Pular para o conteúdo
publicidade
Edição 40

2021: reformar ou quebrar

Sem reformas estruturais, as consequências imediatas serão inflação ascendente e desvalorização do real

Ubiratan Jorge Iorio
-

Remontam aos tempos de dom João Charuto os avisos dos economistas liberais genuínos sobre a necessidade de reformas profundas no Estado brasileiro. Entretanto, essa solução vem sendo postergada, seja por surtos de devoção a visões econômicas mambembes, seja pela aversão a todo e qualquer sacrifício, que caracteriza o ethos do mecanismo político. Ao longo dos últimos 50 anos, sempre que a economia mostrou alguma fragilidade, a praxe foi recorrer a remendos monetários, gambiarras fiscais e unguentos cambiais, que só aliviavam os problemas, mas não os curavam e os transferiam, maiores, para o futuro.

Depois de décadas bebendo social-democracia, com várias faxinas acanhadas e feitas mal e parcamente, o Estado transformou-se em um bêbado forçado a cuidar de um gigantesco imóvel, chamado Brasil, aos pandarecos, carecendo de uma super-reforma, de uma obra que só deixe de pé fundações, pilares e algumas lajes e vigas da estrutura, seguidas de cuidadosa desratização, dedetização e arrumação institucional. Essa necessidade jamais foi tão necessária como agora e sua urgência é tamanha que nos permite ser categóricos: é agora ou nunca, ou, em linguagem popular, ou vai ou racha.

[ccj id=”oeste-blocker-2″]

A equipe econômica responsável pelo projeto da obra desde janeiro de 2019 sabia de sua premência e tentou começar rapidamente as dezenas de ações necessárias: Previdência, encolhimento do Estado, descentralização política, econômica e administrativa, privatizações, desburocratização, desregulamentação, soberania do consumidor, produtividade, eliminação de milhares de cargos criados para incrustar apadrinhados e companheiros na máquina pública, competitividade, respeito ao livre mercado, liberdade para o empreendedorismo, abertura econômica, leis trabalhistas mais flexíveis, redução forte de tributos, cortes permanentes de gastos obrigatórios do governo, política externa compatível com a grandeza do país e muitas outras.

Era de esperar que as resistências fossem enormes, e elas vieram de cima, de baixo, dos lados, de trás, da frente, do Legislativo, do Judiciário, da mídia e, até, de dentro do próprio Executivo. O barulho foi ensurdecedor porque os que destruíram a casa jamais se conformaram com a ordem de despejo que o povo lhes entregou em 2018. Mesmo assim, ao final do primeiro ano, a equipe econômica conseguiu alguns avanços, como as aprovações da reforma “meia-bomba” da Previdência e da legislação mais estimuladora da liberdade econômica — insuficientes, mas que já serviram para recolocar, no fim de 2019, depois de muito tempo, a economia voltada para o futuro, preparando-a para o esperado voo da águia.

Foi então que, da China, veio uma peste, provavelmente pré-fabricada, que caiu como luva para robustecer as resistências às reformas e ressuscitar ideias já defuntas, como a do abandono da austeridade fiscal que mal começara a ser esboçada no primeiro ano de governo e a do “fique em casa”, seguidas pelo auxílio emergencial e seu posterior prolongamento.

Então, a enorme e tão necessária obra estrutural no imóvel foi embargada por uma estranha junta de “engenheiros sociais”, formada por membros da nossa Corte Suprema, que transferiram a Estados e municípios a gestão do combate à peste; alguns ministros do governo, como o então titular da Saúde; os presidentes da Câmara e do Senado, amantes de boicotes e holofotes; a quase totalidade da mídia, cujas receitas tinham sido ceifadas pelo governo; e governadores e prefeitos de todo o país, para gáudio de uma oposição inconsequente, dos lunáticos do grande reset, do governo mundial único e do Partido Comunista Chinês.

A reação dos economistas do governo à “primeira onda” foi responsável, dado que as circunstâncias os forçaram a adiar as reformas e a engolir a deterioração das contas públicas pelos gastos emergenciais, algo em torno de R$ 900 bilhões. E a economia, trancada em casa em nome da “ciência”, até que reagiu positivamente: o Índice de Atividade Econômica do Banco Central, indicador que antecipa a evolução da atividade econômica, divulgado no meio de novembro, mostrou expansão de 9,4% no terceiro trimestre, comparativamente ao segundo; em relação ao terceiro trimestre de 2019, a queda foi de 3%; a queda acumulada de janeiro a setembro foi de 4,9%; e, nos doze meses encerrados em setembro, de 3,3%, todas bem abaixo do que se esperava no início deste ano. Portanto, ao olhar apenas para o curto prazo, há sinais positivos de recuperação, confirmando a previsão do ministro da Economia de que ela seria em forma de V.

Para chegarmos à hiperinflação, basta a expectativa de que o governo não será mais capaz de se financiar vendendo títulos

Porém, quando ligamos o farol alto e o direcionamos para o longo prazo, não temos como deixar de nos preocupar, por vários motivos. Primeiro, como se não bastasse o aumento do buraco das contas públicas provocado pelos desembolsos contra a peste, há pressões políticas fortes, inclusive de setores do governo, para que a responsabilidade fiscal seja esquecida, o que torna muito mais difíceis as reformas. A equipe econômica tem plena consciência disso, mas o máximo que pode fazer — e tem feito — é tentar convencer os que têm poder de que precisam cooperar. Até agora, sem êxito.

Segundo, apesar das expectativas quanto à inflação de preços em 2020 ainda estarem comportadas e o IPCA próximo do centro da meta, esse índice vem aumentando desde maio, conforme se vê no gráfico 1.

Fonte: IBGE. Elaboração: Grupo de Conjuntura da Dimac/Ipea.

Além disso, a inflação vem se acelerando em todas as faixas de renda, como mostra o gráfico 2.

Fonte: BCB/Focus. Elaboração: Grupo de Conjuntura da Dimac/Ipea.

Em terceiro lugar, o próprio ministro da Economia disse recentemente que “o Brasil pode ir para a hiperinflação, se não rolar a dívida pública satisfatoriamente”. De fato, na ausência das reformas estruturais, com a forte deterioração das contas públicas e a aceleração da relação dívida/PIB, que deverá atingir a casa de 100%, a economia corre o risco de ser arrastada para uma situação que os economistas chamam de “dominância fiscal”, em que o Banco Central se torna impotente para evitar a forte desvalorização do real e a explosão da inflação de preços. Em miúdos, o que o ministro da Economia quis dizer é que, para chegarmos à hiperinflação, basta surgir a expectativa de que o governo não será mais capaz de se financiar vendendo títulos.

Quarto, vários analistas vêm apontando equívocos na política de taxa de juros. De fato, ao optar por “soltar” a taxa de câmbio e puxar sucessivamente a taxa Selic para baixo até os atuais 2%, na ausência de reformas e tendo de aceitar a deterioração das contas públicas impostas pela pandemia, era de esperar que o Tesouro se defrontasse com dificuldades crescentes para colocar os títulos públicos. Insistir em juros excessivamente baixos, com política fiscal frouxa e sem perspectivas de mudança no regime fiscal pela via das reformas significa, necessariamente, câmbio para cima (desvalorização do real) e inflação de preços. A pressão sobre o dólar hoje já não deriva mais dos choques sobre a economia do início da crise e da saída de capitais. Ela reflete a percepção desses equívocos e, principalmente, a falta de perspectivas de aprovação das reformas estruturais, que se tornaram inadiáveis com a crise. É verdade que a dívida líquida do governo cresce menos com a alta do dólar, porque aumenta o valor em reais das reservas internacionais. Mas também é certo que, sem reformas, a depreciação do real é incapaz de evitar o crescimento da dívida.

Cataplasmas e emplastros só vão piorar as coisas, pois a falta de perspectiva de reformas já minou os alicerces da casa. Não dá mais para adiar e é hora de ser curto e grosso: se os poderosos — que todos sabemos quem são — continuarem boicotando as reformas, será a bancarrota.


Ubiratan Jorge Iorio é economista, presidente do Conselho Acadêmico do Instituto Mises Brasil e professor associado (aposentado) da Uerj.

 

8 comentários
  1. Brasil pode virar Argentina em seis meses, alerta Guedes – Farol.News
    Brasil pode virar Argentina em seis meses, alerta Guedes – Farol.News

    […] também: “2021: reformar ou quebrar”, artigo do economista Ubiratan Jorge Iorio publicado na Edição 40 da Revista […]

  2. francisco monteiro sobrinho
    francisco monteiro sobrinho

    MUITO BEM AnALIZADO, PORÉM ATÉ HOJE NAO VEJO UM ANALISTA, POLITICO E EMPRESÁRIO FALAR SOBRE O NOSSO FAMOSO T.S.ELEITORAL O MAIOR OU SE NAO UM DOS MALES DO BRASIL. SIMPLES ASSIM: O POLITICO É CONDENADO POR ROUBO, PECULATO, ASSASINATO ETCATERVA, PORÉM SEGUNdO NOSSO TSE ENQUANTO NAO FOR CONDEnADO E JULGADO O “BANDIDO” ESTÁ LIVRE PARA EXERCER FUNÇÃO INCUSIVE EDITAR LEIS. VEJA CASO DE POLITICOS DENTRO DE PRESIDIOS TOMANDO POSSE NO CARGO A QUE FOI CANDIDATO. COISA MAIS RIDICULA É O PREFEITO DE GOIANIA NO LEITO DA MORTE E SOMENTE COM UM SINAL DO POLEGAR ASSUMIR O CARGO DE PREFEITO DE UMA GRANDE CIDADE. ATÉ QUANDO VAMOS FICAR A MERCE DESSE ORGAO. SAO ESSES”BANDIDOS” QUE JUNTO COM OS COMPARSAS TRAVAM O PROGRESSO DO PAIS, JOGANDO A “”CULPA “” AO GOVERNO. BASTA!

  3. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Ótimo texto com uma visão realista dos problemas futuros. No próximo ano veremos a luta entre o Governo que deseja um Brasil moderno e o establisment que sonha em ver o Brasil se tornar uma Argentina, Bolivia ou Venezuela com seus Estados opressores com políticas de terra arrasada.

  4. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Brilhante e premente artigo! Infelizmente um dos pilares do governo Bolsonaro está ruindo por culpa tb dele mesmo, o combate à corrupção. Resta o pilar econômico. Q ao menos esse projeto d livre mercado e equilíbrio fiscal se mantenha d pé, mesmo cambaleante, como quase tudo em Pindorama

  5. Natan Carvalho Monteiro Nunes
    Natan Carvalho Monteiro Nunes

    Excelente artigo, professor. Nós, enquanto cidadãos pagadores de impostos, devemos nos organizar e cobrar incessantemente, mas de maneira assertiva e racional, dos nossos governantes as reformas que o Brasil precisa. Precisamos ter foco. O ano de 2021 tem que ser o ano das reformas (tributária e administrativa), e também das privatizações (Correios, Eletrobrás e todas estatais possíveis). Só assim o Brasil vai começar a decolar.

  6. SILVIA C A L SOUZA
    SILVIA C A L SOUZA

    Uma análise muito clara para que todos possam compreender o que precisa ser feito para que o país não acabe de vez no buraco. O que faz a gente desanimar mais é perceber que a maioria dos “poderosos” só quer o benefício próprio e não o bem do Brasil.

    1. Vera Regina de Forte
      Vera Regina de Forte

      De acordo. Triste evidente situação. Os poderosos bandidos começam pelos três poderes irresponsáveis. Dói!

      1. Tadeu Reinaldo Scherer
        Tadeu Reinaldo Scherer

        Excelente análise, parabéns.

  7. Persio Nicanor Basso
    Persio Nicanor Basso

    Professor,
    Excelente analise. Esperamos que os novos ocupantes das casas legislativas, Câmara e senado Federal, não as conduzam como o Botafogo e o ALCOLUMBRE. Que deixem a excelente equipe econômica e os outros ministros trabalharem pelo desenvolvimento do Brasil.

Anterior:
Imagem da Semana: Ruby vai à escola
Próximo:
Carta ao Leitor — Edição 243
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.