O Brasil do coronavírus está vivendo hoje num estado de quase desordem legalizada. O Supremo Tribunal Federal, por conta da epidemia, colocou os próprios deveres em quarentena, escondeu-se debaixo da cama e decidiu abandonar oficialmente o Brasil, para todos os efeitos práticos, às “autoridades locais” — os governadores e prefeitos, sem deixar bem claro se os primeiros estão acima dos segundos ou se as assembleias legislativas e câmaras de vereadores têm alguma coisa a declarar (elas acham que têm, claro) a respeito do que resolvem os Executivos estaduais e municipais. A decisão de que Estados e prefeituras mandam em tudo significa que estamos, em aspectos essenciais da vida cotidiana, numa terra sem lei. Onde cada um tem a sua lei, não há lei nenhuma.
Há, na vida real de hoje no Brasil, 27 países independentes, cada um com seu presidente da República — no caso, o governador do Estado — e cada um decidindo o que bem lhe dá na telha, em benefício de seus interesses e sem o controle de ninguém. Como se trata de serviço malfeito, acabaram sendo criadas cerca de 5.500 regiões autônomas, ou mais ou menos isso, que são os municípios, onde não se sabe se, quando, onde e em que, exatamente, a autoridade é do governo estadual ou da prefeitura. Em São Paulo, por exemplo, o prefeito de um município do litoral decretou que só podem entrar em sua cidade cidadãos que tiverem título de eleitor local; ou mostra o título para o guarda, ou não entra. E como fica a coisa com o governador João Doria, então? Seu título de eleitor é de São Paulo, capital; pode ou não pode entrar numa cidade de seu próprio Estado? Desordem, somada à cretinice, dá nisso.
[ccj id=”oeste-blocker-2″]
A Câmara de Vereadores virou o Congresso Nacional em Santo Antônio do Fim do Mundo.
A Assembleia Legislativa virou o Senado e a Câmara de Deputados do Piauí — e por aí vamos. Isso não é “descentralização”, ou distribuição de responsabilidades, ou reforço das autoridades locais em questões que, segundo a alta filosofia dos ministros do Supremo, “exigem soluções locais”: é anarquia. É a vitória da brutalidade, do guarda da esquina e das ordens ilegais. O STF, é claro, não autorizou nenhuma autoridade, expressamente, a espancar cidadãos, algemar mulheres e prender crianças. Não deu permissão para violar a Constituição e o restante das leis brasileiras. Não disse que é proibido cair no mar, nem que depois não se possa atravessar a praia para voltar para casa. Mas é isso que está acontecendo todos os dias, porque quem manda é quem tem farda e crachá de autoridade.
Quem deveria deter esses crimes — pois abuso da autoridade é crime — é a Justiça. Mas a única ação que se pode observar por parte do Judiciário até agora, no Brasil da epidemia, é soltar criminosos. Segundo a orientação do Conselho Nacional de Justiça, os juízes estão autorizados a ordenar a libertação de qualquer bandido, mesmo se estiver condenado a mais de 70 anos de prisão (como aconteceu outro dia no Paraná), para evitar que pegue a covid-19 na penitenciária. Dizem que é “prisão domiciliar”. É uma piada. Está na cara que o criminoso foge assim que põe o pé para fora do xadrez; não vai esperar em casa, direitinho, que a epidemia passe e aí voltar para a cadeia, como o Meritíssimo disse para fazer. Os criminosos não são tão idiotas quanto os juízes que mandam soltá-los. Resultado: o país vê um cidadão inocente ser preso por estar sentado num banco de praça pública e o bandido ser solto.
Se isso não é desmoralizar o estado de direito, a democracia e as instituições, o que seria?
Qual o respeito pela Justiça e pela autoridade pública se pode exigir das pessoas quando aberrações como essas passam a fazer parte da paisagem diária do Brasil? Os tribunais superiores sumiram. O Ministério Público, que neste preciso momento exige “apurações rigorosas” para descobrir quem está agindo “contra a democracia”, não dá um pio diante das arbitrariedades, da violência física e da violação da lei praticadas por autoridades. Não objeta à libertação de criminosos condenados. Também se ouve um imenso silêncio, de sua parte, diante da corrupção agressiva que foi criada junto com a baderna no combate à covid-19.
Sim, é isso mesmo — roubalheira. Já temos aí, com menos de dois meses de epidemia, o “Covidão”. É claro que temos. Queriam o quê? Para ficar num aspecto só, e não alongar a conversa, foi autorizado que as “autoridades locais” façam compras, assinem contratos e gastem com obras sem necessidade de concorrência pública. Se já era um perigo com concorrência, edital e tudo o mais, imaginem sem. Já está rolando ladroagem grossa nesse novo mercado que acaba de ser aberto com o vírus — respiradores, testes de contágio, construção de “hospitais de campanha”, propaganda do tipo “fique em casa”, e por aí afora. Enquanto durar a epidemia, e a desordem legal que a Justiça permitiu que fosse criada em consequência dela, os governadores e prefeitos vão continuar mandando, como jamais mandaram. Mais: ganharam uma espécie de alvará de grande arte da mídia para meter a mão no Erário, pois noticiar esse tipo de coisa é visto em muitas redações como “colaborar com o fim do confinamento” etc. etc. É claro que farão tudo o que puderem para prolongar pelo maior tempo possível essa situação. Não querem largar o osso. Ou você acredita que eles estejam realmente interessados em seu bem-estar?
aCABEI DE ENVIAR UM COMENTÁRIO E APARECEU UMA TELA DIZENDO QUE EU JÁ TINHA COMENTADO O ASSUNTO. QUERO VER O MEU COMENTÁRIO PUBLICADO.
Caro Guzzo, diante desta parafernália recorrente no Brasil, sou levado a pensar numa coisa: nossa última Constituição foi um muro que caiu para dentro. Com isso, ficamos presos nos seus entulhos, ou seja, as mazelas de sempre. Quero crer que se esse muro cai para fora, talvez tivesse libertado esta nação.
Excelente análise. Cadê o Aras que nada sobre essas arbitrariedades?
É tanta canalhice acontecendo ao mesmo tempo que eu nem sei em qual delas eu devo focar. De um modo geral, meu ceticismo político me leva a crer que o Brasil nunca mudará apenas elegendo um novo presidente, mas sim quando um novo sistema for implantado, onde a lei se atenha a defender os direitos naturais de todo indivíduo (vida, liberdade e propriedade). Enquanto ela for usada como espólio legalizado o Brasil não mudará.
…Desenterrando a história e lembrando de propósito a frase: “SÓ PRA INGLÊS VER”: Estamos cada vez mais aceitando a extrema unção desta pseudo-democracia que aí está e a destruição do combalido e forjado estado democrático de direito… aqui as leis são feitas “SÓ PRA INGLÊS VER”…ou seja, excluíram o direito do povo e impuseram o direito do estado…
Perfeitíssimo! Hoje não vivemos na democracia. Vivemos na politicocracia. Criei a palavra para dizer que politicocraCIA É O GOVERNO DOS POLÍTICOS. PELOS POLITICOS, PARA OS POLITICOS.
“Os criminosos não são tão idiotas quanto os juízes que mandam soltá-los”
E eu acrescento que os juízes são tão ou mais criminosos que os bandidos que estão sendo soltos.
É mais um texto a se refletir. Ótima colocação mestre!
O mais angustiante sentimento que nos toma ao percebermo-nos plateia e figurantes dessa tragédia institucional é o sentimento de impotência. Indignação, revolta, medo, raiva, desesperança não encontram acolhida no arcabouço institucional deformado que nos cerca, e cerceia. Não há qualquer gesto de consideração com o cidadão de bem, trabalhador e cumpridor da lei. Por isso, não tenho como criticar quem implora por uma intervenção federal nos estados, militar ou civil. Nosso país, nossos empregos, nossos direitos e liberdades, nosso futuro, enfim, são gravemente ameaçados por aqueles que elegemos ou que foram nomeados para defendê-los. É assim que estamos. Sozinhos e impotentes. O povo reconhece no Presidente seu único aliado. Gostem ou não dele, quem tem sintonia com o povo sabe que isso é verdade e que uma reação popular mais violenta pode ebulir a qualquer momento; e ela será legítima.
O Brasil acabou Guzzo, agora é cada um por si e Deus, se existir para todos. Acabou.
Excelente texto, como sempre.
É uma vergonha o que estão fazendo com o Brasil, sob o pretexto de “preservação de vidas”(?); colocaram medo na população e estão deitando e rolando com o dinheiro público. Definitivamente, o Brasil não é para amadores como nós, pagadores dessa farra toda. Até quando?
Faltou citar a omissão da polícia federal e do Deus que vocês jornalistas tem medo criticar chamado Sérgio Moro. Ambos, com a ajuda da mídia, inclusive da Oeste, estão acobertando e silenciando acerca dos roubos do dinheiro do covid e dos desrespeitos aos direitos humanos de quem quer ganhar o pão para alimentar a família
Desculpe, prezado Francisco. Dizer que ambos, com a ajuda da mídia, inclusive a Oeste, estão acobertando e silenciando (…)? Acho que você não leu o artigo ou não entendeu nada do que foi escrito. Leia novamente, por favor.
Quanto mais tempo vivo, mais me envergonho do país em que nasci. Tive fé na esquerda, e caí do cavalo. Até ontem, ainda acreditei em Bolsonaro, mesmo aflita com as bobagens que fazia dia após dia. Mas ontem, ao vê-lo mentir para denegrir a imagem de um homem que lutou tanto para fazer do país um lugar melhor, foi a gota d’água. Não temos justiça, não temos legislativo nem executivo, apenas um aglomerado de rústicos querendo se fazer. O STF combina com este Brasil.
Bolsonaro foi, que eu saiba, o único que falou contra os excessos de governadores e do STF. Não me lembro de Moro ter dito algo contra isso.
Caro Guzzo, sou brasileiro. mas radicado nos E.U.A. há mais de 20 anos, Tenho dois diplomas universitários, um no Brasil, outro aqui. Desde que vim pra cá, não pelas mesmas razões que a grande maioria dos que para cá imigraram, jamais deixei de me preocupar com o destino do meu país natal. Embora com dupla cidadania, antes de tudo sou brasileiro e serei até o fim. Nesses últimos 20 anos vi o Brasil sob o domínio socialista/comunista, com essa corja toda impune à roubalheira generalizada. Com a mudança para um governo que poderia nos levar para o bom caminho, me desespero ao ver que tudo pode voltar ao que era antes.
Ontem, conversando com minha filha, a qual enviei para cá há 22 anos atrás e que aqui criou raizes e me deu dois netos, ouvi-a perguntar: “Pai, por que você se preocupa tanto com o Brasil? O seu país agora é aqui. É aqui que você construiu uma nova vida. É aqui que você se aposentou e recebe mais de trêz vezes o que receberia no Brasil. É aqui que a sua família está. Esqueça o Brasil, ele não tem jeito.
É com um sentimento de impotência, de revolta, de frustração, que começo a achar que ela tem razão.
Também não consigo dizer quase nada. Estou estupefato com o desenrolar dessa loucura que tomou conta do país e também do mundo. Será que a tecnologia nos ensandeceu? Enquanto isso, os espertos da hora se locupletam com nosso dinheiro arrancado pelos impostos exorbitantes o qual cairá direto no bolso desses bandidos protegidos pelo Supremo Tribunal Federal. Valha-nos, Deus!
Minha indignação é tanta, que não consigo dizer nada! As palavras adequadas não saem!
Infelizmente é isso que está acontecendo…. no momento não vejo alternativa se não aguardar a boa vontade destes políticos para voltar a trabalhar. Se alguém tiver uma alternativa melhor, por favor , avise!!!
Guzzo , você consegue expressar com nitidez o que se passa neste país, que cada vez mais sinto que isso aqui jamais será um país de verdade. Sou filho de imigrantes que fugiram da Europa logo após a 1° guerra, aqui se fizeram é desde sempre ficaram abismados com as coisas erradas que aconteciam. Nasci, cresci , casei, tive filhos e netos e vou morrer aqui , sem nunca ter aquele sentimento de que esse país possa ser um país de gente honesta em todos os sentidos. Meus filhos sempre me criticaram por ser “reclamão” das mazelas cometidas, hoje eles sentem a mesma decepção que eu, e meus netos idem. Quando isso vai ter um fim se está cada vez pior? Pobre Brasil de gente má!
Meu amigo, desculpe, mas aqui não é “pobre Brasil de gente má” não. É um País rico, com diversidade ímpar. Acolheu milhares de imigrantes como você. Aqui não é Europa, aqui não é EUA, aqui é uma outra experiência coletiva. O Brasil, com jovem e atraente Democracia, está em jornada segura para maior prosperidade e amadurecimento como nação.
Fumou o que hoje parceiro????
Excelente. Dentro desse mesmo contexto, fiquei estupefato ao ver um vídeo em que a petista governadora do RN disse que iria contratar artistas populares com essa grana do Covid 19 para fazerem lives durante a quarentena. Interessante é constatar que esses artistas já faziam isso de graça, solidarizando-se com os cidadãos trancafiados em casa. Imaginem quantos desvios teremos por esse Brasilsão.
Isso mesmo o único que se insurgiu contra tudo isto foi o presidente , por isso o povo o entende e vice-versa. Muito boa Matéria.
Perfeito, Guzzo. Como sempre.
Acredito que esse artigo já estivesse “no forno” antes de tudo o que aconteceu. Agora, aguardo sua apreciação da saída do Moro.
Abraço!
Muito boa a reportagem.
Depois reclamam que o povo vai pras ruas e escolhe uma porta pra bater pedindo socorro.
Claro q não creio q estão preocupados conosco. Eu estou procupada com o país. Tudo errado, cleptocracia a todo vapor. Os militares covardemente limpando carros ou seus cavalos. Porque nasci no Brasil?
Parabéns. Excelente análise