Desde que deixou seu trabalho tradicional na Microsoft há treze anos, Bill Gates, que já deteve o título de o homem mais rico do mundo, sem dúvida intensificou sua atividade filantrópica. Foi relatado que ele doou quase US$ 50 bilhões para a caridade desde 1994, incluindo sua própria Fundação Bill e Melinda Gates. Mas ele não está mais se contentando apenas em injetar parte de sua riqueza em causas nobres. Gates também quer compartilhar sua sabedoria. E eis o carro-chefe desse movimento: o recém-lançado livro How to Avoid a Climate Disaster — The Solutions We Have and the Breakthroughs We Need (“Como Evitar um Desastre Climático — As Soluções Que Temos e as Inovações de Que Precisamos”) — a contribuição prática de Bill Gates para a causa ambiental.
O que distingue essa obra dos muitos outros esforços do gênero “vamos salvar o planeta” é sua abordagem surpreendente prática, até otimista, para o apocalipse. Claro, de acordo com o autor, nós, como espécie, ainda olhamos para “O Fim” como um fim distante, daqui a 5 bilhões de anos, quando o Sol se transformar numa estrela gigante vermelha e passar a incinerar tudo o que estiver pela frente. Entretanto, muito antes disso, “temos todas as razões para acreditar que em algum momento o impacto [da mudança climática] será catastrófico”, escreve Gates. E, sim, o bilionário afirma que, a menos que os 51 bilhões de toneladas anuais de emissões de gases de efeito estufa sejam reduzidos para zero até 2050, o Armagedom recairá sobre nós. Ele até lista os já conhecidos efeitos “em cascata” do aquecimento de apenas 1 ou 2 graus do nosso planeta — desde os aumentos do nível do mar e da desertificação até as migrações em massa e o empobrecimento brutal. Mas ele não se regozija com os horrores que estão por vir, nem bate na cabeça de ninguém com sua versão sustentável do Dia do Juízo Final. Gates lida com isso como um encanador diante de um vazamento num cano de esgoto: como um problema desagradável a ser solucionado, em vez de um sinal dos pecados do dono da casa.
Isso significa que a atitude de Bill Gates em relação à mudança climática é muito diferente, digamos, da do movimento Extinction Rebellion ou até de Greta Thunberg. Ele é pragmático, e chega a ser enfadonho. E o motivo é porque enquadra a mudança climática como um problema tecnológico, para o qual precisamos buscar soluções tecnológicas. Gates quer encontrar uma forma de manter e aumentar os níveis de produção e consumo de energia, só que sem combustíveis fósseis. E faz isso parecer um bocado simples. “Já temos algumas das ferramentas de que precisamos”, ele escreve. “E, quanto àquelas que ainda não temos, tudo o que aprendi sobre clima e tecnologia me deixa otimista quanto a podermos inventá-las, usá-las e, se agirmos rápido o bastante, evitar uma catástrofe climática”. Bill Gates é, ele mesmo admite, “otimista quando se trata de tecnologia”.
E esse otimismo muitas vezes brilha por meio de sua prosa leve, enquanto faz de seu argumento central a meta de carbono zero com a eletrificação de vastas áreas da nossa infraestrutura fundamental. Seu foco é menos as fontes renováveis, para as quais a “intermitência” continua sendo uma deficiência problemática, e mais a energia geotérmica, o hidrogênio e a energia nuclear (não só a fissão, mas a fusão também). “Nenhuma outra fonte de energia limpa chega perto do que a energia nuclear já oferece hoje”, ele afirma. “E é difícil prever um futuro em que vamos descarbonizar nossa rede elétrica de maneira acessível sem usar mais energia nuclear.” Aliás, Gates propõe um foco renovado em “fazer avançar o campo da energia nuclear”, acrescentando: “É promissor demais para ignorar”.
Ele também ataca o pessimismo daqueles cuja única solução é reduzir o tamanho da população ou limitar o consumo de energia. Então, escrevendo sobre os que erroneamente advertiram nos anos 1960 que o planeta logo seria incapaz de manter sua população em crescimento, ele comenta: “O que [Paul] Ehrlich [autor de The Population Bomb] e os demais pessimistas não captaram? Eles não consideraram o poder da inovação. Não levaram em conta, por exemplo, pessoas como Norman Borlaug, o brilhante engenheiro-agrônomo que deu início a uma revolução na agricultura”.
A riqueza paga ao vício um tributo pela virtude ecológica
Mesmo assim, apesar da fé otimista de Gates no “poder da inovação”, é fácil ver por que alguns podem considerar How to Avoid a Climate Disaster um pouco difícil de digerir. Para começar, existe a hipocrisia de um homem tardiamente associando-se à moda do ataque aos combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que vai de um compromisso a outro em seu jato particular. Ele diz que planeja usar “combustível de aviação sustentável” e “vai compensar completamente as emissões de aviação da família em 2021” — essas não são as palavras de um homem disposto a trilhar o caminho do carbono zero. São uma admissão de dois pesos e duas medidas — o tributo que o vício da riqueza paga à sinalização da virtude ecológica.
Mas, principalmente, a intervenção de Bill Gates incomodará boa parte da classe média de esquerda que abraçou a mudança climática como um veículo de mudança política, que a evocou como uma acusação da modernidade, do pecado original da Revolução Industrial até o mal do capitalismo em si. Onde estão os discursos inflamados do autor contra o “consumismo” ou o “materialismo”? Onde estão os ataques ao “mito do progresso”? Ou a panfletagem contra os “contos de fadas do crescimento econômico”? Não estão em Climate Disaster. Gates está muito ocupado falando sobre nossa “infraestrutura física”, seja o aço, as redes elétricas ou o transporte. “Devíamos ficar felizes que cada vez mais pessoas e produtos estejam se movendo de um lugar para o outro”, ele escreve. E acrescenta que a mobilidade é uma “forma de liberdade pessoal”. Poderia muito bem ir de jato particular a uma reunião da Extinction Rebellion só para atear fogo aos próprios puns.
O ambientalismo fora do roteiro de Bill Gates, livre da retórica de “decrescimento” e das platitudes do anticapitalismo, está longe de ser uma surpresa. Como um empreendedor bilionário, cuja fortuna foi construída tanto por direitos de propriedade de softwares (“licenciamentos”) quanto pela computação, ele com certeza não tem problemas com o capitalismo. Ou nenhuma forma de capitalismo que, em termos da sua transição verde planejada, um pouco mais de intervenção do Estado, de uma ecorregulação ali para um tributo sobre o carbono aqui, não resolveria. Aliás, a mudança climática é quase uma oportunidade de negócio. É por isso que trechos de Climate Disaster parecem um portfólio de investimento, na medida em que ele casualmente lança nomes de empresas de tecnologia verde em que investiu como soluções em potencial para a catástrofe que se aproxima. No seu pior momento, o livro se torna uma reportagem publicitária sem estilo: “Sou investidor de duas empresas que têm produtos à base de carne de origem vegetal no mercado neste momento, Beyond Meat e Impossible Foods. Então, sou suspeito. Mas preciso dizer que a carne artificial é bem boa”. É Fazenda de Frango Falso do Coronel Gates chegando a um shopping center movido a bateria perto de você.
Mas é isso, de diversas formas, que Climate Disaster é: uma visão do futuro capitalista verde. Nela, governos tecnocráticos famosos por sua sensatez, “guiados pela ciência — na verdade, por muitas ciências diferentes” —, vão acenar, incentivar e até forçar “a economia global [em sua] transição para o carbono zero”. E Gates, junto com boa parte do grupo de Davos, está felicíssimo em fazer sua parte. “Espero dedicar boa parte de meu tempo em 2021 conversando com líderes do mundo todo”, ele escreve no posfácio.
E isso é muito revelador. Apesar das muitas desilusões do radicalismo dos ecologistas, Gates mais uma vez demonstra como “a batalha contra a mudança climática” não apenas é totalmente compatível com o capitalismo do século 21. É também, em seu cerne, um projeto tecnocrata totalmente elitizado.
Assim, apesar de o tecno-otimismo de Bill Gates ser preferível ao uber-miserabilismo de muitos ambientalistas tingidos com cânhamo, ele continua representando a colonização da política daqueles que acreditam saber o que é melhor para o resto de nós.
Leia também “Radicais do clima miram o Brasil”
Tim Black é colunista da Spiked.
Mais um do faça o que eu digo, não faça o que eu faço.
Sinceramente, está aí uma pessoa sobre a qual eu não tenho opinião formada : Bill Gates! Oscilo entre achá-lo um convertido ao Capitalismo monopolista a pensar nele como um convertido à filantropia, por enxergar as limitações terrenas a seu poder, intelecto e glória.
Esses defensores de Bill Gates deveriam vender seus bens e doar todo o dinheiro para a fundação dele. Assim estariam contribuindo para a “causa do clima”. Obtusos.
Apoiado, Robson. Concordo contigo. Acreditar em mudanças climáticas… me poupe!
Tudo bem, cada um com suas opiniões, a pluralidade de opiniões como alimento de debates, nada contra, já li até Marx, a quem abomino.
Mas quanto a Tim, não foi só “opinião”. Foi um ataque mentiroso de alguém que publicou isto exatamente na Spiked por ser ela um veículo que desconfia de aquecimento global e desconfia TAMBÉM de nações do OESTE (do Leste não??)
Abaixo extrato da Wikipedia sobre a revista.
The magazine was founded in 2000 after the bankruptcy of its predecessor, the Revolutionary Communist Party’s Living Marxism
A particular Spiked target has been what they see as “exaggerated” and “hysterical” interpretations of the scientific consensus on global warming, and what they argue are double standards advocated by more advanced Western nations for self-serving reasons.
Tudo bem, cada um acredita no que quer, negar aquecimento global não é crime, ter “problemas” com nações do Oeste também não (do Leste, gente fina), mas escrever texto atacando Bill, Gates, infundadamente, é pura desonestidade Intelectual.
Salvador, eu ainda não li o livro, mas compartilho de sua opinião positiva sobre Bill Gates (só lamento ser ele um Globalista). De qualquer forma, penso que este artigo realçou sim um lado positivo de Bill Gates… o articulista deu apenas pinceladas sobre as coisas ruins que se falam de Bill Gates
Ridícula e tendeciosa análise. Digo isto porque eu já li o livro, não por “opinião”.
Um texto raivoso e mentiroso pois usa até um ataque infundado:
“Hipocrisia de um homem tardiamente associando-se à moda do ataque aos combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que vai de um compromisso a outro em seu jato particular. Ele diz que planeja usar “combustível de aviação sustentável”
No livro Bill, pág 14, ; In 2020,
I started buying sustainable jet fuel and will fully offset my family’s aviation emissions in 2021. The average retail price for a gallon of jet fuel in the United States over the past few years is $2.22. Advanced biofuels for jets, to the extent they’re available, cost on average $5.35 per gallon.
Ademais, Bill faz uma análise madura, racional, não extremista e positiva, procurando SOLUÇÕES técnicas para um problema eminentemente TÉCNICO, razão para este idiota chamá-lo de esquerdista com um projeto tecnocrata elitizado, por alguém que acredita saber o que é melhor para nós. Isto sobre um homem que já doou 50 bilhões para causas humanitárias e está à procura de soluções capitalistas para soluções desta questão específica. Ridículo é pouco.
Perfeito. Texto ambíguo e enviezado.
A produção,industrialização,e comercialização de todas as espécies de cânhamo, para os mais diversos fins utilizaveis, poderá ser meio fundamental à real ocorrência da idealista “revolução verde” de Gates e de súcias adjacentes ao dito cujo. Máxime, a libertação do semiárido mundial da miserabilização crônica. Quiçá, quebra da hegemonia de “ambientalistas tingidos de cânhamo” na extrovenga cognominada “uber-miserabilismo”. ” OS RICOS FAZEM TUDO PELOS POBRES. DESDE QUE NAO SAIAM DAS COSTAS DELES”. ( Tolstoi).
Tim escreve com a isenção lúcida de quem conhece sobre o tema e rejeita clichês e extremismos.
Parabéns!