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Foto: Montagem com fotos da Shutterstock
Edição 73

A propriedade privada é tão antiga quanto o Homo sapiens

A propensão a reconhecer que algumas pessoas têm uma relação particular com certas coisas ajudou os humanos a dominar a Terra

Leandro Narloch
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“O primeiro estelionatário do mundo”, escreveu a juíza Carolina Malta no Twitter, “foi aquele que apontou para um pedaço de terra e disse: ‘Esse terreno é meu. Quer comprar?’. Assim nasceu a propriedade privada.”

https://twitter.com/CarolinaMalta/status/1418198940873371648

Cada linha acima é um solavanco: a ideia de que a posse e o comércio são estelionato; o fato de a autora ser uma juíza – sim, uma juíza federal de Pernambuco parece não entender a importância da propriedade privada. Mas quero me concentrar no evento histórico, no “pecado original” que o comentário descreve: quem foi a primeira pessoa a se considerar dona de alguma coisa?

O tuíte da juíza é uma versão requentada do que disse Rousseau: “O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer ‘isto é meu’, e encontrou pessoas bastantes simples para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil”. Para o filósofo francês, essa é a origem de “crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores”.

Mas é provável que essa primeira pessoa nunca tenha existido. A noção de propriedade privada não surgiu num evento histórico, mas biológico — é tão antiga quanto a própria humanidade. A propensão a reconhecer que algumas pessoas têm uma relação particular com certas coisas já existia quando o Homo sapiens se distinguiu de outras espécies. É uma vantagem evolutiva que ajudou os humanos a dominar a Terra.

O economista Bart Wilson, que no ano passado lançou um grande livro sobre isso (The Property Species), acredita que a propriedade é um traço universal humano. Mesmo os índios mais coletivistas têm noções de propriedade privada — quem não concorda que tente arrancar o cocar do cacique dessa tribo para ver como ele vai reagir.

A propriedade é algo que surge naturalmente em sociedades

Professor de economia experimental, Wilson passou décadas em laboratórios tentando descobrir o que fazia seus voluntários se saírem melhor em jogos de bens comuns. Como garantir confiança entre as pessoas e engajá-las em relações vantajosas para todos? Descobriu que direitos de propriedade bem assegurados são requisito essencial para a cooperação.

“A propensão humana a organizar a relação com as coisas é essencial para a melhoria das condições econômicas e sociais. Nenhum outro animal jamais estendeu tanto sua expectativa de vida, diminuiu a taxa de mortalidade infantil ou conquistou para si uma vida mais saudável e confortável. Mas o Homo sapiens burgensis conseguiu, e a propriedade tornou possíveis essas conquistas.”

Não à toa, a propriedade é algo que surge naturalmente em sociedades; já sua extinção precisa ser imposta por algum ditador. Também não é por acaso que tentativas de acabar com a propriedade resultaram em tragédias. Mao acabou com fazendas privadas na China e criou fazendas coletivas; Mengistu fez o mesmo na Etiópia; e Fidel em Cuba. Resultado: as duas maiores crises de fome do século 20 e uma ilha faminta há 60 anos.

A causa de crimes e guerras não é exatamente a ideia de propriedade, mas a falta de direitos de propriedade bem estabelecidos. Por isso mesmo países precisam contar com uma Justiça ágil e eficiente que assegure esses direitos. Esse é um conceito básico do Direito, mas pelo jeito nem todos os juízes do Brasil conseguem entendê-lo.

Leia também “Uma coletânea das leis mais absurdas do Brasil”

20 comentários
  1. João Paulo
    João Paulo

    Excelente texto!
    Quanto ao comentário deplorável e patético desta concurseira sinalizadora de virtudes, é apenas um reflexo lamentável do atual estado que se encontra nossa sociedade e seus valores preponderantes.

  2. Carmo Augusto Vicentini
    Carmo Augusto Vicentini

    Desculpe, mas não é uma juíza. Não passa de uma militante comunista infiltrada numa instituição democrática, como preconizado por Gramsci e afins.

  3. AULER RAFAELLO FERNANDES COELHO
    AULER RAFAELLO FERNANDES COELHO

    Eis aí uma representante da casta que loteia o Estado como sua propriedade privada, criticando a propriedade dos outros. Mas basta apontar seu contra-cheque e seus “benefícios” como roubo estatal da propriedade do povo, para termos uma leoa defensora de privilégios privados – os seus, obviamente.
    A juventude mal estudada, mal lapidada, mal formada, e bem pensada por Gramsci se tornou adulta e chega aos quadros de poder.
    Tempos sombrios.

  4. Daniel
    Daniel

    A juíza que sente sobre um formigueiro para sentir se as formigas não irão defender sua propriedade.

  5. hamilton luiz langer
    hamilton luiz langer

    Só queria saber uma coisa: Quem é o paizinho desta juizinha?

  6. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    E eu que pensava que para ser juiz era necessário ser imparcial, justo e estudar muito. Errei em todos os quesitos. Como fui ingênua.

    1. João Paulo
      João Paulo

      Atualmente não temos mais servidores públicos competentes, eficientes e imparciais no que fazem.
      Apenas concurseiros que decoram exercício de bancas e que refletem suas imbecilidades no ofício que exercem após a aprovação. A galera perdeu totalmente o pudor e noção das coisas.

  7. Iury de Salvador e Lima
    Iury de Salvador e Lima

    Quando eu achei que estava na metade do texto, embalando, ele acabou!

  8. Alvaro Jorge Braga Mendes
    Alvaro Jorge Braga Mendes

    É curiosa essa observação rousseauniana de que ao cercar um pedaço de terra e definir a propriedade privada, ali começava a exploração do homem pelo homem. Um libertário diria o seguinte: ao cercar um pedaço de terra para exercer o seu trabalho, ali começa a legítima defesa do indivíduo contra o arbítrio de algum tipo de estado.

    1. Alysson Licoun Pinheiro Costa
      Alysson Licoun Pinheiro Costa

      Perfeito. Triste ver uma juíza que deveria julgar com imparcialidade (segundo a lei). Deveria, mas já sabemos em quais valores ela acredita. E justiça não é um deles.

  9. Arys
    Arys

    Este debate é muito interessante. O belga Foustel de Coulanges na sua obra “A cidade antiga” dispensa muito tempo a analisar o surgimento do instituto de propriedade privada. Quem tiver acesso, não deixe de ler.

    1. LUANA RUIS SILVA DE FIGUEIREDO
      LUANA RUIS SILVA DE FIGUEIREDO

      A sepultura havia estabelecido a união indissolúvel da família com a terra, isto é, a propriedade.
      Entre a maior parte das sociedades primitivas, foi pela religião que se estabeleceu o direito de propriedade. Na Bíblia, o Senhor diz a Abraão: “Sou o Eterno, que te fez sair da Ur dos caldeus, a fim de te dar este país.” – E a Moisés: “Eu vos farei entrar no país que jurei dar a Abraão, e que eu vos darei como herança.” – Assim Deus, proprietário primitivo por direito de criação, delegou ao homem sua propriedade sobre uma parte do solo.
      […] Por causa do altar irremovível e da sepultura permanente, a família tomou posse do solo; a terra, de certo modo, foi imbuída e penetrada pela religião do lar e dos antepassados. COULANGES, Numa-Denys Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 96

  10. João José Leal
    João José Leal

    Parabéns. Muito bom texto sobre uma questão fundamental.

  11. Romulo Alves Gomes
    Romulo Alves Gomes

    Espero que um dia o Boulos invada a casa dessa magistrada socialista caviar. Aposto que ela irá reagir.

  12. Lucas Scatulin Bocca
    Lucas Scatulin Bocca

    1 – Mendigos, que deixaram para trás toda sua vida “material”, possuem seus pertences (coisas velhas, tralhas e, por vezes, obtidas no lixo descartadas pelas pessoas “normais”) e brigam (às vezes até se matam) para defender os seus parcos, velhos e miseráveis utensílios.

    2 – Animais têm noção de propriedade: os cachorros sabem quais são “seus” pertences, inclusive, sabem distinguir os pertences entre eles (ex.: tijela de comida cada cachorro sabe qual é a sua).

    3 – a propriedade privada só existiu quando o homem passou a trabalhar a terra! Óbvio! Nômades não tinham propriedade privada (embora com certeza tinham seus utensílios, ferramentas, vestimentas PRIVADOS, digamos assim. E também defendiam território: o que não representa a propriedade individual, mas um certo sentimento de posse, ainda que coletivo, MAS restrito a uma determinada coletividade). Assim, quando TRABALHOU a terra, aquele ocupante reivindicou a posse/propriedade privada (o que foi justo, uma vez que foi ele que trabalhou a terra e, com isso, fez essa “valer”/“ter valor”.

    4 – roubos, estelionatos e outras milhões de injustiças ocorreram e ocorrem na história, mas isso não altera/“macula” a origem da propriedade privada.

    5 – o resto (o “conhecimento” da juíza) é só mentira esquerdista (sendo Rosseau um dos primeiros “picaretas” nesta seara).

    6 – com esse judiciário (com mais estabilidade no emprego que o Papa) e essas escolas de direito não vamos a lugar algum. Há exceções? Sim, mas trata-se de uma minoria e “andorinha sozinha não faz verão”.

    1. Teresa Guzzo
      Teresa Guzzo

      Um País que presta atenção no que Boulos fala e faz,sem ser punido pelas invasões que incentiva e recebe aluguel dos invasores.O que esperar?

    2. Manoel Graciano
      Manoel Graciano

      Boa, parabéns.

    3. Alberto Junior
      Alberto Junior

      Perfeito complemento ao texto do Leandro Narloch, que veio iluminar um ponto deveras importante – e oportuno – da trajetória humana. Narloch vem enriquecer o quadro de colaboradores gabaritados da revista Oeste. Apenas um porém: chamar Rousseau de filósofo é desmerecer essa categoria de pensadores, que se pauta (ou deveria se pautar) pela discussão crítica, racional. Rousseau foi somente um escritor habilidoso à serviço da mentira pura e simples, verdadeiro charlatão intelectual.

    4. Saulo Nunes
      Saulo Nunes

      Espetacular reforço ao texto do Narloch!!! Parabéns!!!

  13. Érico Borowsky
    Érico Borowsky

    Falou e disse tudo !

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