Em maio do ano passado, desde que as restrições de vida passaram a ser mais severas por causa da pandemia, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), tirou da cartola uma medida que avaliava ser a saída mágica para evitar um lockdown na maior cidade do Brasil: ampliar o rodízio de carros nas ruas. “Momentos extremos exigem medidas extremas”, afirmou Covas na época. Pela lógica da equipe que o assessora, ao liberar placas com final par ou ímpar para rodar somente em dias específicos da semana — inclusive nos sábados e domingos —, a maioria dos 12 milhões de paulistanos e todos os que se deslocam para a cidade a trabalho ficariam em casa. O resultado, contudo, foi desastroso, com a superlotação de vagões de trens, metrô e terminais de ônibus — o índice de isolamento subiu apenas 2 pontos e o fluxo nas plataformas cresceu 15%. Menos de uma semana depois, o prefeito recuou da ideia.
Não é preciso tanto esforço para compreender por que a experiência foi malsucedida: apesar do fechamento do comércio e de governadores e prefeitos empoderados pelo Judiciário para decidir o que é essencial ou não para a vida de cada cidadão, as pessoas buscam caminhos para a sobrevivência. E para uma massa significativa, e majoritariamente menos abastada, o transporte público é o único meio possível para se locomover.
A Revista Oeste percorreu linhas do metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) nesta semana e ouviu relatos de quem faz uso dos trilhos diariamente. Antes de exibir imagens de aglomerações que causam choque em qualquer entusiasta de lockdowns, eis alguns números do setor de transporte no Estado:
Aglomerações
O “distanciamento”, para usar a palavra da moda nos jornais, entre o pensamento dos tecnocratas que auxiliam políticos com mandato e a realidade de quem mora no cinturão metropolitano paulista, pôde ser flagrado logo no primeiro dia da chamada “fase emergencial” — iniciada em 15 de março, depois que se esgotou a paleta de cores do time de João Gabbardo, o chefe do gabinete da covid-19. Imagens flagradas nas estações mais movimentadas, como as da Linha 11-Coral da CPTM, que liga o Alto Tietê (Mogi das Cruzes, Poá e Suzano) à Luz, no centro, falam por si só.
Apesar das imagens de superlotação, oficialmente o governo paulista afirma que o fluxo de passageiros que utilizam o transporte público diariamente na região metropolitana foi reduzido em 62% após as últimas medidas. “O movimento era de mais de 10 milhões de pessoas, agora é de menos de 4 milhões”, anunciou o vice-governador Rodrigo Garcia, embora quem está do lado de fora do Palácio dos Bandeirantes não acredite.
O fato é que, se é real que o volume total tenha caído, como diz a gestão estadual (embora as fotos deixem dúvidas), há enorme movimentação em vagões e ônibus que percorrem determinadas regiões da cidade, como a Sé e o Anhangabaú, no centro, as periferias leste e sul e, principalmente, as artérias com municípios vizinhos. Só na capital paulista, são mais de 14.000 ônibus — pouco mais de 11.000 em operação por causa da pandemia, ainda assim a maior frota da América Latina. A redução dos ônibus, aliás, é um dilema também para os empresários do setor — a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) indica prejuízo de R$ 12 bilhões no país durante a pandemia devido à redução de receitas; afinal, 2.900 municípios têm serviços organizados de veículos.
Mas, sobretudo, resta a visão dos usuários. “Trabalho como estagiário desde o início da pandemia. Os ônibus sempre estiveram superlotados, mas até aí não existia o medo da infecção. Com as medidas de restrição, notei que, em vez de aumentar, o número de veículos diminuiu. Chego ao Terminal Capão Redondo [zona sul] e os ônibus estão parados. Eles esperam aglomerar um número de pessoas para só então liberá-los”, descreve o universitário Rodrigo Freires, que trabalha como redator web e cuja rotina diária se resume em pegar um ônibus da EMTU até a Linha Lilás do metrô e, em seguida, o trem da estação Estação Santo Amaro até Osasco, na região metropolitana — o caminho de volta é similar.
O quadro é o mesmo vivido pela jovem Laura Natsumi, de 20 anos, analista de sistemas numa empresa de hotelaria, que frequenta a linha 809H-10 de ônibus, com 61 paradas, majoritariamente na região da Lapa, zona oeste da capital. “Cada vez mais as pessoas vão se apertando lá dentro, muitas vezes tiram a máscara, deixam o nariz descoberto. Essa é a realidade. Além disso, dizem que fazem a limpeza de prevenção todos os dias, mas vejo o ônibus parando no terminal, os passageiros descem e logo em seguida a fila de pessoas já entra. Mas quem tem que trabalhar, infelizmente, não tem essa escolha”, diz.
Há mesmo dificuldade de higienização. Afinal, são centenas de bilheterias, corrimãos, barras de apoio, assentos e catracas. Alguns terminais da EMTU, que atendem 39 cidades, tiveram de recorrer ao apoio do Exército para efetuar a sanitização de terminais. No mês passado, o 2º Batalhão de Polícia do Exército higienizou a plataforma de Diadema e Santo André, no ABC paulista. Neste mês, continua a empreitada em São Bernardo e Ferrazópolis.
Depois de testemunhar o ir e vir de quem não pode ficar em casa, a reportagem se deparou com uma pequena loja de material elétrico com as portas arriadas na Pompeia, zona oeste da capital. Com olhar desconfiado, o proprietário não quis dar entrevista ao entregar na calçada o que parecia ser um simples chuveiro elétrico: “Vou ser multado se disser que estou atendendo um pouquinho para pagar o aluguel atrasado, né? Eles acham que aqui dentro da loja o vírus vai te pegar”.
Em tempo: nesta sexta-feira, 9, o governador João Doria deve anunciar a prorrogação das restrições ao funcionamento do comércio no maior Estado do país.
Lockdown e transporte público em São Paulo | Imagens: Redação Revista Oeste
Caro e brilhante Navarro, há algo que precisa ser analisado. Se as empresas de ônibus tiveram prejuízo, imagine se a ordem fosse colocar mais veículos à disposição da população (o que seria sensato para o pretendido distanciamento). Mais veículos e menos passageiros por carro. Claro que não! Esse pessoal é grande financiador de campanhas e consciências de governadores, prefeitos e, porque não, juízes! Olha barata ali! Pisa Gilmar, pisa!
Excelente artigo.
OTIMA MATERIA !!!!!
MOSTRA A REALIDADE DO LOCKDOWN DO DORIA.
Há muito São Paulo vem sendo dominado pela corja do PSDB, que é um PT de “black tie”, tanto no Estado como no Município, quando mudou, mudou para o maldad. Infelizmente estamos sempre sem opções e acabamos votando no menos pior, que é ruim pra KCT.
Ótima matéria !
Até que enfim uma matéria calcada na realidade. Silvio saiu da redação e enfrentou os fatos. João Doria e Bruno Covas não saem de suas torres de
marfim. No máximo, andam até o auditório das entrevistas diárias, louquinhos por uma câmera.
Corrigindo : ” frota ” do transporte.
Ao invés de aumentarem a fora do transporte público, eles a diminuem. Consequência : piora a aglomeração. Elementar, meu caro Watson. Não precisa ninguém ser entendido para constatar isto.
João Dória é um hipócrita.
O pior cego é o que não quer ver.
Excelente matéria.
Muito boa esta matéria e Silvio Navarro fez uma excelente análise do real dia a dia e comprovando o mal que esses governantes canalhas estão fazendo com o povo trabalhador.
Cadeia para os governadores e prefeitos, os verdadeiros genocidas.
Parabéns pela matéria.