Os salvadorenhos elegeram (em 2019) o mais jovem presidente do mundo. Seu nome é Nayib Bukele. Tem 39 anos e, quando coloca o boné de rapper voltado para trás, parece ainda mais novo. É também o mais popular: seus níveis de aprovação chegaram a 93%. E não caíram muito mais do que isso.
Bukele está mudando rapidamente o país, tristemente célebre pela miséria e violência. Já atraiu hostilidade simultânea de parte da imprensa tradicional, de órgãos de defesa dos direitos humanos e do ditador Nicolás Maduro. A situação atual de El Salvador tem alguns paralelos com a atual realidade brasileira.
O país é menor que o Estado de Sergipe, com 6,7 milhões de habitantes. Entre 1931 e 1979, foi governado por ditadores. A partir do final da década de 1970, as coisas pioraram: além da truculência e corrupção dos militares (ligados aos oligarcas), El Salvador enfrentou a guerrilha comunista da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, ou FMLN. Que em 1989 chegou perto de tomar o poder pelas armas.
Três anos depois, um acordo patrocinado pela ONU colocou os guerrilheiros na legalidade e tirou os militares do poder. Os anos de guerra civil atraíram grande quantidade de armas para um país tão pequeno. E essas armas alimentaram as gangues criminosas conhecidas como “maras”. As mais perigosas são a Mara Salvatrucha (MS-13) e a 18th Street Gang. O panorama para os salvadorenhos era de absoluta estagnação e desesperança. Dois partidos esclerosados dominaram o cenário por 30 anos — os esquerdistas da FMLN e os direitistas da Arena.
Até que surgiu a terceira opção. Nayib Armando Bukele Ortez nasceu em 1981 e é, portanto, o primeiro chefe de governo da geração millennial. Seu pai é um muçulmano originário da antiga Palestina, que emigrou para El Salvador no começo do século 20. A mãe é católica. Aos 18 anos, Nayib abriu uma discoteca e depois teve rápida ascensão em agências publicitárias.
Bukele fazia as campanhas publicitárias da coalizão esquerdista FMLN. Em 2012, foi eleito pelo partido para prefeito da cidadezinha de Nuevo Cuscatlán. Sua boa administração foi reconhecida: em 2015 virou prefeito da capital do país, San Salvador. A essa altura, Bukele já estava antenado com as novas tendências do século 21. Seu conceito de política não cabia mais na rigidez ideológica da FMLN.
Em 2017, Bukele anunciou a formação do partido Novas Ideias e concorreu à Presidência da República. Seu lema principal: “Existe dinheiro suficiente se ninguém roubar”. Dos quatro presidentes que o antecederam, três haviam sido presos ou fugiram por acusações de corrupção.
Aderiu entusiasmado às redes sociais. “Durante a campanha”, contou Bukele num simpósio em Doha, “minha mulher [Gabriela] estava grávida e corria o perigo de sofrer um aborto. Fiquei ao lado dela assistindo a filmes e séries na Netflix. Meus adversários faziam campanha na rua. Chegavam de helicóptero a uma cidade e reuniam 500 pessoas. Eu postava uma foto com mensagem no Facebook, no Twitter e no Instagram. Alcançava 300 mil pessoas enquanto assistia a séries.” Algum tempo depois nascia a filha Layla.
“Não é uma questão ideológica admitir que os mercados são melhores que o governo”
Cansada da velha ordem política, a população o elegeu no primeiro turno, enterrando três décadas de bipartidarismo. Considerado um esquerdista radical quando era prefeito de Nuevo Cuscatlán, Bukele tomou atitudes surpreendentes. Aproximou-se dos Estados Unidos durante o governo de Donald Trump. Tornou-se um adepto entusiasmado da economia de mercado. Chamou de ditadores os dirigentes da Venezuela (Nicolás Maduro), da Nicarágua (Daniel Ortega) e de Honduras (Juan Orlando Hernández).
Num congresso comunista em Havana, Maduro acusou o presidente salvadorenho de “mequetrefe, traidor e lacaio do imperialismo”. Bukele respondeu num tuíte: “Mais respeito, senhor Maduro, você está falando de um presidente eleito democraticamente. Ao contrário de você, nove em cada dez pessoas aprovam meu governo. E em El Salvador, que não se localiza sobre mares de petróleo, um rolo de papel higiênico não nos custa o salário de um mês”. Em novembro de 2019, o governo salvadorenho expulsou a representação diplomática bolivariana e reconheceu Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela.
Em entrevista no Conselho das Américas, em Washington, Bukele declarou que contava com o mercado internacional para tirar o país do atraso. “A economia globalizada deixa qualquer política estatal muito pequena. Não é uma questão ideológica admitir que os mercados são melhores que o governo. O mercado global é um bilhão de vezes maior que nossa economia inteira”. Para ele, políticos que se apegam ao papel do Estado “não conseguem fazer matemática com retórica”.
Quando detectou um súbito aumento nos níveis de criminalidade, Bukele fez um desafio direto às duas principais gangues. Anunciou que elas deveriam acabar com a onda de crimes ou ele decretaria estado de emergência total, com direito ao uso de força letal. “Parem de matar já. Se não pararem, os primeiros que vão sofrer serão seus companheiros que estão no cárcere.” E contra-atacou as gangues: convocou as Forças Armadas e acabou com a separação que havia nos presídios entre grupos rivais. As imagens de marginais em fila sendo enquadrados com dureza nas penitenciárias virou hit, com 3,6 milhões de visualizações. Os níveis de criminalidade caíram 60%.
Em fevereiro de 2020, Nayib Bukele protagonizou seu pior momento até agora: como o Congresso não liberava um pacote anticrime, entrou no plenário acompanhado de soldados armados para pressionar os deputados. Foi seu gesto mais explicitamente autoritário. A imagem da tropa no Parlamento justificou o início de uma campanha internacional contra ele. Mas o apoio popular não se abalou.
Quando a Corte Suprema de Justicia (o STF salvadorenho) anulou suas iniciativas para enfrentar a pandemia, Bukele respondeu: “É um grupinho que fica tomando suquinho e digitando ‘Bukele é um ditador’. Se eu fosse ditador, teria mandado fuzilar os juízes, ou algo assim. Salvaria mil vidas em troca dos cinco. Mas não sou ditador”.
No fim de fevereiro deste ano, poucos dias antes das eleições legislativas, os rivais Arena e FLMN se uniram para requisitar uma avaliação médica da capacidade mental do presidente e assim tentar tirá-lo do poder. A resposta veio pelas urnas: o governo ganhou 61 das 84 cadeiras da assembleia — 72% do total. A outrora poderosa Arena ficou com 14 deputados. Os comunistas da FMLN elegeram quatro. A velha política de El Salvador desabou de vez.
Um bom retrato pessoal de Nayib Bukele não está na CNN ou na BBC, mas no podcast mexicano En Cortinas. O presidente aparece de jaqueta e jeans em quase uma hora e meia de conversa relaxada com direito a high fives com os entrevistadores. Trata de assuntos como as melhores praias de surfe do país, a legalização da marijuana e o conceito de Deus. É chamado pelos entrevistadores de “o presidente mais cool do mundo”.
Na entrevista, Bukele revela sua grande admiração por Steve Jobs. Sonha com um dia em que El Salvador produza mais chips de computador do que café. Define a nova realidade da mídia: “Antes a gente se informava pelo noticiário. A emissora de TV e o jornal decidiam o que você iria saber. A comunicação passou a ser bidirecional. A coletiva de imprensa, o discurso nas Nações Unidas já não têm mais a relevância que tinham. O canal de YouTube de vocês deve ter mais audiência que a Televisa”, diz ele, referindo-se à equivalente mexicana da Rede Globo. O vídeo com a entrevista já chegou a 5 milhões de visualizações.
Bukele não recebe salário. Diz que já tem dinheiro suficiente, e que virou presidente pela chance de melhorar seu país. “Tenho certeza que quando Neil Armstrong colocou o pé na Lua não estava pensando em salário”. E o futuro? A legislação salvadorenha não permite reeleição. “Vou ser ex-presidente aos 42 anos”, constata. “Se tivesse 70 anos, escreveria minhas memórias. Mas com 42? Não sei o que vou fazer.”
Será Nayib Bukele um tirano disfarçado de jovem moderninho? Ou estará apenas ansioso para colocar seu país no rumo de um modelo político adequado ao século 21? Será um menino mimado com mania de grandeza? Ou enfrenta na imprensa internacional o delírio que o colunista Guilherme Fiuza descreve como “fascismo imaginário”? Quem é o verdadeiro Bukele?
Recentemente o presidente reagiu a uma acusação do site de esquerda El Faro de que estaria negociando secretamente com as gangues para fazer o nível de violência cair. Bukele reagiu anunciando uma investigação sobre lavagem de dinheiro no site. E deixou de convidar alguns órgãos mais hostis para suas entrevistas. Foi o bastante para ser enquadrado como autoritário pela administração Joe Biden, por órgãos da imprensa tradicional e ONGs “progressistas”. “Onde está o ataque à imprensa?”, perguntou o presidente numa dessas coletivas. “Quem tirou o direito de vocês publicarem? Voltem às suas redações e escrevam o que quiserem.”
Uma das mais precisas avaliações de Nayib Bukele partiu de onde menos se esperava: de seu próprio vice-presidente, Felix Ulloa, em entrevista ao The New York Times. “O presidente tem tido algumas explosões, mas elas devem ser entendidas como erros e não como uma tendência, uma atitude, o nascimento de uma nova ditadura. Nós seremos capazes de avaliar o verdadeiro caráter deste governo, se for democrático e servir aos interesses do povo salvadorenho. Se acontecer de o presidente tornar-se, como se tem falado, um autoritário que quer concentrar o poder e impor um modelo antidemocrático, isso também virá à luz”.
Ele que se cuide. quando sair do poder vão persegui-lo juntamente com a sua familia. Fazer o certo desperta o ódio de onde seria inimaginável! E se for se ferrar, vai se ferrar sozinho, porque ninguém irá protege-lo.
Conheci Bukele quando ele veio para Curitiba logo que foi eleito como prefeito de Nuevo Cuscatlan, porque tenho um amigo salvadorenho que o conhece. Ele falou para o Bukele vir pra cá pra ter umas ideias de urbanização para fazer por lá. As intenções dele são as melhores, não quer dar golpe nenhum e trabalha muito para que El Salvador seja um país que o seu povo queira viver nele e não ir embora. O problema é que ele não conseguia governar por conta da esquerda guerrilheira que ocupava o congresso e nunca fizeram nada pelo país.
Está aí, gostei dele. Bem que nosso presidente poderia plagia-lo.
Se a esquerda e os bandidos (no caso do Brasil é quase uma redundância), além da imprensa, não gostam do Presidente de El Salvador, é sinal que ele está no caminho correto.
Será que esse jovem se interessaria em uma cidadania brasileira?
Excelente artigo.
Se a imprensa e a esquerda não gostam, posso concluir que esse cara é bom.
A leitura da Oeste é um bálsamo.
É bom saber que existe Nayib Bukele.
Oeste mais uma vez mostrando o que nenhuma fonte de informação brasileira mostra. Parabéns.
Como sempre, muito bacana sua prospecção d temas originais, Dagomir! Vc é um abridor d janelas mentais
Qualquer coisa que faça esse país,El Salvador,sair da rotina das ultimas décadas,só pode ser positiva…Portanto,o simples motivo desse jovem presidente, ser de uma agremiação,diferente, das duas tradicionais,Arena e FMLN,já é um avanço…Como diz o palhaço brasileiro…”pior não fica”…
Não sabia da existência desse Bukele. Fico com o pé atrás em relação a quem pouco conheço, mas é dar tempo ao tempo. El Salvador nunca foi nada, um país sem relevância alguma sob o comando dos dois partidos citados no artigo. Agora sob o comando de Bukele, é analisar ao final de sua gestão os acertos e os erros, e verificar se El Salvador conseguiu progredir sob sua administração.
Chego a conclusão que há esperança de melhorarmos! Bolnsonaro deveria conversar com Bukele!
Bukele 2022!