Uma curiosa coletiva de imprensa realizada na última quarta-feira, dia 22, comandada por militares e sem a presença da equipe econômica, revelou um pequeno conjunto de intenções genéricas que pretende ser a cloroquina de um país infeccionado, asfixiado e ainda sem perspectiva de alta. O pouco que se mostrou já foi suficiente para entender a ausência de Paulo Guedes no lançamento do maior programa econômico do governo até agora.
Chamado de Pró-Brasil, o programa deverá ser um parente próximo de outras iniciativas desenvolvimentistas anteriores como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado por Lula em 2007 e que colocou Dilma Rousseff, titular da Casa Civil, no centro do palco político e alavancou de vez sua candidatura presidencial para 2010. O comandante em chefe do Pró-Brasil é também o atual ministro-chefe da Casa Civil, o general Walter Souza Braga Netto, igualmente visto como uma espécie de primeiro-ministro informal do governo desde que assumiu a pasta, em fevereiro.
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A visão do Estado como motor da economia não é nova, especialmente para militares brasileiros.
Muitos deles guardam uma memória afetiva do “milagre econômico” do período de 1968-1973, quando o PIB do país cresceu vigorosamente e todo um aparato de propaganda política foi anabolizado pelo governo, ao som de hits ufanistas como “Eu te amo, meu Brasil”, “Esse é um país que vai pra frente” e o tema da seleção campeã de 1970, a icônica “Pra frente Brasil”. Artistas como Wilson Simonal e Roberto Carlos ajudavam a elevar o moral do país e, em parte, eclipsar as músicas de protesto contra a ditadura no momento mais duro da repressão política.
Alguns analistas buscam comparar as bases do Pró-Brasil com o Plano Marshall, como ficou conhecida a série de auxílios bilionários fornecida pelo governo norte-americano após a Segunda Guerra aos aliados europeus para fomentar a reconstrução daqueles países depois da devastação causada pelo conflito. Outros tentam comparar com o infame New Deal, o conjunto de medidas autoritárias, inspiradas no fascismo italiano e implementadas com a mão de ferro de Franklin Roosevelt nos anos 30 nos Estados Unidos e de triste memória. As comparações são estapafúrdias e indesejáveis, assim como a lembrança do PAC lulista, um dos muitos ralos por onde os maiores escândalos de corrupção da história do país puderam passar.
O Pró-Brasil, ao que tudo indica e a despeito das poucas informações reveladas na coletiva, é uma reedição do desenvolvimentismo estatista do governo Médici, capitaneado na época pelo czar da economia Antonio Delfim Netto. Delfim, com 91 anos, continua um participante ativo do debate nacional e é hoje um economista muito mais afinado com as diretrizes da política econômica do governo do que Paulo Guedes, um liberal da Escola de Chicago.
O presidente Bolsonaro muitas vezes se mostrou pouco à vontade na defesa da cartilha liberal clássica.
Trata-se de um ideário que em nada lembra seu histórico de votações e posições econômicas como deputado federal em quase três décadas. Parecer liberal na campanha e no início do governo não é novidade no Brasil, já que até Lula aceitou publicar uma “Carta ao Povo Brasileiro” em 2002 e nomeou uma equipe econômica totalmente afinada com o governo anterior para pacificar o mercado e criar um clima de euforia inicial.
Ao ser reeleito, em 2006, Lula nomeou Guido Mantega no lugar de Antonio Palocci e dali em diante pôde mostrar a que veio. Com a entrada de Dilma Rousseff em 2011, veio a desastrosa Nova Matriz Econômica, uma bomba atômica na economia brasileira que relegou ao país anos de recessão e pavimentou o caminho para o impeachment.
É cedo para dizer como será o novo momento do comando do país com o general como superministro e uma equipe militar no Planalto tocando uma política econômica nacional-desenvolvimentista, como sempre foi o sonho da chamada “ala ideológica” que demonizava o liberalismo de Guedes nos corredores e suspirava por Steve Bannon, o ex-estrategista de Donald Trump que sempre defendeu investimentos estatais maciços em infraestrutura e programas sociais e nutre um desprezo profundo pelo liberalismo clássico da escola de Chicago.
É inegável que o general Braga Netto imprimiu novo ritmo ao governo e é hoje sua face mais reconhecível, num momento em que diversos militares assumem postos-chave no primeiro escalão e dão um tom da administração federal totalmente diferente do que se viu em 2019, com Moro e Guedes desidratados e a “ala ideológica” aparentemente legada a comandar turbas virtuais em redes sociais. Os que foram às ruas nos últimos dias pedindo intervenção militar parecem mal informados.
É falso afirmar que o sonho da chamada “ala ideológica” é uma política econômica nacional-desenvolvimentista e que aquela demoniza o liberalismo de Guedes nos corredores.
A “ala ideológica” é conservadora, e o Conservadorismo defende, automaticamente, o liberalismo econômico na forma de um Estado Mínimo, além da preservação dos valores morais.
“É inegável que o general Braga Netto imprimiu novo ritmo ao governo e é hoje sua face mais reconhecível, num momento em que diversos militares assumem postos-chave no primeiro escalão e dão um tom da administração…
Os que foram às ruas nos últimos dias pedindo intervenção militar parecem mal informados.”
Se os militares promoverem neste primeiro momento “Progresso” e instituir a “Ordem” concomitantemente, que seja.
Parabéns Alexandre; sempre impecável nos seus comentários.
Muito esclarecedor. Excelente artigo, parabéns.
Este artigo me faz lembrar de algo que aconteceu na Europa ou nos EUA no século passado, não sei bem onde, quando em uma reunião de vanguarda sobre esses mesmos assuntos de salvamento aqui tratados, alguém apresentou um plano muito bom, mas de longo prazo. Outro na plateia se levantou e disse: “A longo prazo todos nós estaremos mortos”. Ora, acho que vale tanto lá como cá. Se esta mudança de rumo, o Pró Brasil, for para nos salvar no curto prazo, pois que seja.
Walter Souza Braga Neto X Ze Dirceu.
Grandes avanços.
Se Bolsonaro abraçou minhas pautas ANTICORRUPÇÃO e as defende, e de sobra tomou de mim um “presentinho”, ñ importa, foi em Bolsonaro em quem convicto VOTEI e respeito pela fibra, determinação e, principalmente, fidelidade ao meu caro VOTO. Pátria AMADA BRASIL.
Quem poderia afirmar que a Europa destruída na segunda guerra mundial teria condições de se reerguer tão rapidamente no pós guerra sem aquela ajuda americana, o plano Marshall ? Foi uma intervenção estatal planejada e temporária que revitalizou a Europa e a economia ocidental. Será que a economia liberal de Paulo Guedes, sozinha, teria entregado aquele resultado? Acho que não. E hoje, no Brasil, seria o bastante? O liberalismo é o melhor caminho, a História mostra, mas a pavimentação desse caminho, num cenário de terra arrasada, não pode simplesmente esperar pela iniciativa privada que, nesse momento, encontra força principalmente no capital chinês.
Ótimo comentário!
O que está talvez acontecendo é que tudo mudou por causa do tal vírus. Gosto do Guedes e concordo com suas ideias mas não sei se podem ser usadas por hora. Vamos em frente.
Excelente artigo. Parabéns