“O primeiro estelionatário do mundo”, escreveu a juíza Carolina Malta no Twitter, “foi aquele que apontou para um pedaço de terra e disse: ‘Esse terreno é meu. Quer comprar?’. Assim nasceu a propriedade privada.”
https://twitter.com/CarolinaMalta/status/1418198940873371648
Cada linha acima é um solavanco: a ideia de que a posse e o comércio são estelionato; o fato de a autora ser uma juíza – sim, uma juíza federal de Pernambuco parece não entender a importância da propriedade privada. Mas quero me concentrar no evento histórico, no “pecado original” que o comentário descreve: quem foi a primeira pessoa a se considerar dona de alguma coisa?
O tuíte da juíza é uma versão requentada do que disse Rousseau: “O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer ‘isto é meu’, e encontrou pessoas bastantes simples para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil”. Para o filósofo francês, essa é a origem de “crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores”.
Mas é provável que essa primeira pessoa nunca tenha existido. A noção de propriedade privada não surgiu num evento histórico, mas biológico — é tão antiga quanto a própria humanidade. A propensão a reconhecer que algumas pessoas têm uma relação particular com certas coisas já existia quando o Homo sapiens se distinguiu de outras espécies. É uma vantagem evolutiva que ajudou os humanos a dominar a Terra.
O economista Bart Wilson, que no ano passado lançou um grande livro sobre isso (The Property Species), acredita que a propriedade é um traço universal humano. Mesmo os índios mais coletivistas têm noções de propriedade privada — quem não concorda que tente arrancar o cocar do cacique dessa tribo para ver como ele vai reagir.
A propriedade é algo que surge naturalmente em sociedades
Professor de economia experimental, Wilson passou décadas em laboratórios tentando descobrir o que fazia seus voluntários se saírem melhor em jogos de bens comuns. Como garantir confiança entre as pessoas e engajá-las em relações vantajosas para todos? Descobriu que direitos de propriedade bem assegurados são requisito essencial para a cooperação.
“A propensão humana a organizar a relação com as coisas é essencial para a melhoria das condições econômicas e sociais. Nenhum outro animal jamais estendeu tanto sua expectativa de vida, diminuiu a taxa de mortalidade infantil ou conquistou para si uma vida mais saudável e confortável. Mas o Homo sapiens burgensis conseguiu, e a propriedade tornou possíveis essas conquistas.”
Não à toa, a propriedade é algo que surge naturalmente em sociedades; já sua extinção precisa ser imposta por algum ditador. Também não é por acaso que tentativas de acabar com a propriedade resultaram em tragédias. Mao acabou com fazendas privadas na China e criou fazendas coletivas; Mengistu fez o mesmo na Etiópia; e Fidel em Cuba. Resultado: as duas maiores crises de fome do século 20 e uma ilha faminta há 60 anos.
A causa de crimes e guerras não é exatamente a ideia de propriedade, mas a falta de direitos de propriedade bem estabelecidos. Por isso mesmo países precisam contar com uma Justiça ágil e eficiente que assegure esses direitos. Esse é um conceito básico do Direito, mas pelo jeito nem todos os juízes do Brasil conseguem entendê-lo.
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Excelente texto!
Quanto ao comentário deplorável e patético desta concurseira sinalizadora de virtudes, é apenas um reflexo lamentável do atual estado que se encontra nossa sociedade e seus valores preponderantes.
Desculpe, mas não é uma juíza. Não passa de uma militante comunista infiltrada numa instituição democrática, como preconizado por Gramsci e afins.
Eis aí uma representante da casta que loteia o Estado como sua propriedade privada, criticando a propriedade dos outros. Mas basta apontar seu contra-cheque e seus “benefícios” como roubo estatal da propriedade do povo, para termos uma leoa defensora de privilégios privados – os seus, obviamente.
A juventude mal estudada, mal lapidada, mal formada, e bem pensada por Gramsci se tornou adulta e chega aos quadros de poder.
Tempos sombrios.
A juíza que sente sobre um formigueiro para sentir se as formigas não irão defender sua propriedade.
Só queria saber uma coisa: Quem é o paizinho desta juizinha?
E eu que pensava que para ser juiz era necessário ser imparcial, justo e estudar muito. Errei em todos os quesitos. Como fui ingênua.
Atualmente não temos mais servidores públicos competentes, eficientes e imparciais no que fazem.
Apenas concurseiros que decoram exercício de bancas e que refletem suas imbecilidades no ofício que exercem após a aprovação. A galera perdeu totalmente o pudor e noção das coisas.
Quando eu achei que estava na metade do texto, embalando, ele acabou!
É curiosa essa observação rousseauniana de que ao cercar um pedaço de terra e definir a propriedade privada, ali começava a exploração do homem pelo homem. Um libertário diria o seguinte: ao cercar um pedaço de terra para exercer o seu trabalho, ali começa a legítima defesa do indivíduo contra o arbítrio de algum tipo de estado.
Perfeito. Triste ver uma juíza que deveria julgar com imparcialidade (segundo a lei). Deveria, mas já sabemos em quais valores ela acredita. E justiça não é um deles.
Este debate é muito interessante. O belga Foustel de Coulanges na sua obra “A cidade antiga” dispensa muito tempo a analisar o surgimento do instituto de propriedade privada. Quem tiver acesso, não deixe de ler.
A sepultura havia estabelecido a união indissolúvel da família com a terra, isto é, a propriedade.
Entre a maior parte das sociedades primitivas, foi pela religião que se estabeleceu o direito de propriedade. Na Bíblia, o Senhor diz a Abraão: “Sou o Eterno, que te fez sair da Ur dos caldeus, a fim de te dar este país.” – E a Moisés: “Eu vos farei entrar no país que jurei dar a Abraão, e que eu vos darei como herança.” – Assim Deus, proprietário primitivo por direito de criação, delegou ao homem sua propriedade sobre uma parte do solo.
[…] Por causa do altar irremovível e da sepultura permanente, a família tomou posse do solo; a terra, de certo modo, foi imbuída e penetrada pela religião do lar e dos antepassados. COULANGES, Numa-Denys Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 96
Parabéns. Muito bom texto sobre uma questão fundamental.
Espero que um dia o Boulos invada a casa dessa magistrada socialista caviar. Aposto que ela irá reagir.
1 – Mendigos, que deixaram para trás toda sua vida “material”, possuem seus pertences (coisas velhas, tralhas e, por vezes, obtidas no lixo descartadas pelas pessoas “normais”) e brigam (às vezes até se matam) para defender os seus parcos, velhos e miseráveis utensílios.
2 – Animais têm noção de propriedade: os cachorros sabem quais são “seus” pertences, inclusive, sabem distinguir os pertences entre eles (ex.: tijela de comida cada cachorro sabe qual é a sua).
3 – a propriedade privada só existiu quando o homem passou a trabalhar a terra! Óbvio! Nômades não tinham propriedade privada (embora com certeza tinham seus utensílios, ferramentas, vestimentas PRIVADOS, digamos assim. E também defendiam território: o que não representa a propriedade individual, mas um certo sentimento de posse, ainda que coletivo, MAS restrito a uma determinada coletividade). Assim, quando TRABALHOU a terra, aquele ocupante reivindicou a posse/propriedade privada (o que foi justo, uma vez que foi ele que trabalhou a terra e, com isso, fez essa “valer”/“ter valor”.
4 – roubos, estelionatos e outras milhões de injustiças ocorreram e ocorrem na história, mas isso não altera/“macula” a origem da propriedade privada.
5 – o resto (o “conhecimento” da juíza) é só mentira esquerdista (sendo Rosseau um dos primeiros “picaretas” nesta seara).
6 – com esse judiciário (com mais estabilidade no emprego que o Papa) e essas escolas de direito não vamos a lugar algum. Há exceções? Sim, mas trata-se de uma minoria e “andorinha sozinha não faz verão”.
Um País que presta atenção no que Boulos fala e faz,sem ser punido pelas invasões que incentiva e recebe aluguel dos invasores.O que esperar?
Boa, parabéns.
Perfeito complemento ao texto do Leandro Narloch, que veio iluminar um ponto deveras importante – e oportuno – da trajetória humana. Narloch vem enriquecer o quadro de colaboradores gabaritados da revista Oeste. Apenas um porém: chamar Rousseau de filósofo é desmerecer essa categoria de pensadores, que se pauta (ou deveria se pautar) pela discussão crítica, racional. Rousseau foi somente um escritor habilidoso à serviço da mentira pura e simples, verdadeiro charlatão intelectual.
Espetacular reforço ao texto do Narloch!!! Parabéns!!!
Falou e disse tudo !