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Ilustração: Naomi Akimoto Iria/Revista Oeste
Edição 78

Causas perdidas

As ruas não ecoam as palavras de ordem contra o governo, desconcertam os institutos de pesquisa e esvaziam os balões de ensaio sobre candidaturas que representam a "terceira via"

Silvio Navarro
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Nos últimos cinco meses, o presidente Jair Bolsonaro enfrentou a maior artilharia já promovida no país contra um governo pela imprensa tradicional e seus políticos e influenciadores favoritos desde Fernando Collor de Melo (1990-1992). Foram incontáveis as manchetes que prenunciaram o término precoce por meio de um impeachment iminente, o caos econômico e um genocídio resultante do que consideraram um “descaso na condução da pandemia”. O fim da linha culminaria no surgimento natural de uma candidatura da chamada “terceira via”, capaz de angariar o espólio dos bolsonaristas e dos intelectuais que desertaram do PT. Tudo devidamente atestado pelos institutos de pesquisa.

O mês de setembro chegou à metade e até agora nada se comprovou. O retrato nítido dessas previsões equivocadas foi o contraste entre a multidão que tomou as ruas no 7 de Setembro e o fiasco da manifestação do último domingo, 12. A despeito do rastilho de pólvora provocado pelo discurso inflamado de Bolsonaro contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no Dia da Independência — que precisou ser contornado no dia seguinte com a ajuda do ex-presidente Michel Temer (leia nesta edição) —, o Brasil não via tamanha mobilização popular há pelo menos seis anos, quando Dilma Rousseff foi afastada do cargo. Algo semelhante à campanha das “Diretas Já”.

Não é preciso ser um grande analista político para perceber que a passeata convocada como contraponto à festa bolsonarista tem um erro na origem. Sabe-se lá se por inocência ou delírio de grandeza, seus organizadores optaram por repetir os mesmos locais lotados no 7 de Setembro — a Avenida Paulista, a orla de Copacabana e a Esplanada dos Ministérios, o que tornou a comparação inevitável. Outro detalhe: quem empunhou o microfone não conseguiu explicar objetivamente por que o presidente deveria ser expulso da cadeira — muito menos disfarçar que estava ali por interesses políticos pessoais.

A despeito de todo o esforço de boa parte da mídia, as imagens não puderam ser disfarçadas. O vexame ficou ainda maior quando confrontadas lado a lado. No dia 7 de Setembro, 11 dos 18 quarteirões da avenida estavam completamente tomados de gente, além das ruas paralelas e perpendiculares. Levando-se em conta a rotatividade dos manifestantes, é possível concluir que cerca de 320 mil pessoas passaram por ali (leia box no fim da reportagem). No dia 12, entretanto, o público ultrapassou por pouco 5 mil almas aglomeradas em frente ao Masp. O mesmo ocorreu no Rio e em Brasília.

Imagens aéreas feitas pela Polícia Militar do Rio de Janeiro

O fato é que movimentos como MBL e Vem Pra Rua, partidos como o Novo, postulantes sem voto à Presidência e parte da esquerda ainda tímida em assumir que estará no palanque de Lula no ano que vem ficaram desconcertados diante da falta de adesão. O PT, aliás, é relevante frisar, foi o primeiro a tirar o time de campo quando percebeu que, a cada dia que passa, fica mais clara a polarização com Bolsonaro — e que não é hora de errar com uma “pataquada” como a do dia 12. O vídeo do governador paulista João Doria (PSDB) dançando no palco da Paulista, por exemplo, é suficiente para amparar a decisão de quem optou por não aparecer ali.

Veja também:  Acompanhe em imagens um resumo da manifestação de 12/9:

Oficialmente, nenhum dos nomes que sonham com o Palácio do Planalto jogou a toalha — e é improvável que isso ocorra pelo menos até março, quando começam a valer os prazos do calendário eleitoral. Ciro Gomes (PDT) investiu na contratação do marqueteiro do petrolão, João Santana, para tentar suavizar sua carranca. João Amôedo (Novo) mantém o partido à mercê de suas vontades. E João Doria, o favorito da imprensa “nem Lula, nem Bolsonaro”, trava uma disputa interna com o gaúcho Eduardo Leite. Outros nomes que os institutos de pesquisa tentam insuflar vão ficando pelo caminho, como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM), a senadora Simone Tebet (MDB) e o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, que desapareceu.

Fim do picadeiro da CPI

Outro dado digno de registro é a inexpressividade da CPI da Covid. Alardeada como o front legislativo capaz de sangrar o governo Bolsonaro, a comissão chega cambaleante aos últimos dias de vida. Ao longo de cinco meses, a equipe dos xerifes da pandemia não conseguiu uma única denúncia robusta: foi da cloroquina à Copa América de futebol, mandou prender depoentes e humilhou médicos (e principalmente médicas) que contestaram o tribunal inquisitorial de Renan Calheiros (MDB-AL) e Omar Aziz (PSD-AM). O circo vai chegar ao fim ameaçando acusar Bolsonaro, no máximo, de charlatanismo e da morte do ator Tarcísio Meira.

O comissariado só não enveredou por onde deveria: o “covidão” em Manaus, no Pará, e o tal Consórcio do Nordeste, chefiado pelo ex-ministro petista Carlos Gabas — seguramente a figura mais blindada pelos senadores. A última cartada de Renan foi encomendar uma análise dos documentos da CPI ao jurista Miguel Reale Júnior, um dos coautores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff. O objetivo era encontrar argamassa para sustentar que Bolsonaro incorreu em algum crime de responsabilidade — segundo os jornais, a equipe dele já apontou sete sugestões. A partir daí, caberia ao procurador-geral da República, Augusto Aras, redigir uma denúncia ao Supremo, o que dez em dez políticos no Congresso não apostam nenhuma ficha que acontecerá. Outra estratégia é incluir no relatório mudanças na Lei do Impeachment.

“O relator pode recomendar providências para aperfeiçoar a legislação”, afirmou o senador Marcos Rogério (DEM-RO), que vai apresentar um parecer paralelo ao de Renan, assinado pelo grupo minoritário da comissão. “Mas não creio que caberia mudança na Lei do Impeachment, porque não tem correlação direta com a CPI, que apura fatos determinados. São eles: ação e omissão do governo federal e dos Estados e municípios no enfrentamento da covid-19. Ele está misturando as estações e deixando claro que sua motivação, desde o início, foi o enfrentamento eleitoral e o embate com o presidente. Está indo além do papel da CPI.”

Renan divulgará seu texto na semana que vem. O documento será anunciado com pirotecnia no Senado, num evento coordenado pela produtora Paula Lavigne, mulher do cantor Caetano Veloso — é possível que ele também compareça. A ideia dos assessores da CPI é reunir pais de famosos mortos pela covid-19, como a mãe do ator Paulo Gustavo, para discursar ao som de Como Nossos Pais, canção de Belchior, gravada por Elis Regina.

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Democracia vem da junção em grego de demos (povo) e kratia (poder, governo). No primeiro parágrafo da Constituição brasileira, consta a frase: “Todo o poder emana do povo”. Talvez esse seja justamente o ponto de partida: muita gente do piso de cima não consegue entender onde o povo está.

Manifestação home office

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21 comentários
  1. Fabio Augusto Boemer Barile
    Fabio Augusto Boemer Barile

    Então a partir de hoje deixa de valer essa palhaçad de dizer que parada gay junta 2.5 mi de pessoas ou que aquela bosta de festa da virada da globo junta 1 mi de pessoas. Globo, por sua vez, assinou de vez seu divórcio com a verdade e com boa parte do país ao dizer que a manifestação foi anti democrática. Globolixo, voces são despeziveis.

  2. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente artigo. Parabéns Silvio Navarro.

  3. Julio José Pinto Eira Velha
    Julio José Pinto Eira Velha

    Depois do sucesso das manifestações, os institutos de pesquisa demandaram a faze-las as pencas, lógico sempre pondo o ladrão mor com mais de 100% de votos, entendo como além de outras, mais uma narrativa para desqualificar o que aconteceu em 7 de setembro.

  4. Paulo R M
    Paulo R M

    Muito bom texto, estive na Paulista, falavam em 2 ou 3 milhões, também calculei que não cabem, mas andei um pouco por lá, em alguns lugares com muitas dificuldades, principalmente entre Masp e Fiesp, preocupei-me com a segurança(ali estava igual saída de metro, muitas pessoas passaram mal com aperto), em algumas transversais, estavam impossíveis andar também, então no mínimo meio milhão tinha….é gente pra caramba…

  5. Fernando Cavalcanti Campos
    Fernando Cavalcanti Campos

    Excelente texto.

  6. Marcelo Costa Aldighieri
    Marcelo Costa Aldighieri

    Ótimo texto. Só uma pequena correção. A música como nossos pais é do Belchior

    1. Silvio Navarro

      Obrigado, Marcelo! Vamos corrigir.

      1. Maria Elisabeth Moreira Carvalho Andrade
        Maria Elisabeth Moreira Carvalho Andrade

        Vejo destaques de DF, SP e RJ, mas não comentam as demais cidades. Foi enorme a manifestação em cidades do interior em todos os estados do Brasil, principalmente as com mais de 300.000 habitantes.

  7. Roberto Fakir
    Roberto Fakir

    A Globo estima que cabem na Paulista mais de 2 milhões de pessoas em época de parada Gay. O Datafolha é a Folha calculam mais de 3 milhões em dia de parada Gay. Nas manifestações de 7 de setembro a própria Globo, datafolha e Folha calculam que não cabem mais de 500 mil pessoas. Imaginem que o datafolha pode usar a mesma metodologia em suas pesquisas.

  8. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Se na Av: Paulista Cabe 520 mil almas, quantas almas sebosas estarão no congresso cantando cantando ‘como nossos pais’

  9. jose eustaquio sampaio
    jose eustaquio sampaio

    O circo terá sua apresentação final, com todos os palhaços reunidos no picadeiro,
    a espera de alguém “caminhando contra o vento sem lenço e sem documento”,
    o tal da Lei roubanet.

  10. Marilia Ferreira Dela Coleta
    Marilia Ferreira Dela Coleta

    Com apresentação musical e apelação emocional o circo estará completo. Só vai faltar o saudoso Chacrinha e a platéia. As chacretes também cairiam bem.

  11. Dirceu Bertin
    Dirceu Bertin

    Eu fui na Paulista e este artigo foi o primeiro verdadeiro

  12. Allan Silva
    Allan Silva

    Silvio sempre certeiro!

  13. Victor Luiz Neves Carramaschi
    Victor Luiz Neves Carramaschi

    D. paula veloso já vai descolar uma graninha.

  14. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Precisamos mantê-las e levar pautas para redução do tamanho do Estado, porque nossos congressistas arquivaram todas que por lá passaram.
    Para que precisamos 513 deputados federais e 3 inúteis senadores por Estado? Vamos pautar a exigência da redução de no mínimo 1/3 dos Legislativos Nacionais(Câmara Federal, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais) e a somente 1 senador por Estado.
    É importante pois uma REFORMA POLÍTICA para acabar com reeleição como já o próprio Bolsonaro sugeriu em passado recente no programa do SBT(RATINHO) com aumento dos mandatos para 5 anos e essa redução dos LEGISLATIVOS. Vale dizer que somente nosso CONGRESSO NACIONAL tem um orçamento anual que nos custa R$12 bilhões.

    1. José Arnaldo Amaral
      José Arnaldo Amaral

      Enquanto a paquidermia do Estado prevalecer sobre a Nação a República Brasileira persistirá sendo estuprada continuadamente pelo estamento burocrático, eleito ou não.

    2. Alex Camargos
      Alex Camargos

      Qualquer discurso contra a realidade cai por terra. Brasília estava espetacular naquela secura de expansão qualquer um, RJ com aquele sol na cabeça e Copacabana tomada por gente, SP quando as famílias cansadas do Rush da semana procuram descansar e no meio de um feriado fez uma mar verde amarelo, logicamante faltaria muito espaço para escrever os tantos e tantos lugares cheios de pessoas e brasileiros patriotas. Isto é convicção pelos valores que sustentam os apoiadores de uma País justo, honesto e liberto. Em contrapartida aos adoradores da corrupção que preferiram sumir diante do fisco eminente e que como o chefe só tem espaço em pequenos pedaços de praia fechados, e por outro lado este imaginário 3° via que tentam e tentam pra vê se cola, mas esqueceram que o espaço de centro direita já esta ocupado e que a esquerda é o PT na simbologia. Adios Ciro, Amoedo e o tal de Doria (que com aquela dancinha esquisita esta mais para animador de palco). Conclusão: será na eleição um corrupto clássico Lula, contra um sujeito que mesmo que não é unanimidade, vai evoluir muito ainda, mas que enfrenta o stablishment, aqueles que estavam acomodados no poder. Que tenhamos força para seguir em frente

  15. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Ótimo texto.

    1. Jose Carlos de Lima Azambuja
      Jose Carlos de Lima Azambuja

      Fiquei decepcionado com a Dança do João Agripino. Achei que ele fosse dançar na boquinha da garrafa; bem mais parecida com seu estilo.

    2. Jose Carlos de Lima Azambuja
      Jose Carlos de Lima Azambuja

      Enquanto tivermos adversários no padrão Doria, podemos ficar tranquilos, porque uma criatura como essa só nos faz debochar, tão ridículo que é. Será esse o padrão de políticos que merecemos. Não sou eleitor do estado de São Paulo, mas tenho pena dos Paulistas, por ser um povo a quem tanto devemos em nossa história. Não mereciam e não merecem pessoa tão repugnante e superficial. Coragem Paulistas, o jogo praticamente está definido. Jamais recuaremos. De um amigo fraterno do Mato Grosso do Sul.

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