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Edição 44

Por que amamos teorias conspiratórias

Elas nos permitem odiar. E o ódio crônico é para a alma humana o que o aquecimento central é para uma casa num clima frio

Theodore Dalrymple
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Todo mundo ama uma boa teoria da conspiração, quando não uma conspiração em si, assim como todo mundo ama um desastre, contanto que aconteça longe. E, se existe uma atividade que floresceu durante a pandemia de covid-19, foi a elaboração de teorias da conspiração.

Eu mesmo ouvi algumas dessas teorias. Elas variam desde tentativas chinesas de dominar o mundo até o desejo de Bill Gates de implantar vírus em todos nós para obter informações por meio dos sinais emitidos por esses parasitas intracelulares. Sobre Bill Gates, ele pode obter as informações que quiser sobre mim: que faça bom proveito! Tenho muitas informações a meu respeito, mas até agora não lucrei muito com isso.

Também ouvi algumas teorias um pouco mais sofisticadas — o que não quer dizer que estejam mais próximas da verdade, uma vez que sofisticação não é um critério para a verossimilhança. Uma delas dá conta de que a disseminação do vírus foi uma manobra deliberada dos bilionários e de suas corporações para concentrar o poder econômico nas próprias mãos, forçando as empresas pequenas, com menos reservas para sobreviver a recessões profundas, à falência. Afinal, diz-se que até metade de todos os restaurantes na França, de onde estou escrevendo este texto, vai fechar de vez. Enquanto isso, cadeias de restaurantes — se e quando comer fora se tornar possível de novo — terão concentrado boa parte do mercado.

No entanto, efeitos de eventos não são as causas dos eventos, tampouco o fato de alguém ter se beneficiado de um evento é evidência de que ele próprio o causou ou desejou. O desejo de que um evento ocorra não é suficiente para fazê-lo acontecer. Eu quero que a bolsa suba porque vai me deixar um pouco mais rico, mas a modéstia me obriga a confessar que meus desejos e minhas ações a esse respeito até agora tiveram pouco efeito na movimentação do valor das ações.

Quais são os atrativos das teorias da conspiração? (Não quero dizer, de modo algum, que conspirações não existam, apenas que as pessoas tendem a acreditar nelas sem evidências suficientes, ou nenhuma evidência, e inventá-las como Hans Christian Andersen inventava contos de fadas.)

O primeiro e principal benefício da teoria conspiratória é nos dar alguém para odiar. (As pessoas nunca invocam teorias da conspiração para explicar eventos ou resultados desejáveis, assim como sentem necessidade de explicar seu mau comportamento, não o bom.) O desejo por um objeto de ódio é muito forte, ter alguém para odiar é quase um direito humano, e a maioria de nós se sente incompleta, quase destituída, sem essa figura. O ódio é, de longe, a emoção política mais forte, e a mais duradoura. É como um cão raivoso forçando a coleira sem parar, até que alguém apareça para soltá-lo. Incidentalmente, o ódio é um ótimo orientador de caráter: diga-me quem ou o que você odeia, e eu lhe direi o que você é.

Claro, muitas teorias conspiratórias são imprecisas: isto é, os supostos conspiradores são figuras sombrias, em vez de especificamente identificadas. E são resumidos pelo sinistro “eles”: eles fizeram isso, eles fazem isso — sempre contra os nossos interesses, claro. Essa indefinição nos permite odiar categorias inteiras de pessoas, em vez de apenas indivíduos. A vantagem é que você pode seguir odiando por muito tempo sem ter de fazer nada para remover esse objeto. O ódio crônico é para a alma humana o que o aquecimento central é para uma casa num clima frio.

Amamos nossas próprias teorias da conspiração e relutamos em abrir mão delas. Felizmente, para nós, tudo pode ser incorporado a elas, e é impossível refutá-las. Por exemplo, se alguém me dissesse que a epidemia de covid-19 não existe, que é o produto fictício do governo para obter mais poder, eu responderia que a média de mortes aumentou drasticamente no auge da pandemia, e mostraria as estatísticas. O teórico da conspiração então diria: “Essas estatísticas são falsas, elas fazem parte da conspiração!”. Em outras palavras, não há nada que eu possa dizer a essa pessoa, nenhuma evidência que eu possa apresentar, que a convenceria a abandonar sua teoria da conspiração ou mesmo que faria uma pequena rachadura em sua crença.

As conspirações explicam as insatisfações da vida. Se pelo menos não tivessem conspirado contra nós, teríamos aproveitado muito mais a vida! Até mesmo pessoas muito bem-sucedidas podem acreditar nessas conspirações porque a vida humana, até mesmo de quem obteve sucesso, nunca é totalmente satisfatória.

Existe outra consolação para as teorias da conspiração: elas nos dão a impressão de que tudo está sob controle — não sob nosso controle, claro, mas sob controle de alguém, pelo menos. Ou seja, a humanidade determina o próprio destino, nada acontece por acaso, a vontade humana é que decide tudo. Isso também nos dá uma ilusão de entendimento, porque não existe nada mais fácil de entender do que uma conspiração. As motivações dos conspiradores são sempre simples e diretas: eles querem poder, dinheiro, ou ambos, e a maioria de nós consegue entender isso com facilidade, uma vez que esses desejos não nos são estranhos.

O surgimento do vírus que está produzindo um efeito tão devastador na economia do mundo — ou, se preferir, nossa reação ao vírus é que produz tal efeito — gerou milhares de teorias, a maioria sem valor, e muitas pessoas achariam melhor que o vírus fosse resultado da ação humana, e de uma ação deliberada, do que se ele tivesse surgido espontaneamente sem que ninguém o tivesse desejado. O Institut Pasteur, a instituição francesa de pesquisa microbiológica, montou um laboratório virológico em Wuhan pouco antes do surgimento do vírus, e não foram poucas as pessoas na França que ouvi dizendo que isso estava longe de ser uma coincidência. Óbvio, elas não tinham nenhuma evidência especial para afirmar isso, mas estavam totalmente convencidas, porque pelo menos essa teoria lhes dava uma causa para sentir orgulho nacional. Devemos preferir ser considerados maus a indefesos ou insignificantes.

Leia também o artigo “Como surgiu o novo coronavírus?”, de Dagomir Marquezi

24 comentários
  1. Elizeu Loureiro Filho
    Elizeu Loureiro Filho

    “O ódio é, de longe, a emoção política mais forte, e a mais duradoura.”
    Genial!!!

  2. Alirio Luiz Humel
    Alirio Luiz Humel

    Nada vem por acaso.

  3. Jose Carlos De Souza
    Jose Carlos De Souza

    Sou leitor de Dalrymple porém, acredito que o seu ceticismo nos mostra uma visão infantil, alheia as intensões de grupos de interesse que, pelo que nos mostra a história têm claramente motivações que o autor, chama de “teoria da conspiração”. No caso do autor não acredito em má fé, mas, numa pessoa alienada das motivações dos grupos de interesse que hoje moldam o mundo (big techs; open society, etc, etc…).

  4. Michele
    Michele

    É muito bom o texto e também há ciência nele. Contudo são os mesmo motivos que nos distanciaram ao longo das décadas, das simples evidencias, constatações e nos jogaram para o mundo das provas, tecnicista. Não se pode em sã consciência, negar o oportunismo avassalador que se instala no mundo ocidental fortalecendo o Estado em toda parte. Prova: um ano inteiro de quarentenas sustentadas pela mídia, com muita mentira. Confiar cegamente no Estado não é uma opção, aceitar que há um vírus mortal circulando e que ninguém conhece, aí sim parece mais lógico e nada conspiratório.

  5. Paulo Alencar Da Silva
    Paulo Alencar Da Silva

    Achar que a pretensão da China em dominar politica, econômica e militarmente o mundo é teoria da conspiração é, isso sim, negar o óbvio. Acho que misturar isso a teorias absurdas como a do vírus informando Bill Gates, é uma estratégia para fazer pensar que o anseio por domínio pela China é irreal, o que me faz pensar que você é um espião chinês infiltrado na Oeste pelo Dória com objetivo de confundir e enviar mensagens subliminares aos leitores. “No creo en Brujas, pero que las hay, las hay”. Vide Watergate, as grandes guerras etc etc.

    1. Paulo Alencar Da Silva
      Paulo Alencar Da Silva

      Aliás, acabei de comentar e a própria Oeste noticiou ameaça de bomba na fábrica das vacinas na Índia que ja havia incendiado. Mas é claro que tudo é coincidência né Teodoro? Estou de olho em você hein? Por acaso tem o olho puxadinho?

  6. Cesar Augusto Por Deus Evora
    Cesar Augusto Por Deus Evora

    Correção ao meu post anterior . O artigo do Dagomir Marquezi sobre uma “teoria alternativa” (de pesquisador americano) a “teoria do acaso” do Dalrymple se encontra na edição 43 da Revista Oeste.

  7. Cesar Augusto Por Deus Evora
    Cesar Augusto Por Deus Evora

    O que Wuhan tem de especial para pesquisadores americanos colaborarem com estes laboratórios há muito tempo? A mesma pergunta se aplica para o Institut Pasteur que se instalou recentemente em Wuhan. O que Wuhan tem de tão especial?
    Mas o pensador e médico psicanalista – autor deste artigo- não vê nada mais que simples coincidência. Eu o entendo: o ceticismo está na raiz da postura filosófica dos ingleses. Hume – o filósofo que destruiu a metafísica- já dizia que o fato do Sol aparecer a leste todos os dias não garantia que ele aparecesse no dia seguinte.
    Uma luz ..conspiratória ?… sobre as perguntas acima se encontra em artigo nesta edição da Revista Oeste.
    Lanço uma pergunta conspiratória : Este espírito cético – ao duvidar das ameaças do homem de bigode – não motivou o “appeasement” de 1939?

  8. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Texto bastante interessante. É sempre bom ter outros pontos de vista.

  9. Cibele De Oliveira
    Cibele De Oliveira

    Quem dera se tudo que está sendo levantado fosse teoria da conspiração. Gosto muito do Dr. mas tratar como coincidência o fato do surto ter se iniciado em Wuhan onde existe laboratório que manipula vírus de morcego entre outros animais selvagens e inclusive a vice-diretora é conhecida na China como mulher-morcego é querer passar pano demais pro povo não desconfiar dos “cientistas”. Teoria da conspiração pra mim é acreditar que esse vírus surgiu naturalmente. Corporativismo não, por favor!

    1. Lucas Scatulin Bocca
      Lucas Scatulin Bocca

      Acontece que é muito mais provável ter ocorrido um acidente do que ter sido deliberadamente usado para algum fim maligno previamente planejado.

      1. Cibele De Oliveira
        Cibele De Oliveira

        Sendo acidente ou não, é necessário discutir a ética desses experimentos que transformam vírus orginais em vírus letais. Mesmo não sendo vazamento deliberado mas “apenas acidente”, eles criaram uma doença que não existia naturalmente, criada em laboratório, e que mudou o mundo pelo visto pra sempre pq agora temos um vírus com capacidade de matar e que vai continuar mutando e causando mortes. E ainda temos que endeusar TODOS os cientistas? A própria revista oeste tem uma reportagem sobre a origem do vírus.

  10. Juliana Carvalho Pereda
    Juliana Carvalho Pereda

    “Se você não percebe que existe algo muito estranho por trás disso
    tudo, algo muito estranho por trás dessa imensidão de arbitrariedades,
    burrices e surtos histéricos, então você jamais entenderá a solução
    para esse problema, porque você já se tornou uma parte dele. E se você
    não consegue perceber como sua atenção vem sendo desviada (e sua
    opinião, maquiavelicamente manipulada) pelas agendas midiáticas de
    megainvestidores internacionais, eu não posso fazer muito mais por
    sua consciência, mas entendo: um argumento devidamente
    fundamentado em evidências, razão e lógica, é o mesmo que um objeto
    imovível ou uma força imparável. E quando um desses dois colide com
    as convicções emocionais de alguém, ceder ao peso da mensagem
    significa ver seu mundo inteiro ruir. Para evitar a devastação,
    mecanismos de defesa do ego são erguidos imediatamente e tenta-se
    desesperadamente desmerecer a parede ou quem quer que a
    apresente. É assim que caminham milhões de pessoas no mundo,
    apegadas às suas chupetas sentimentais e voluntariamente
    desconectadas de qualquer vestígio de inteligência.”

    Trecho extraido da conclusão do livro “Fraudemia”, do Dr Alessandro Loiola

    Aliás, recomendo a leitura do início ao fim!

    1. Jorge Luiz Soares Ribeiro
      Jorge Luiz Soares Ribeiro

      Perfeito. Concordo.

    2. Jamilla de Castro Souza
      Jamilla de Castro Souza

      Li e também recomendo.
      1/4 do livro é feito de referência bibliográfica… o Dr. escreve com total conhecimento dos fatos… todos verificáveis pelo próprio leitor.

  11. Antonio E Rezende
    Antonio E Rezende

    Achei brilhante esse artigo porque disseca o óbvio! Nota: enxergar o óbvio não é para qualquer bico.

  12. Natan Carvalho Monteiro Nunes
    Natan Carvalho Monteiro Nunes

    Sempre devemos analisar qualquer teoria com muita cautela. Um bom hábito é comparar as informações da teoria com dados concretos da realidade, verificar se há algum respaldo, consultar fontes de credibilidade etc. Algumas delas se converterão em fatos, outras não. Sempre foi assim na história da humanidade.

    1. Jamilla de Castro Souza
      Jamilla de Castro Souza

      É isso, tem que analisar cada situação!

  13. Raphael Lopes Rios
    Raphael Lopes Rios

    Esse cara é genial

    1. Claudia Aguiar de Siqueira
      Claudia Aguiar de Siqueira

      A tranquilidade com que o Dalrymple discorre sobre os absurdos nossos do dia a dia é genial.

      1. Lucas Scatulin Bocca
        Lucas Scatulin Bocca

        Concordo!! Dalrymple é sempre fantástico, excelente!!

  14. Décio João Gallego Gimenes
    Décio João Gallego Gimenes

    E se as teorias conspiratórias não forem, realmente, meras teorias da conspiração? E se essas teorias, eventualmente não sendo conspiratórias, sejam objetos de suspeitas que devem atrair nosso olhar, assim como tantos outros assuntos de menor grandeza sobre os quais rotineiramente pensamos e concluímos de modo razoavelmente consistente? E se a teorias conspiratórias não passassem de meros carimbos para lacrar e desviar a suspeita de que “tem coelho nesse mato”? Enfim, pensar em teorias da conspiração não é nada demais. Prefiro acreditar nelas do que na maior parte do ideário da mídia. De todo modo, teorias nunca devem passar despercebidas.

    1. Jorge Luiz Soares Ribeiro
      Jorge Luiz Soares Ribeiro

      Concordo.

    2. Jamilla de Castro Souza
      Jamilla de Castro Souza

      Concordo. Até porque vários fatos que eram considerados conspiratórios já foram provados pela história. Por que ignorar que as conspirações de hoje não serão reveladas no futuro?

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