The Free Speech Wars, uma coleção de ensaios editados pela historiadora Charlotte Lydia Riley, não é uma cartilha neutra sobre os debates e argumentos atuais acerca da liberdade de expressão. Ao contrário disso, o livro, recém-lançado na Europa, é uma intervenção amplamente unilateral, destinada a restringir a liberdade mais do que fundamental.
A editora e historiadora Riley dá o tom em sua introdução. Ela apresenta a liberdade de expressão apenas como um princípio entre muitos outros e diz que com frequência está em conflito com os objetivos de justiça social. Nesse sentido, afirma, a defesa da liberdade de expressão é muitas vezes uma forma de encobrir o preconceito de extrema direita.
Quase todos os 22 ensaios, escritos por comentaristas, acadêmicos e ativistas, seguem o exemplo dela. Ou seja, eles exploram como a liberdade de expressão foi transformada em arma por forças malignas e perguntam como podemos limitá-la. A única exceção ao ataque geral ao princípio da liberdade de expressão é um ensaio escrito em sua defesa por Jodie Ginsberg, ex-CEO da Index on Censorship.
Riley deturpa os principais argumentos em nome da liberdade de expressão desde o início. Ao contrário de sua caricatura grosseira, nenhum defensor da liberdade de expressão negaria às vítimas de violência sexual a oportunidade de conversar em um “espaço seguro” apenas para mulheres. O problema surge quando os espaços públicos em geral, como salas de aula ou mesmo universidades, são considerados espaços seguros. Isso significa que a linguagem dentro da sala de aula ou em um câmpus universitário pode ser policiada por códigos de fala e o acesso pode ser restrito por motivos de identidade.
Da mesma forma, a crítica dos defensores da liberdade de expressão à política do No Platform — a recusa de “fornecer uma plataforma a um palestrante por causa de suas opiniões ou afiliações” — é mal interpretada aqui como uma crítica à recusa das organizações em convidar certos palestrantes. “Eu continuo, infelizmente, sem ser convidada para fazer o discurso principal na conferência do Partido Conservador ou apresentar o Oscar”, escreve Riley, “mas isso não significa que alguma das organizações usou o No Platform comigo.”
Contudo, os críticos das políticas do No Platform não acham que as organizações deveriam ter de convidar alguém para falar. É prerrogativa delas escolher a quem convidar. Em vez disso, os críticos do No Platform se opõem às tentativas de ativistas de pressionar um grupo ou organização a retirar de alguém — um acadêmico crítico de gênero, por exemplo — um convite para falar no câmpus. E o fazem apenas porque discordam das opiniões do orador convidado.
De modo semelhante, Riley entende mal a história recente das guerras de liberdade de expressão. Por isso ela sugere que a defesa da liberdade de expressão de hoje pode ser parte de uma “reação contra o movimento pelos direitos civis e pelos direitos das mulheres, ativistas LGBTQ, campanhas pelos direitos indígenas pós-coloniais dos últimos 50 ou 60 anos”.
Eles sempre consideram o público crédulo e passivo, e nunca judicioso ou independente
A cobertura dos debates de The Free Speech Wars, ou debates cancelados, sobre direitos baseados no sexo e no transgenerismo, é similarmente unilateral. Pessoas que definem uma mulher como uma fêmea humana adulta são demonizadas como “transfóbicas” em vários ensaios, e não defendidas em nenhum. Um ensaio cita feministas críticas de gênero específicas e as rotula de “vigaristas” representando para seus “fãs”, “extraindo dinheiro por meio de doações e vendas on-line de camisetas”. Esses “indivíduos carismáticos” são convidados para a TV e escrevem artigos sobre suas opiniões “como se fossem legítimos”.
Isso não é análise. É um insulto. Como tal, é inteiramente típico dos ataques estridentes e personalizados tão característicos das guerras culturais mais amplas. Na verdade, tal é a maldade com que os argumentos sobre o transgenerismo são conduzidos que uma discussão racional da ideia de que uma pessoa pode nascer no corpo errado, ou de que as crianças podem consentir em intervenções médicas controversas, tornou-se quase impossível.
Previsivelmente, os ensaios em The Free Speech Wars fantasiam a ameaça da extrema direita e afirmam que a liberdade de expressão está sendo usada para justificar a promoção do ódio. Assim, somos informados de que as pessoas que apoiam a liberdade de expressão “querem ser capazes de insultar os outros, ou gritar slogans para contar mentiras deliberadas, ou incitar a violência, sem enfrentar repercussões”. Aparentemente, “não é exagero descrever [Jordan] Peterson ou [Donald] Trump, [Boris] Johnson e [Nigel] Farage como os principais propagadores de um movimento neofascista”. Também somos informados de que “o resultado da votação do Brexit” forneceu terreno fértil para “ideólogos protofascistas” que armam a liberdade de expressão para fins reacionários.
Os artigos não são realmente sobre liberdade de expressão como tal. São sobre aquilo que é visto como o problema da liberdade de expressão e como podemos resolvê-lo limitando o que pode ser dito ou escrito.
Tomemos, por exemplo, um ensaio que aborda o caso da Charlie Hebdo, a revista satírica francesa alvo de um assassinato em massa, em janeiro de 2015, por islâmicos. Nele, a “retórica anti-islã” da Charlie é vista como o problema, não os pistoleiros islâmicos que mataram dez jornalistas e cartunistas, bem como um trabalhador da manutenção e um policial, pelo “crime” de blasfemar contra Maomé. Em um notável ato de culpabilizar a vítima, o autor ainda afirma que a Charlie está “na vanguarda de um movimento global para defender o direito de difamar os outros em nome da liberdade de expressão”.
The Free Speech Wars é dominado por uma visão negativa da liberdade de expressão. Seus colaboradores só veem os danos da liberdade de expressão, nunca seus benefícios. Eles sempre consideram o público crédulo e passivo, e nunca judicioso ou independente. Apenas um ensaísta se preocupa com os malefícios da censura, salientando que a pena do censor costuma ser voltada contra as minorias. Mas, além disso, há pouco sobre o poder da palavra para desafiar e inspirar, e menos ainda sobre a importância de permitir que diferentes pontos de vista sejam apresentados e julgados democraticamente.
A liberdade de expressão acarreta riscos, é claro. Mas as guerras pela liberdade de expressão os reduzem a pouco mais que uma ameaça. O livro apresenta a liberdade de expressão como a ferramenta de pessoas más, o público como crédulo e as minorias como vítimas. E faz isso para justificar o policiamento e a restrição do discurso.
A liberdade de expressão é muito importante para ser traída dessa forma. Se levada a sério, protege o direito das pessoas de apresentar seus casos ao público. Assim como os que contribuíram para The Free Speech Wars são livres para fazê-lo. E, no entanto, é esse direito que a maioria deles parece ter a intenção de negar aos outros.
Leia também o artigo “O paradoxo da linguagem ‘inclusiva’”
Jim Butcher é palestrante e autor.
A tentativa de calar alguem só evidencia a incapacidade de contra-argumentar os fatos apresentados por este.
É uma idiota tentando convencer as pessoas a se tornarem idiotas. O filtro do que se fala é a Justiça.
Muito bom o texto. O mundo está cheio de idiotas como a autora do livro mencionado no artigo.
Para quem ainda dá crédito à esquerdista/progressistas (“aceita” q querem discutir racionalmente e que buscam a verdade e de forma civilizada/pelo diálogo/ com argumentos e pelo convencimento sem violência), eu estou vendendo terrenos na lua…
A grande importância do tema exige um texto mais inteligível.
Excelente.
concordo. texto mais simples e objetivo.
Chocante. Arautos da queima as bruxas.
Tempos desafiantes.