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Edição 47

A banalização das palavras e a distorção da História

A imprensa compara a invasão do Capitólio a genocídios na Bósnia e em Ruanda e acha normal o 'cancelamento' de nomes como Abraham Lincoln, George Washington e Thomas Jefferson

Ana Paula Henkel
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Emilio Gentile, 72 anos, é um dos principais historiadores italianos especialistas em fascismo. O fascismo histórico e real, não o imaginário que existe na mente de dez entre dez pessoas que não concordam politicamente com Jair Bolsonaro ou Donald Trump. O professor aposentado da Universidade de Roma prega que o uso indiscriminado da palavra “fascista” produz uma banalização perigosa do termo: “Usar demais a palavra fascismo não cria uma reação hostil a ele. Ao contrário, torna-o fascinante para tantos desgraçados em busca de respostas simples. Quem se apropria de maneira irresponsável dessa palavra arrisca a ampliar o neofascismo, em vez de combatê-lo”.

Banalizar, conforme ensinamento do nosso recorrente Aurélio, significa vulgarizar. Em outras palavras, tornar irrelevante aquilo que é significativo. Valores importantes passam a ser minimizados e aquilo que é errado passa a ser considerado normal, principalmente quando praticado por pessoas importantes do cenário público.

A banalização de termos sérios e profundos como “fascista” e “nazista”, usados para xingamentos em discussões tão rasas quanto um pires, não tem sido exclusividade de pessoas que não mostram o mínimo de respeito pela História e pelas vítimas de regimes devastadores. Em uma sociedade cada vez mais robotizada e ignorante, celebridades e até jornalistas que deveriam proteger o real significado das palavras usam, distorcem e desrespeitam o léxico e os eventos históricos apenas para satisfazer a sanha militante de sua mente já comprometida com a cegueira ideológica. A banalização das palavras e, consequentemente, dos atos sérios que elas significam, como cassação e impeachment, é um sintoma de sociedade que parece não querer mais pensar.

Nesta semana, foi iniciado mais um processo de impeachment contra Donald Trump no Senado norte-americano. O processo passou pela Câmara a toque de caixa, sem julgamento, sem testemunhas, sem muito papo. Em dois dias a votação foi concluída. A única acusação é que ele teria incitado o motim do qual o Capitólio foi alvo no dia 6 de janeiro. Seu propósito ao provocar a insurreição seria contestar os resultados das eleições de 2020. Mas, objetivamente, as ações de Trump não atendem à definição legal de incitamento, tampouco insurreição.

Diante de cobertura sofrível da mídia norte-americana sobre um impeachment inconstitucional, Anderson Cooper foi o retrato da era dos sentimentos que se sobrepõem aos fatos — era marcada predominantemente pelo ativismo de uma imprensa militante e irresponsável. O âncora da CNN, “emocionado”, comparou o episódio da invasão do Capitólio aos genocídios na Bósnia e em Ruanda, que mataram centenas de milhares de pessoas. “Vimos na Bósnia, vimos em Ruanda, onde as rádios diziam às pessoas que os tutsis eram baratas, incitando o genocídio. E você vê nesses vídeos [da invasão do Capitólio] pessoas que se dizem patriotas enfrentando os policiais”, disse Cooper.

Os “revisionistas” menosprezam os valores que são a base civilizatória dos EUA

Não foi a primeira vez que o âncora comparou os horríveis eventos do início de janeiro a genocídios históricos. Cooper ofereceu a mesma análise em seu programa em 12 de janeiro, naquela ocasião comparando eleitores de Donald Trump a racistas: “Eu estava em Ruanda no genocídio… Ouço pessoas falando sobre a Guerra Civil na América, fico tão chateado quando ouço essas pessoas em comícios — comícios de Trump falando sobre a Guerra Civil como se fosse uma espécie de limpeza”. A irresponsabilidade e a desonestidade jornalística em seu primor.

As atrocidades em Ruanda ceifaram a vida de cerca de 800 mil pessoas em cem dias em 1994. Outros 8 mil foram assassinados no genocídio da Bósnia, em Srebrenica, durante o verão de 1995. Cinco morreram nos ataques no mês passado no Capitólio dos EUA: uma pessoa foi pisoteada; outra, baleada por um policial; duas parecem ter tido ataque cardíaco; e a polícia do Capitólio ainda não divulgou a confirmação da causa da morte de um policial.

Cooper não usou tais comparações inflamadas com os manifestantes do movimento Black Lives Matter que perpetraram repetidas explosões de violência política no verão passado. Devido à violência, várias dezenas de norte-americanos morreram em meio a distúrbios e centenas de outros foram assassinados enquanto a polícia se retirava de suas funções em meio a críticas violentas.

Mas nem só da banalização das palavras — e do que elas significam — vive a atual sociedade. Revisionismos históricos e a criação de vilões que alimentam as ideologias nefastas são pontos importantes na banalização do pensamento jovem.

Na semana passada, a revista The New Yorker fez uma entrevista com a presidente do conselho escolar de São Francisco, Gabriela López, uma ex-professora de 30 anos que anda liderando a missão do distrito do norte da Califórnia de enterrar a História norte-americana. Sob sua liderança, o sétimo maior distrito escolar do país passou seu tempo não ensinando seus 57 mil alunos — que estão “aprendendo” on-line por quase um ano inteiro —, mas planejando tirar nomes de figuras históricas de mais de 40 edifícios distritais. Os nomes destinados à remoção incluem Abraham Lincoln, George Washington e Thomas Jefferson, entres outros presidentes e fundadores da nação mais próspera do planeta.

O esforço faz parte de uma onda de iconoclastia antiamericana que varreu os Estados Unidos no ano passado. Incluiu ativistas violentos derrubando e vandalizando estátuas ilegalmente e prefeitos removendo monumentos e nomes de escolas legalmente, às vezes na escuridão da noite. Cristóvão Colombo e Thomas Jefferson estão entre as figuras históricas mais visadas nessas varreduras ideológicas, assim como figuras religiosas, incluindo santos e Jesus Cristo.

A entrevista com Gabriela López, uma das pessoas mais importantes na educação do Estado da Califórnia, revela como a ideologia política substituiu o conhecimento entre os esquerdistas norte-americanos. Eles procuram validar e replicar sua ignorância entre os mais jovens, colocando líderes históricos na lista negra e, assim, menosprezando ideais e valores que se tornaram a base civilizatória do país mais livre do mundo. Às vezes, é assustador como esse movimento lembra a revolução cultural chinesa dos anos 1950 e 1960, que também apresentou desfiguração de monumentos, revisionismo histórico e eterno assassinato de caráter.

Em tempos obscuros, em que crianças estão fora da escola e muitos andam aceitando qualquer informação regurgitada pela imprensa militante, gaste um tempo a mais com os filhos, netos e sobrinhos. Abra um livro de História, discuta os defeitos de homens e mulheres. Precisamos ajudar a futura geração a não acreditar apenas em manchetes. Como dizia Roger Scruton, filósofo e escritor inglês que se especializou em estética e filosofia política: “Uma pessoa que diz que a verdade é relativa está pedindo para você não acreditar nela”.

Leia também “Como funciona a doutrinação marxista”

24 comentários
  1. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Mundo de cabeça para baixo, a dominação é evidente. Precisamos que nossos líderes defendam com unhas e dentes a Soberania das Nações

  2. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente texto. Parabéns Ana Paula. Será que esses idiotas, imbecis, estúpidos esquerdistas não percebem que na Revista Oeste não são bem vindos. Voltem para o lixo de onde vieram.

  3. Paulo Drummond
    Paulo Drummond

    Este senhor Alves, que parece não ter sido capaz de ler o que escreveu, tem sua preocupação voltada apenas e tão somente para contradizer a autora. O jornalista Cooper, como de resto toda a militância incrustada na cnn —um magote de de mentes estreitas e vendidas— comparou a invasão do Capitólio com Rwanda porque é isso que seus espectadores gostam de ouvir: a estupidez. Sim, senhor Alves, nem todos os que se insurgem contra Trump e Bolsonaro são comunistas; há também os ignorantes, os vendidos, os analfabetos funcionais, os cretinos…

  4. Franco Guizolfi Fantinel
    Franco Guizolfi Fantinel

    Excelente! Estou definitivamente apavorado com o rumo que os EUA estão tomando.

    1. Moacir Lima
      Moacir Lima

      Muito interessante a lembrança e a comparaçao, do que as esquerdas promovem no mundo, com a revoluçao cultural chinesa. Creio que deve haver alguma inspiraçao nisto, vinda daquele horror.

  5. Luiz Rocha
    Luiz Rocha

    O difícil é achar algum bom livro de história. A maior parte foi feita por militantes.

  6. Gilvani Bakai
    Gilvani Bakai

    Parabéns além de campeã olímpica, vc é muito inteligente.

  7. Cristina S Oshima
    Cristina S Oshima

    Preocupante essa militância no jornalismo e na educação. Excelente texto. Ana Paula, como sempre, trazendo boas reflexões.

  8. Antonio Ruotolo
    Antonio Ruotolo

    Mediocre

  9. Lucas Martins Gomes Gonçalves
    Lucas Martins Gomes Gonçalves

    Artigo excelente! Eu resisto a banalização desses termos. Solicito aos meus alunos que se dirijam às fontes. Isso evita distorções, como alguns gostam de fazer.

  10. Décio João Gallego Gimenes
    Décio João Gallego Gimenes

    Adorei o texto. Muito relevante. Sinto que não será fácil vencer a ignorância. Nelson Rodrigues teria dito que “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.” Qualquer morador em condomínio pode perceber isso.

  11. Marcus Vinicius Correa Leite
    Marcus Vinicius Correa Leite

    O ruim de você só ver um lado, é que você não consegue ver o todo. O artigo pretende insurgir-se contra os “pré conceitos” e rótulos aplicados. O problema é que só avalia um lado da história. Não fala nada sobre o rótulo de “comunista” a todos que se insurgem contra essas figurinhas desprezíveis de Trump e Bolsonaro. Parece que a Ana Paula só se incomoda quanto ao rótulo de “fascista”, mas parece ignorar que a direita burra chama de comunista a todos os que não concordam com ela. Outra falha do artigo, esta mais grave: critica o jornalista americano por ter feito comparação com Ruanda. Mas, no fim do texto, absurdamente, compara um movimento isolado em uma cidade americana, com a revolução cultural chinesa, que causou um genocídio de dezenas de milhões de mortos. Quem foi mais exagerado, afinal, Cooper ou Henkel? E, por que ele não pode fazer comparações e a Ana Paula pode? Questões interessantes.

    1. Marina Tolentino Marinho
      Marina Tolentino Marinho

      Prezado, leia a comparação: “ desfiguração de monumentos, revisionismo histórico e eterno assassinato de caráter”.

      1. Paulo Drummond
        Paulo Drummond

        Se ao menos ele soubesse ler…

    2. Alberto
      Alberto

      A resposta à sua pergunta é simples, Marcus V.C. Leite. Tanto o Cooper como você tem um problema chamado Mata-burro na Sinapse. A Ana Paula não tem.
      Óbviamente você está no lugar errado. Assine a #CrusoLIXO, lá eles só veem um lado, o seu. Vaza!

  12. Silvio Tadeu De Avila
    Silvio Tadeu De Avila

    Essa gentalha somente pode ser detida é no “pau” mesmo, único argumento que eles entendem. A cada silêncio dos conservadores e liberais, eles avançam mais um pouco. É como dizia Churchill: conciliar com crocodilo apenas na esperança de que ele o devore, mas por último, é um grande erro.

  13. Andre mendonça
    Andre mendonça

    E em terras tupiniquins os mesmos fatos se repetem. Nossas universidades e escolas se transformaram em madrassas onde o Alcorão foi substituído pelo marxismo hipócrita. Em Belo Horizonte tem escolas particulares onde crianças são alfabetizadas com a negação de gênero: menino e menina não existem. Agora é meninx. Odioso!

  14. William Marcelo Bonfim De Oliveira
    William Marcelo Bonfim De Oliveira

    ótimo texto Ana, parabéns.

  15. Nilton Soares
    Nilton Soares

    Seu brilhantismo intelectual já está virando uma rotina em seus artigos, Ana Paula Henkel. Ainda bem!!

  16. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    Cada vez melhor Ana. Hoje, depois de dias, vi o comentarista da CNN – SR – criticar o ministro da saúde sobre a omissão dele em socorrer Manaus com oxigênio. Tudo em. Até aceita-se opiniões em contrário, mas ele, como grande parte dos jornalistas, omitiu a opinião em assuntos muito importantes levantados pelo ministro. E o jornalista não falou uma letra sobre a resposta de Pazuelo sobre o problema do oxigênio, ou seja, negou falar sobre a “defesa” e os argumentos de quem está trabalhando dia e noite para ajudar a combater a pandemia. Nessa banalização generalizada fiquei com uma dúvida, já que não estou aí e não acompanhei tim-tim-por-tim-tim. Parece-me que os arruaceiros que invadiram o órgão público não carregavam armas, metralhadoras, fuzis, granadas. Assim, é difícil dizer que eles desejavam uma insurreição armada. Em segundo lugar, a segurança do local falhou e ninguém disse nada? Tem gente que acha o Ministro da Saúde é que fez sozinho os 550 planos de vôo de aeronaves que levaram insumos, medicamentos, vacinas e doentes para estados e municípios. Ou seja, tem muita gente que acha que não existe uma equipe anônima trabalhando intensamente, e são milhares de pessoas.

  17. Ruth Malzoni
    Ruth Malzoni

    Ótimo artigo! Parabéns.
    Essa situação é realmente desesperadora! O pior é que não vejo jeito de melhorar! Se 90% da midia e dos professores passam isso para o público e estudantes sem serem contestados a versão deles da História e dos atuais acontecimentos políticos é a que vai prevalecer. Precisaríamos de muitas revistas Oeste e de muitos jornalistas como vocês espalhados pelo mundo para podermos lutar com algum sucesso contra essa maré de desinformação! Como isso infelizmente não é o que acontece acho que estamos fadados a um futuro bastante desanimador…

    1. RODOLPHO DA COSTA VALENTE
      RODOLPHO DA COSTA VALENTE

      Excelente texto!!!
      Uma visão do objeto social; a partir de embasamentos conceituais e históricos.
      Fico imaginando, se essas pessoas que se apoiam em uma militância arrogante; fariam com a História da humanidade segundo seus critérios!?
      Será que empurrariam os crimes de Stalin; Che Guevara; Fidel Castro; etc; para baixo do tapete; ou fariam estampas em camisetas; bandeiras, etc, como se fossem heróis da humanidade!?
      Revisar a História é um absurdo que vai contra o processo civilizatório; afinal de contas; Emile Durkheim conceitua que para analisarmos um fato social; deve-se observar o objeto social, completamente livre das passionalidades, livre dos aspectos sociais culturais e tradições, para se ter uma visão isenta e científica do respectivo fato social!
      Apagar eventos históricos e referências históricas que envolvam, esculturas, quadros, livros, obras de artes, é um verdadeiro atentado a própria evolução humana!!

  18. Nilton Fecchio
    Nilton Fecchio

    Mais uma vez a realidade imita o livro “1984” de George Orwell. Desta vez além do controle sobre o passado, temos a “Novafala”.
    ” E se todos aceitassem a mentira imposta pelo partido – se todos os registros contassem a mesma história – a mentira tornava-se história e virava verdade. “

    1. Iberê De Assis
      Iberê De Assis

      Cuidado com a “teletela”.

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