A que novos desastres determinas de
levar estes povos e esta gente?
(…)
Que famas lhes prometerás? Que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?
Os Lusíadas, O Velho do Restelo
Se você fosse o Lula e se quisesse, como ele está querendo, ganhar a eleição de 2022 para ser presidente do Brasil outra vez, seria preciso, tão logo possível, ter na ponta da língua uma porção de coisas para dizer ao eleitorado. Muito bem: que coisas, exatamente, você diria? É melhor não ir respondendo que “essa é fácil”, porque não é fácil — na verdade, é uma complicação de bom tamanho. Muita gente boa pode pensar que, com um Jair Bolsonaro no governo, qualquer um teria, já de cara, um monte de argumentos para montar a sua propaganda eleitoral. Afinal, o homem não é o genocida? Não é o “miliciano” e sabe lá Deus mais quanta coisa horrível? Não é o pior presidente que o Brasil já teve em 132 anos de República? Se é mesmo assim, qual é o problema? Qualquer candidato vai dar um passeio nele, não é mesmo? Lula, então, que já está com 110% de votos no Datafolha, nem precisa se levantar da cama. É só pensar um pouco, porém, e fica claro que a coisa não é bem assim — na verdade, não é nada assim.
Os fatos, quando se olha com frieza para eles, mostram o contrário do que dizem as teorias apresentadas acima. O principal problema de Lula, que segundo a realidade visível é o único candidato real da “oposição” para a eleição do ano que vem, é justamente o contrário: não tem o que dizer para os eleitores — não o suficiente para demonstrar a eles que é melhor do que Bolsonaro para ser o novo presidente do Brasil. Pode ser, é claro, que venha a ter material de sobra para a sua campanha; essa vida costuma ser cheia de novidades. Pode ser, até mesmo, que acabe nem sendo candidato, e que a missão de derrotar Bolsonaro seja entregue a um outro qualquer — é difícil, mas não é impossível. Mas, pelo que temos no momento, é isso: Lula não tem muito o que declarar à população brasileira em sua campanha eleitoral para 2022. Está “sem discurso”, como se diz nas mesas-redondas que os cientistas políticos fazem na televisão depois do horário nobre.
Bolsonaro é descrito aí, há três anos seguidos e sem descanso, como uma mistura de Calígula com lobisomem
Começando pelo começo: o que há, de fato, para falar contra Bolsonaro se o seu problema é ganhar dele numa eleição para presidente? Esta deveria ser a cereja no bolo, ou o bolo inteiro. Se Lula levasse a sério o que dizem a imprensa, os governadores de centro e as classes intelectuais, estaria com a vida ganha; Bolsonaro é descrito aí, há três anos seguidos e sem descanso, como uma mistura de Calígula com lobisomem — e um monstro desses não poderia ganhar de ninguém. Mas nada disso é cereja, nem bolo. O que a mídia, a elite e a oposição vêm falando não tem tido efeito nenhum na situação real do inimigo. Esqueça os “índices de popularidade” publicados pelos “institutos de pesquisa”. O único índice que vale, nesse negócio, é a capacidade de levar gente para a rua. Na última vez em que foi se medir isso, deu mais de 200.000 pessoas na Avenida Paulista a favor de Bolsonaro; Lula e a esquerda não conseguiram juntar nem 10.000 miseráveis gatos pingados no mesmo lugar, na sua manifestação de resposta. Lula, aliás, nem apareceu na Paulista: o que mais se poderia dizer, em matéria de desastre com perda total?
Lula, com um olho só ou mesmo sem nenhum olho, em geral enxerga o dobro do que a mídia, a elite e todos os intelectuais de esquerda juntos; já sabe por intuição que não adianta nada, para ele, ficar falando que Bolsonaro anda “sem máscara”, que patrocina “rachadinhas” e que comanda milícias no Rio de Janeiro. Sabe que não rende coisa nenhuma, do ponto de vista eleitoral, atacar o adversário porque ele foi contra o fechamento das escolas, disse que o “fique em casa” estava destruindo empregos ou comeu pizza de pé em Nova Iorque. Lula não acredita, ao contrário do que acham os jornalistas, que Bolsonaro vai perder um único voto por ser inimigo declarado da pedofilia e da abolição, nas escolas, das diferenças de sexo entre as crianças. Está convencido de que não lhe rendem nada as sucessivas imagens, supostamente negativas, que socaram em cima do adversário: homofóbico, perseguidor de quilombolas, racista, contrário à distribuição de mais terras para os índios. Está convencido que a “CPI da Covid”, em matéria de eleição, não vai beneficiar a sua candidatura em absolutamente nada. Sabe muitíssimo bem que o apoio que recebe de gente como Renan Calheiros é imprestável — o que ele vai fazer com isso, numa campanha eleitoral?
Parece haver uma esperança, no momento, na piora da economia — se as coisas forem efetivamente para o diabo, com inflação de dois dígitos, juros em escalada e recessão, além de mais desemprego, comércio fechado e indústria quebrada, mais uma crise mundial para arredondar a desgraça, é claro que vai sobrar espaço para falar mal do governo. Sempre há, também, as crises fatais fabricadas no complexo mídia-Ministério Público-STF e redondezas, com denúncias que vão levar, finalmente, à explosão da galáxia. Já se viu de tudo, aí. Houve a crise do falecido ministro Gustavo Bebianno. Houve “o Queiroz”. Houve o “quem matou Marielle?” Houve a “crise militar” na demissão do ministro da Defesa e dos comandantes das Forças Armadas. Houve as brigas com os ministros Barroso e Alexandre, com xingamento de mãe para baixo, ameaças de deposição imediata do presidente por descumprimento de ordens do STF e o drama terminal do “voto impresso”. Houve pelo menos uma boa meia dúzia de “golpes de Estado” anunciados, em modo de pânico, pela mídia, pelo Psol e pela Rede Globo. Houve o anúncio de “cadáveres” na manifestação do dia 7 de Setembro em favor de Bolsonaro — ao final da qual não se quebrou uma única vidraça. Agora fala-se das “contas offshore” do ministro Paulo Guedes — e por aí iremos, até o dia da eleição. Sai alguma coisa de todo esse angu? Sai, mas some. Em comum, entre todos os episódios citados acima, há o fato de que estão mortos e sepultados no esquecimento. Alguém ainda se lembra do voto impresso?
É limitado, assim, o que Lula pode falar contra o governo — pois mesmo a crise econômica, que sempre é um problemaço, exige que o sujeito tenha ideias melhores que o adversário para resolver os problemas. Lula não tem ideia nenhuma ou, se tem, ainda não contou para ninguém. Resultado: crise econômica, sozinha, não é suficiente para ganhar eleição. E a favor de si próprio, então — o que Lula teria a dizer? A primeira ideia que ocorre é lembrar um tema que ele não vai poder aproveitar na campanha: o combate à corrupção. Candidato a qualquer coisa, no Brasil, tem de se anunciar como um marechal de campo da luta contra a ladroagem e os ladrões; sem isso, já se começa a campanha perdendo de dois a zero. Agora, honestamente: dá para alguém pensar a sério que Lula pode subir ao palanque em 2022 falando que ele, Lula, vai combater a corrupção? Não — não dá. Primeiro porque não vai colar a tentativa de dizer que Bolsonaro é ladrão. Segundo porque Lula é o último político neste país que pode falar sobre o assunto roubalheira.
Cuba, Venezuela e as ditaduras mais primitivas da África foram a base da nossa “política externa”
Não vai adiantar nada, a esse propósito, Lula dizer que foi “absolvido” e que a sua “inocência” foi “reconhecida” pela Justiça. Ele não foi absolvido de coisa nenhuma e ninguém, nem no Judiciário brasileiro, diz que ele é inocente: tudo o que os seus parceiros nas nossas cortes supremas fizeram foi dizer que Lula deveria ser julgado em outro lugar, e que todo o processo teria de começar de novo. De qualquer jeito, a última coisa que um cidadão decente pode querer no Brasil de hoje, sobretudo se for candidato a alguma coisa, é dizer que “o Supremo” está a favor dele. Supremo? Deus me livre. Quanto menos Lula falar no assunto, melhor para ele — ou menos pior.
E além da luta contra a corrupção — o que Lula poderia dizer de bom a respeito de si mesmo e sua capacidade de governar? Também aí é jogo duro. Ele legou o Brasil a Dilma Rousseff. Na economia, os seus momentos de crescimento foram voos de galinha. Bolsa Família? O de Bolsonaro está dando mais dinheiro. A educação pública, que deveria ocupar as dez prioridades de qualquer governo que se diz “popular”, foi uma calamidade: era péssima quando assumiu, estava pior quando saiu. O episódio mais marcante na área da saúde, em seu governo, foi o da Máfia dos Vampiros, criação da companheirada para roubar sangue dos hospitais públicos. O segundo, depois desse, foi a importação dos médicos cubanos para trabalhar em regime de semiescravidão. Cuba, Venezuela e as ditaduras mais primitivas da África foram a base da nossa “política externa”. Durante os oito anos em que ficou no Palácio do Planalto, o Brasil foi governado por empreiteiros de obras públicas, que a Operação Lava Jato imortalizou, e por banqueiros, de esquerda e de direita, a quem obedeceu do primeiro ao último dia.
Lula vai ter de jogar todas as suas esperanças nas mágicas do marketing eleitoral. Na última vez, com o seu “poste” de 2018, não deu certo. Ele reza, agora, para que volte a dar.
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