O auxílio emergencial foi uma medida necessária adotada durante a pandemia para amenizar os efeitos da perda de renda e empregos e atender a demandas básicas dos milhões de “invisíveis” na informalidade. Diante da tal segunda onda, com o aumento nos casos de contaminação, fala-se em extensão desse auxílio, ainda que com valores menores. Faz sentido?
Essa é uma ideia que vem ganhando força no Congresso, conta com o apoio de Rodrigo Pacheco, o candidato apoiado pelo governo para o comando do Senado, e também de Rodrigo Maia, o atual presidente da Câmara. Maia inclusive defende uma extensão mesmo furando o teto de gastos, alegando que a dívida pública não subiu tanto quanto se esperava em 2020 e, portanto, haveria uma “sobra” que poderia ser empregada no pagamento de mais alguns meses de auxílio emergencial.
Há, sem dúvida, argumentos legítimos em prol da extensão. Mas é preciso tomar muito cuidado aqui, para a demagogia não falar mais alto. É muito perigoso quando quem toma as decisões políticas não é o mesmo que arca com seus custos, ou seja, fazer “caridade” com o chapéu alheio é fácil. Como o presidente Bolsonaro experimentou um ganho de popularidade no Nordeste, atribuído por muitos a esse auxílio, ele também pode se ver tentado a ceder de olho nos dividendos eleitorais.
Mas cabe ao economista lembrar que os recursos estatais são finitos. É justamente o que seu “posto Ipiranga” fez. O ministro Paulo Guedes usou a metáfora de uma guerra, e disse que, se é para direcionar recursos escassos para os mais carentes na pandemia, então se faz necessário cortar em outros lugares, congelar o salário dos servidores públicos, por exemplo. Afinal, numa guerra é imperativo categórico definir prioridades.
Os estatizantes, que ignoram a aula básica econômica sobre escassez, e fingem não entender que tudo que o Estado distribui, ele precisa antes tirar da própria sociedade, que é quem produz as riquezas, sempre gostaram de usar a metáfora da guerra mesmo em tempos normais. A “guerra contra a pobreza”, a “guerra contra as desigualdades”, esse tipo de linguagem acaba justificando medidas redistributivas drásticas por meio do Estado, o sonho dos “igualitários”.
A tática é acusar os críticos de insensíveis, monopolizando assim as virtudes, os fins nobres, a preocupação para com os mais pobres. Ora, qualquer pessoa decente e com empatia deve se incomodar e muito com a situação dos pobres e miseráveis, mas a questão legítima que surge num debate sério entre adultos deve ser como mitigá-la a longo prazo. O que efetivamente vai ajudar a tirar esses pobres da pobreza com o tempo?
A contrapartida da extensão do auxílio tem de ser a aprovação de reformas estruturais pendentes
É aqui que os defensores do assistencialismo eterno pecam. Eles ignoram o mecanismo de incentivos, rejeitam a noção de que o trabalho é o melhor programa social que existe, por dar dignidade ao trabalhador e reduzir sua dependência das esmolas estatais. Criar um ambiente favorável para a criação de vagas, portanto, deveria ser a prioridade de quem realmente se preocupa com os mais pobres. Infelizmente, a esquerda em geral e os políticos populistas em particular preferem adotar visão míope de curto prazo, fechando os olhos para aquilo que não se vê de imediato.
Como uma parcela significativa dos que receberam o auxílio depende basicamente dele para sobreviver, claro que o tema não pode ser abordado de um ponto de vista apenas teórico, tampouco mirando somente no longo prazo. Quem tem fome tem pressa, já dizia o slogan. Mas não podemos interditar o debate dessa maneira, separando os lados entre os “bonzinhos” e os “malvados”, pois sem responsabilidade fiscal quem vai pagar o pato é justamente o mais pobre.
De forma bem resumida, eis o que acontece: o governo federal está muito endividado (especialmente para padrões emergentes), já possui uma carga tributária bem elevada, e depende da credibilidade perante os investidores para rolar suas dívidas e pagar suas contas. Se a percepção for a de que a responsabilidade fiscal será abandonada, teremos saída de capital, pressão no câmbio, na taxa de juros, e o governo terá apenas duas alternativas: calote ou produzir inflação, que é o imposto mais nefasto para os pobres. Daí a importância de não furar o teto dos gastos.
É como numa família em vias de falência: não há milagre, ela tem de reduzir gastos, vender ativos e apertar o cinto. Ou seja, se o país, por meio dos representantes eleitos, julgar que esse auxílio é fundamental neste momento, então a fatura terá de ser paga por alguém, pois o cobertor é curto. E o candidato óbvio para quem não vive na bolha é o setor público, com seus privilégios, salários inalterados ou aumentando, estabilidade de emprego e mordomias.
A contrapartida da extensão do auxílio, então, tem de ser a aprovação de reformas estruturais pendentes. É também a opinião do editorial da Gazeta do Povo: “Uma extensão do auxílio tem de estar inserida em um plano maior de retomada econômica que inclua, no mínimo, grandes reformas, a PEC Emergencial e uma boa rodada de privatizações”. Não existe almoço de graça, como lembrava Milton Friedman, ícone da Universidade de Chicago, onde Paulo Guedes fez seu doutorado.
Distribuir dinheiro do “helicóptero” pode ser tentador para quem fugiu das aulas de economia, para quem nunca entendeu o conceito de escassez, de recursos limitados. Mas todos os demais têm obrigação de adotar uma postura mais responsável, cientes de que é do interesse dos mais pobres evitar um colapso ainda maior das contas públicas. É doloroso ver o sofrimento de quem nem sequer sabe se vai conseguir colocar comida na mesa da família no final do dia, mas não é por isso que a solução é o carpe diem, como se não houvesse amanhã. Basta ver o que aconteceu com a Venezuela, um caso extremo do estatismo irresponsável.
Em suma, emergências de fato exigem medidas extremas, desde que haja um plano para abandoná-las. O que não dá mais é para o Brasil viver como se estivesse mergulhado numa espécie de emergência eterna, numa guerra infinita, que fornece o pretexto para que demagogos e irresponsáveis abandonem qualquer preocupação com a austeridade fiscal. Esse é o caminho da desgraça geral.
Leia também o artigo do economista Ubiratan Jorge Iorio nesta edição, “O mito das ‘desigualdades’”
Brilhante texto.
Preciso, vai direto ao ponto, não dá mais para procedermos assim, são urgentes as reformas, precisamos eliminar as castas privilegiadas
existe muita “gordura” para ser cortada sem sacrificar os servidores concursados, tais como verba parlamentar, auxílio saúde parlamentar (agora estendido aos juízes) carro e gasolina para os parlamentares, auxílio moradia parlamentar, fundo partidário, fundo eleitoral, etc., os cargos comissionados (só no Senado é perto de 3.000)
Sacrificar?
Como dizes, o melhor programa social que existe, por dar dignidade ao trabalhador e reduzir sua dependência das esmolas estatais é gerar oportunidade de trabalho.
Políticos de 3, 4, 5…mandatos de trabalho? A grande maioria não sabe o que é entrar em uma empresa às 07h e encerrar o turno às 18h para receber, por vezes, um, 2 ou 3 salários mínimos. Esperar comportamento digno, a honra pelo seu sustento? Esquece…está na hora de restringir em apenas uma reeleição todos os cargos eletivos.
Parabéns pelo artigo
Excelente artigo, Constantino!
Com toda razão. Seu artigo me faz lembrar um comercial de televisão, se não me engano, da VARIG, que dizia mais ou menos assim, não dê o peixe ao próximo, ensine-o a pescar. O POVO não quer o favor do Governo, mas condições de gerar sua própria subsistência. A expectativa que depois dos maus caráter Maia e Alcolumbre, voltem ao seu habitat natural, o pântano da corrupção, dos favores e do compadrio, as coisas melhorem para o POVO sem a ajuda do Governo.
No aguardo das novas lideranças do congresso. Agora vai ou racha.
Sem Rodrigo Maia, esperamos avanços nas reformas para que não haja mais necessidade de auxílios emergenciais.
Boa!
Criação de novos empregos é a melhor alternativa contra a aflição do pobre.
Muito bom, Constantino!