico] montou um grupo de estudos para monitorar o desenrolar da pandemia e as respostas dos governos em várias frentes. Em relação à educação, a instituição (que é a mesma responsável pelo famoso Pisa, prova mundial que revela a ignorância escolar dos brasileiros), destaca os seguintes aspectos como prioritários para os formuladores de políticas públicas e também para decisões no nível dos cidadãos. São os seguintes:

  • Qualidade: minimizar a interrupção na aprendizagem e garantir que os alunos sejam capazes de concluir os seus estudos com o nível de competências exigido.
  • Equidade: garantir que todos os alunos em cada etapa escolar desfrutem de oportunidades de aprendizagem similares, e que os alunos impactados pela crise vão concluir sua trajetória escolar com o mesmo nível de competências que seus pares não afetados.
  • Bem-estar: garantir não só a saúde física e mental dos alunos, mas também o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, preservando tanto o senso de pertencimento a cada comunidade escolar como a ligação emocional entre seus pares e seus professores.

 

Como podemos ver, para o ambiente brasileiro, com raríssimas exceções, os aspectos acima são apenas componentes de uma utopia sobre a tal educação de qualidade com equidade que jamais tivemos por aqui. O que já era ruim, abaixo do aceitável sob qualquer parâmetro que se use para analisar a educação brasileira, inclusive a escola particular de elite, vai ficar pior. Não tenham dúvida quanto a isso. Se as autoridades brasileiras já comiam nas mãos dos sindicatos docentes, jamais apertando o cinto em temas como currículo, combate ao absenteísmo, responsabilização sobre o aprendizado acadêmico e comportamental dos alunos, agora o pano caiu mesmo! Somos oficialmente reféns dos sindicatos docentes. Não há nada que possamos fazer nem agora nem depois. A não ser aceitar a desfaçatez de ambos (políticos e donos dos sindicatos) — quem sabe e pode deveria complementar com homeschooling de qualidade e/ou mandar seu filho para uma escola pública em país desenvolvido (não vale qualquer uma norte-americana, por exemplo, tem de saber escolher). Sinto muito, não trago notícias boas. Se seu filho mora no Brasil e está vinculado a uma escola neste país, certamente está nesta pandemia (aliás, como sempre) aprendendo muito menos que seus pares de idade em países desenvolvidos. Lembro aqui que, se você é de uma família de classe média alta, a educação que seu filho recebe é da pior qualidade. Pior que a do filho de um motorista de ônibus urbano no Canadá, por exemplo. Só dá para sentar e chorar mesmo, se você não puder, ou não quiser, fazer o que sugeri acima.

A senhora concorda com a avaliação de alguns médicos e pedagogos de que as crianças em fase de alfabetização são as que mais sofrerão com a suspensão das aulas?

Acho que médicos e pedagogos devem saber bem mais do que eu. Apenas estudo políticas públicas da educação básica. Como para entender essas políticas preciso também entender alguma coisa de pedagogia, didática e desenvolvimento cognitivo de alunos em processo de educação formal, estou familiarizada com alguns conceitos e premissas. Assim, acho muito provável que as crianças de 4 a 7 anos, que estão tanto em fase de aquisição da literacia e numeracia e se acostumando à vivência escolar autônoma, longe de seus pais e família, sejam as mais prejudicadas pela falta de acesso ao ambiente escolar. Como elas ainda não formaram os vínculos e não aprenderam os processos cognitivos mais básicos da vida escolar, é possível que a retomada delas quando as escolas reabrirem seja muito demorada e custosa. Principalmente, se o isolamento social forçado também resultou em turbulências em seu ambiente doméstico.

“Ficar sem a escola pode desestabilizar uma criança ou jovem, com consequências ainda difíceis de prever com exatidão”

Para além do aprendizado em sala de aula, pode haver impacto nessas crianças no âmbito da socialização?

Sim, acho que depende um pouco da idade e da maturidade de cada uma, além do aspecto importantíssimo que é a relação de cada aluno com as pessoas de sua casa. Sabemos que o isolamento social em ambientes confinados, muitas vezes somado ao desemprego de familiares e suas consequências financeiras e emocionais para os adultos, é o principal arcabouço emocional das pessoas muito jovens. A escola às vezes funciona como um contraponto ao stress doméstico. Ficar sem a escola e sem os amigos pode realmente desestabilizar uma criança ou jovem, com consequências ainda difíceis de prever com exatidão.

As aulas em casa tiveram desempenho satisfatório nesse período de pandemia?

Sem dúvida. Eu tinha programado fazer isso quando estava no MEC. Mas durei pouco lá porque alguém muito poderoso na Esplanada dos Ministérios resolveu apertar o botão “eject” da minha cadeira. Em 111 dias na Secretaria da Educação Básica incomodei muito algumas pessoas poderosas. É relativamente fácil para quem sabe fazer pesquisa de campo montar uma pesquisa como essa, vários países fizeram isso durante toda a pandemia. No Brasil, foi feito de maneira superficial também. O que eu queria fazer era um monitoramento sério, mas o MEC perdeu completamente [na Secretaria de Educação Básica] a capacidade de desenhar e monitorar políticas educacionais. Sem a minha presença, ajudando uma boa equipe a reestruturar essa capacidade, acho difícil que aconteça um monitoramento sério — que é supernecessário.

No aspecto público, o MEC ainda sofre com a herança do aparelhamento promovido por anos de governo de esquerda no país?

Sim, o MEC é operado por quem perdeu as eleições em 2018 e ganhou as anteriores. A única exceção é a Secretaria de Alfabetização, chefiada pelo Carlos Nadalim. Era por isso que eu e ele éramos chamados de “ala ideológica” do MEC pela imprensa engajada. Sim, os dois profissionais com maior capacidade técnica na cúpula do MEC são os ideológicos, claro! Os progressistas que continuam avançando com os interesses mesquinhos é que são “gente boa”.

A senhora avalia que o livro didático, o material de ensino, ainda chega “viciado” à sala de aula por conceitos de esquerda (basicamente, ainda influência de Paulo Freire?)

Paulo Freire não tem nada a ver com os livros didáticos concebidos em decorrência do Programa Nacional do Livro Didático, gerido pelo MEC e pago com o suor dos contribuintes. As editoras e seus autores fazem o que querem porque os editais feitos antes da gestão Bolsonaro, que levou o Nadalim para o MEC e depois eu também, eram documentos feitos para isso. Uma esbórnia total. Um clube de pessoas que compartilham interesses. Paulo Freire é só o emblema da carteirinha do clube dos eleitos para se beneficiar dos recursos educacionais do país, sem ter a responsabilidade de educar de verdade.

Qual a avaliação da senhora sobre as mudanças na grade curricular (do ensino médio, por exemplo)?

Se você está falando da Base Nacional Comum Curricular, que é o currículo normativo (ou seja, de implementação obrigatória em todas as escolas do país, inclusive as particulares), o documento é muito ruim. Para saber que é ruim, só conhecendo outras referências curriculares de países desenvolvidos. Estudo o tema há anos e acompanhei toda a produção. O resultado só revela o que a gente já sabe: não há capital humano no Brasil para fazer política educacional séria, ou melhor, o pouquíssimo que há está isolado politicamente, porque é o estamento pedagógico que manda no MEC e na maior parte das Secretarias de Educação. A do ensino médio e a de educação infantil, as “pontas” das etapas educacionais, foram as mais prejudicadas pelos “doutos” de plantão no Ministério da Educação.

O que a senhora pensa sobre a aplicação da ideologia de gênero em sala de aula?

Acho uma barbaridade adiantar para o ensino fundamental 1, que atende crianças entre 6 e 10 anos, temas complexos demais como a sexualidade nos seus aspectos sociais. Primeiro, que as crianças nesse período só entendem conceitos muito concretos — o preto no branco. Homem é homem, mulher é mulher. Elas ainda não sabem, ou não deveriam saber, o que as pessoas fazem com o corpo para obter prazer, ou como funcionam as emoções nas relações de amor carnal. Portanto, a educação sexual que acontece nessa etapa deveria estar restrita aos aspectos do corpo humano, do sistema reprodutor. Pelo contrário, as crianças deveriam ser poupadas de cenas de sexo. Entretanto, devem aprender a ser explicitamente respeitosas com todas as pessoas com quem se relacionam, mesmo que estas tenham uma aparência diferente das referências que elas já conhecem. Muitas crianças vivem em casas onde o sexo é explícito, muitas vezes até na mesma cama onde dormem e estão sujeitas a todo tipo de abuso dentro de casa pelas pessoas em quem confiam ou que deveriam protegê-las. O que deve ser ensinado a elas nessa etapa é que existem partes do corpo que são muito sensíveis e não devem ser tocadas ou olhadas por ninguém. Isso, sim, tem de ser muito explícito: esses lugares aqui são partes privadas. É isso que protege as crianças de abusos, além de avisá-las a quem procurar caso esse tipo de coisa ocorra.

Qual a principal lição que a pandemia e suas políticas de isolamento deixam para o sistema educacional do país?

Que é frágil e desorganizado. Além de que não é prioridade para ninguém. As escolas serão o último ambiente a voltar ao normal no pós-pandemia no Brasil. Isso já é suficiente para explicar o valor que a sociedade brasileira dá à educação formal.

 

16 comentários
  1. Novos caminhos para avançar na educação no Brasil – Revista Oeste – Portal de Notícias
    Novos caminhos para avançar na educação no Brasil – Revista Oeste – Portal de Notícias

    […] com artigos sobre economia política com mais de 6 milhões de acessos mensais.Leia também: “A educação que seu filho recebe é da pior qualidade“, entrevista com Ilona Becskeházy, ex-secretária de Educação Básica no governo Jair […]

  2. Jenisvaldo Oliveira Rocha
    Jenisvaldo Oliveira Rocha

    Neste MEC primeiro é preciso quebrar as pernas do inimigo. Como diz o Olavo, cargo não é poder. Bolsonaro ganhou o cargo, mas não o poder. Esse agir que é necessário para obter o poder é ação política, muito além da ação administrativa e o governo não tem tido essa capacidade. Em olhar retrospectivo, isso será o grande diferencial desse governo, para isso foi erigido pela revolução conservadora.

  3. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Ótima entrevista e um alerta dramático para o despreparo intelectual dos jovens que estamos formando.

  4. Silvio Ramos Jr.
    Silvio Ramos Jr.

    Atenção!! A esquerda domina o MEC. O texto denuncia isso com todas as letras e explica as razões e fatos. Se a gente sabe que saúde e educação estão em primeiro lugar nas nossas preocupações (emprego e renda nem conta), então o governo TEM O DEVER de arrumar essa esbórnia imediatamente. É grave, muito grave.

  5. Maurilo Moura
    Maurilo Moura

    O Brasil é um país fantástico!!! Mas o brasileiro é uma m… só. Como profissionais como Ilona, Salim, Ives Granda e tantos outros “feras” , não conseguem ficar ou ir para o governo para ajudar a tirar o País deste inferno.
    Êta “povinho” que gosta de incompetentes e mamar nas tetas do Estado. Quem em sã consciência aprova um executivo frouxo , legislativo corrupto e um judiciário de criminosos.

  6. Antonio Geraldo Carnaval
    Antonio Geraldo Carnaval

    Entrevista perfeita. Ilona sempre se destacou na CBN. Pena ter sido “ejetada” do MEC. Sempre tive a opinião que o descaso com a educação no Brasil é por interesse dos poderosos. Se a população é burra a massa de manobra é fácil de ser manipulada. Temos que começar e tentar virar esse jogo agora, melhor, ontem!! Só a educação pode salvar a nossa nação. E o retorno disso é muito demorado. Muito triste pessoas capazes de mudar a nossa realidade saírem (ou terem sido “saídas”!!) do ministério. São essas atitudes que fazem o nosso desânimo ser cada vez maior.

  7. Leonardo Leonel Mendes
    Leonardo Leonel Mendes

    Desesperador !

  8. Fernando Antonio Roquette Reis Filho
    Fernando Antonio Roquette Reis Filho

    Vibrei quando a Ilona foinpro MEC. Pensei: agora vai. Mas parece que o governo Bolsonaro é o PT com sinal trocado.

  9. Debora Balsemao Oss
    Debora Balsemao Oss

    O que é mais lastimável de tudo isso é que o atual governo federal, ao invés de focar no pragmatismo político, mantém áreas como a da Educação sob os “cuidados da raposa”. A quem interessa a continuidade de gerações despreparadas técnica, cognitiva, intelectual e criticamente? Nesse âmbito, o meu voto de 2018 não tem encontrado resposta, a não ser mais do mesmo, com pitadas de arrogância, críticas vazias e inaptidão suprema para lidar com tema tão relevante a qualquer nação que se queira respeitável.

    1. Jorge Luiz Soares Ribeiro
      Jorge Luiz Soares Ribeiro

      Excelente entrevista.

      1. Luiz Alberto Huber
        Luiz Alberto Huber

        Excelente mesmo.

      2. Claudia Aguiar de Siqueira
        Claudia Aguiar de Siqueira

        Entrevista excelente. Nada a questionar com relação às competência da entrevistada e seu domínio sobre os temas abordados, mas, sem dúvida, sua personalidade, arrogante e narcisista, dificulta sua caminhada profissional, o que é uma pena, pois o Brasil precisa de especialistas como ela.

  10. Marilia Poppe Fabiao
    Marilia Poppe Fabiao

    Sempre ouvi com muita atenção o que Ilona dizia na CBN.
    Lamento que tenha saído do governo. Imagino quantas correntes contrárias ao seu pensamento não deve ter encontrado.
    Mais uma vez, sábias as palavras de Ilona, simples e claras. Quem sabe, simplifica.

  11. Antoniel Souza Ribeiro da Silva Junior
    Antoniel Souza Ribeiro da Silva Junior

    É lamentável que o governo Bolsonaro tenha defenestrado profissional tão competente e zelosa da educação pública .

    1. Maurilo Moura
      Maurilo Moura

      Só isto já mostra que o presidente é um desequilibrado e incompetente, apesar de não roubar. Saímos de uma m… e entramos em outra, só que com tons diferentes!!

  12. Maria Moll
    Maria Moll

    Triste demais. Não sei, realmente a realidade distópica já é um fato e quase insuportável ara quem quer ver.

  13. Adriano Benetti
    Adriano Benetti

    Que baita texto, simplesmente de fazer um quadro e botar na parede.

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