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Edição 55

Os ovos das vacinas

Como os ovos embrionados usados na fabricação de imunizantes e toda a cadeia do agronegócio podem contribuir para acelerar a vacinação contra a covid

Evaristo de Miranda
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O agro brasileiro não deixou de produzir alimentos saudáveis, diversificados e em quantidade, tão essenciais à saúde dos brasileiros. Forneceu algodão para máscaras e roupas de proteção individual e álcool em gel. Agora será também uma peça fundamental no combate direto à epidemia de covid-19. De um lado, produtores começam a participar do fornecimento de matéria-prima para uma nova vacina do Butantan. Do outro, as indústrias de saúde animal também poderão rapidamente fabricar centenas de milhões de vacinas.

O Brasil produz 48 bilhões de ovos de galinha por ano, mas uma parte disso não é para consumo como alimento. Nos últimos 15 anos, ovos especiais são produzidos com alta tecnologia pelo agro como insumo para fabricação de diversas vacinas destinadas a humanos e animais.

Anualmente, de 60 milhões a 70 milhões de ovos embrionados são fornecidos pelo agro entre os meses de setembro e abril para produzir vacinas contra a influenza nas campanhas contra a gripe. Além desses, outros ovos também são matéria-prima para as vacinas contra a febre amarela, entre outras. Agora, esses ovos galados ajudarão no combate à covid-19.

Desde março de 2020, a empresa GloboBiotech, de Cascavel, no Paraná, produziu pequenos lotes de ovos embrionados para testes com a nova vacina do Instituto Butantan contra o coronavírus: a ButanVac. Ao contrário da CoronaVac, ela utiliza ovos embrionados para inoculação do vírus morto no processo de fabricação. Agora, em nova etapa, mais de 500 mil desses ovos férteis foram acrescentados à linha de produção diária da GloboBiotech para atender ao Butantan. Se tudo correr bem, cerca de 25 milhões de ovos embrionados serão destinados à produção da ButanVac.

Poucos imaginam a sofisticação tecnológica das granjas fornecedoras de ovos para laboratórios. Elas ficam em locais isolados e altamente protegidos da passagem de pessoas e veículos no meio rural. Só para chegar até as galinhas, dois banhos de higienização, com mudança de traje, são necessários aos técnicos e trabalhadores.

E não são quaisquer galinhas. As linhagens dessas aves provêm das melhores empresas de genética mundial. Elas são adaptadas a essa finalidade e com genética específica para a produção de ovos controlados. E são recriadas em aviários totalmente automatizados, com sistemas de climatização e rígido controle sanitário, inspecionados por órgãos do Ministério e das Secretarias Estaduais de Agricultura.

A capacidade de produção é de 200 milhões de doses de vacinas para humanos em 90 dias

A ração fornecida para esse tipo de ave é exclusiva. Existem fórmulas próprias de ração, em função da cepa viral a ser injetada nos ovos. A profilaxia das galinhas é total. Não pode haver nenhum resíduo de vacinação das aves no soro produzido. As rações são produzidas com os melhores ingredientes, com vitaminas e minerais balanceados, por fornecedores reconhecidos no mercado e previamente selecionados. Isso garante o teor nutricional específico e a qualidade para a produção dos ovos embrionados.

Todos os ovos devem ser galados. Para cada dez galinhas, existe um galo de serviço, especialmente selecionado para garantir os ovos fecundados. Dependendo do vírus inoculado no ovo, o embrião pode até morrer. Para garantir sua resistência, a alimentação adequada da galinha é decisiva. O transporte da ração é feito em caminhões próprios e exclusivos, diretamente das fábricas para as granjas. Todas as etapas de produção e todas as matérias-primas utilizadas são rastreáveis, para total segurança do processo.

As galinhas são criadas em granjas suspensas do chão com ambiente climatizado, oxigenação controlada e cuidados extremos de higiene e bem-estar, com garantias adicionais de sanidade absoluta. Os ninhos, as bandejas, e a coleta dos ovos são totalmente mecanizados, sem intervenção humana direta. Para se ter uma ideia, até a casa dos empregados é inspecionada. Eles não podem criar nenhuma ave, de espécie alguma.

A empresa conta com centros de incubação com rigoroso controle de produção, estrita biossegurança sanitária e boas práticas de fabricação. O pessoal, altamente qualificado, dedica-se exclusivamente a essa atividade. No incubatório, os ovos são selecionados por peso e tamanho. Essa central conta com toda a infraestrutura necessária para a inoculação direta dos antígenos que comporão a produção das vacinas.

Com 11 dias, os ovos embrionados e incubados são transportados para os laboratórios de produção de vacinas em caminhões exclusivos, desenvolvidos para essa finalidade. Com temperatura e umidade controladas, são verdadeiras máquinas incubadoras, conduzidas por profissionais treinados para garantir a segurança dos ovos até o seu destino no Butantan ou na Fiocruz.

Não apenas esses dois laboratórios públicos podem ajudar no combate à covid-19. A indústria de saúde animal brasileira produz vacinas de altíssima biossegurança, em quantidades muito expressivas. As indústrias de produção de vacinas para bovinos, suínos, equinos, cães, gatos e aves podem fabricar imunizantes. Três unidades industriais, em Minas Gerais e São Paulo, com nível de biossegurança NB+3, produzem anualmente, entre outras, milhões de vacinas contra o vírus da febre aftosa, tanto para o país como para a venda no exterior. Com o acesso à tecnologia do coronavírus inativado, essas indústrias poderiam em 90 dias produzir 200 milhões de doses de vacinas para humanos. Uma proposta do Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para a Saúde Animal foi entregue ao Senado Federal nesse sentido.

O Brasil exportou 1 milhão de toneladas de carne suína e mais de 2 milhões de toneladas de carne bovina em 2020. Essa exportação segue rigorosos protocolos internacionais, inclusive no tocante à vacinação, e atesta a seriedade e a qualidade no trato da saúde animal. As indústrias de saúde animal podem ser adaptadas rapidamente para fabricar vacinas contra a covid-19.

A imunização contra a covid não será resolvida rapidamente. Com o surgimento de novas variantes, talvez ela se torne um desafio crônico, como a influenza. O Brasil, a partir da indústria da saúde animal, pode produzir em poucos meses a vacina da covid-19. E garantir plataformas adicionais para se tornar rapidamente independente, com a produção dos insumos no país (IFA). A Anvisa pode agilizar protocolos e aspectos regulatórios para essa operacionalização. Cabe lembrar: os maiores laboratórios de saúde humana no mundo são também organizações de saúde animal. A União Química, candidata a produzir a vacina russa Sputnik V no Brasil, por exemplo, atua em saúde animal. E a indústria de saúde animal já possui cadeia do frio e de logística para levar as vacinas aos pontos mais remotos do Brasil rural.

A melhor resposta a quem defende os próprios interesses protecionistas apontando o dedo para supostos problemas causados pela atividade agropecuária nacional ainda é colocar a eficiência a serviço da população brasileira.

Leia também “A pecuária dá uma aula contra o desperdício”


Evaristo de Miranda é doutor em Ecologia e chefe-geral da Embrapa Territorial

28 comentários
  1. José Alberto Caliani
    José Alberto Caliani

    Excelente artigo, com propriedade de mestre. Descortinou nosso horizonte de consciência sobre o tema abordado. Bravo!

  2. Ricardo Villas
    Ricardo Villas

    Parabéns pelo importante artigo! Evaristo de Miranda é brilhante e o artigo é sensacional!

  3. Zander Navarro
    Zander Navarro

    A revista merece entusiásticos felicitações por duas razões principais. Primeiramente, por instituir uma seção sobre a economia agropecuária, setor que, concretamente, vem “salvando” a nossa economia há muitos anos. Os leitores precisam se informar muito mais a respeito da verdadeira revolução ora em curso nesse setor. Em segundo lugar, pelo convite ao Dr. Evaristo de Miranda para contribuir regularmente, pois estamos falando de um dos maiores conhecedores do setor. O artigo sobre as vacinas é uma prova inquestionável – quantos leitores saberiam sobre o que foi escrito acima em artigo tão fascinante? Meus parabéns à revista e ao autor!

  4. Gustavo Amaral
    Gustavo Amaral

    Sensacional artigo. Já era fã da revista. Reforçada com as colunas do Dr Evaristo de Miranda, ela se forna ainda mais atraente. Fundamental para o urbano conhecer melhor as peripécias do mundo rural. Ninguém melhor que este articulista para a tarefa. Parabéns pela visão.

  5. Roberto Castelo Branco
    Roberto Castelo Branco

    Excelente e esclarecedor artigo. A competitividade tecnológica do nosso Agro precisa ser enaltecida, principalmente por contribuições deste tipo. Ademais, o Evaristo Miranda descreve de forma lúcida e clara os diversos aspectos correlatos. Aguçam a curiosidade intelectual dos leitores que conseguem entender complexidades até então ignoradas. A Revista presta um importante serviço ao dar espaço a este tipo de informação.

  6. Rafael Macedo
    Rafael Macedo

    Isso que é tecnologia a serviço da sociedade.
    Matéria muito importante para se entender a força do agro e sua contribuição para superar a pandemia.
    Parabéns ao Dr. Evaristo!

  7. Natalia corniani
    Natalia corniani

    Parabéns Evaristo pelo texto claro e com informações relevantes. O agro brasileiro precisa de um articulador com sua didática e experiência para levar informações do campo para a cidade.

  8. Daniela Maciel
    Daniela Maciel

    Texto claro e fundamental para que conheçamos mais sobre nossa potente agricultura, as tecnologias que a impulsionam e a contribuição do setor para esta crise sanitária que, como registrado “Com o surgimento de novas variantes, talvez ela se torne um desafio crônico, como a influenza”.

  9. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Professor Evaristo, os franceses, holandeses, alemães e americanos conhecem a qualidade do chefe geral da Embrapa para respeitarem melhor o cientista brasileiro e desprezarem as ONGs. internacionais? Mais importante ainda seria convocar os ex ministros de relações exteriores de FHC, LULA e DILMA, que difamam o Brasil no exterior para dizer-lhes o tamanho das FAKEs. que propagam ao mundo. E o próprio FHC que ressuscitou para virar agitador de decadentes tucanos e assemelhados, e esqueceu o que escreveu em seus “diários da presidência”. Fui tucano desde a fundação do partido até meados de 2019 quando se revelaram os “mau caráter” que lá existem e que tudo fazer para destruir o governo federal e o pais.

  10. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Muito bom. Excelente artigo. Parabéns professor Evaristo.

    1. José Gilberto Jardine
      José Gilberto Jardine

      Excelente artigo. Muito esclarecedor, fundamentado em dados confiáveis. Espero que a revista publique outros artigos do Dr. Evaristo, um dos mais respeitados conhecedores da agricultura brasileira.

  11. Marcio Bambirra Santos
    Marcio Bambirra Santos

    Parabéns ilustre Professor. Seja bem vindo à Revista Oeste. Seu livro “Tons de Verde” é o melhor guia para entender os diferentes biomas do Brasil, e o papel do agronegócio.

  12. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    São coisas assim que nos fazem ter orgulho de ser brasileiros.

  13. Fernando Anthero
    Fernando Anthero

    Este é o Brasil que queremos e que nos enche de orgulho, infelizmente o jornalismo pequeno não nos informa sobre nossos acertos

    1. Helio Munemitsu Miyamura
      Helio Munemitsu Miyamura

      Excelente matéria professor Evaristo.. não sabia que o Brasil possui essa expertise…precisamos divulgar matéria tão relevante…Parabéns !!

  14. Valdenize Tiziani
    Valdenize Tiziani

    Muito relevante esta matéria! Obrigada! Precisamos difundir estas informações positivas.

  15. Claudio Haddad
    Claudio Haddad

    Evaristo, benvindo ao time da Oeste…Grande profissional, aumenta o gabarito da Revista e engrandece o Agro

  16. Antônio Cesar Bortoletto
    Antônio Cesar Bortoletto

    Seja bem vindo Dr. Evaristo muita satisfação em ter um colega embrapiano nessa revista que só melhora a cada seman

  17. Agnelo A. Borghi
    Agnelo A. Borghi

    Excelente. Confesso minha ignorância. Não sabia que o Brasil tinha essa expertise.

    1. Eládio Torret Rocha
      Eládio Torret Rocha

      Que ótima notícia, professor Evaristo. Esse Brasil tecnologicamente desenvolvido ainda não é suficientemente conhecido. Por isso a relevância de seu artigo. Seja bem-vindo, pois, à ótima Oeste.

  18. Dimas Gabriel
    Dimas Gabriel

    Dr. Evaristo
    Bem-vindo!

  19. Gustavo H R Costa
    Gustavo H R Costa

    Vivendo e aprendendo. Quanta informação desconhecida! Obrigado

  20. Mariana Villela Bin
    Mariana Villela Bin

    Interessante a matéria. Infelizmente o brasileiro ainda é muito leigo no que se refere à tecnologia e ao Agro nacional.

  21. Mario Jose Javarys
    Mario Jose Javarys

    Artigo muito bom, esclarecedor da produção e da capacidade do pais em relação as vacinas. Parabéns.

    1. Vanessa Días da Silva
      Vanessa Días da Silva

      Que matéria sensacional. Eu não tinha noção do quão avançado nós estamos nessa área.
      Temos de divulgar essas informações para acabar com a síndrome de vira-latas.

      1. Fernando Anthero
        Fernando Anthero

        Concordo com você Vanessa, chama a atenção que tais informações alentadoras não venham ao conhecimento da população através da ” mídia”

  22. Érico Borowsky
    Érico Borowsky

    Muito legal saber que o país já
    possui tecnologia de ponta nessa
    área.

    1. Lucíola Alves Magalhães
      Lucíola Alves Magalhães

      Que matéria interessante! Eu não tinha ideia disso! Obrigada por trazerem o agro para o nosso cotidiano. Sou geóloga e nossa área também tem grandes desafios em comunicar a sua relevância na vida de cada um. Com o agro não é diferente! Tenho orgulho de ser parte desses times!

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