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COP26, conferência para discutir meio ambiente e clima, em Glasgow | Kiara Worth/Flickr/COP26
Edição 85

Os desafios da COP26

De forma abrangente e progressiva, o Brasil antecipou de 2030 para 2028 a meta de reduzir a zero o desmatamento ilegal na Amazônia

Roberto Castelo Branco
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O Brasil surpreendeu na abertura da Conferência do Clima da ONU (COP26). No seu primeiro dia, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a decisão em estabelecer novas e ambiciosas contribuições do Brasil (NDCs — Nationally Determined Contributions) em favor do esforço global de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Ao contrário de China, Rússia e Índia, que no G20 refutaram o comprometimento com uma economia neutra em 2050, o Brasil aumentou sua ambição voluntária em relação ao objetivo do Acordo de Paris, de conter o aumento global da temperatura em 1,5º Celsius até 2060. Anunciou também outras medidas de grande relevância.

De forma abrangente e progressiva, antecipou de 2030 para 2028 a meta de reduzir a zero o desmatamento ilegal na Amazônia, aumentou de 43% para 50% a redução das emissões de todos os setores da nossa economia em 2030, confirmou para 2025 a redução de emissões em 37% e formalizou a antecipação, em dez anos, do comprometimento com uma economia neutra para 2050. O reconhecimento internacional foi imediato. O enviado presidencial dos Estados Unidos, John Kerry, tuitou reconhecendo o novo esforço para zerar o desmatamento ilegal em 2028, classificou como significantes a redução de 50% das emissões em 2030 e o objetivo de lograr uma economia neutra em 2050. Manifestou ainda entusiasmo com a expectativa de trabalhar junto com o governo brasileiro. Por sua vez, o presidente da COP26, o britânico Alok Sharma, fez manifestação similar e acrescentou: “Esse é um progresso real e vai ajudar a construir momentum para (manter) o 1,5 grau”.  Registre-se que não houve nenhuma reação da União Europeia, exatamente aqueles países que mais nos criticaram em tempos recentes.

O ministro Joaquim Leite, todavia, não terá vida fácil em Glasgow. Foi louvável a estratégia de manter em sigilo o anúncio presidencial que conferiu caráter solene à importância do fato. Com infiltrados no Ministério do Meio Ambiente vazando para a imprensa documentos e informações internas (saudosistas do Romanée Conti até publicaram que o ministro “exigiu” iogurte em seu voo para Glasgow), não há como negar que o impacto internacional do anúncio foi efetivo; assim como foi acertada a decisão de não fazer nenhuma alusão no G20 de Roma.

O desafio agora é dar andamento às negociações em três frentes principais, sem subestimar as demais: buscar o cumprimento pelos países desenvolvidos do compromisso de alocar US$ 100 bilhões anuais para os países em desenvolvimento; colocar em prática medidas para implementar os mercados de créditos de carbono previstos nos artigos 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris; e conter as tentativas de limitar, e até mesmo penalizar, a nossa agricultura e seu crescimento sustentável. Cada qual dessas frentes tem suas peculiaridades.

Ficou difícil para países desenvolvidos “empurrar para debaixo do tapete” o compromisso anual de US$ 100 bilhões destinados a países em desenvolvimento, elemento fundamental do Acordo de Paris. As ruas já entenderam que cada qual deve fazer sua parte. Alguns países já anunciaram dobrar, outros até mesmo triplicar suas contribuições para esse propósito. Não se sabe ainda como será a conta para chegar ao valor pactuado, mas já circulam versões desalentadoras que poderiam incluir até mesmo contribuições obrigatórias a organismos internacionais. Também fala-se em intenções de usar esses recursos em ações de mitigação e adaptação de forma igualitária. Há a possibilidade de esses recursos serem canalizados de forma multilateral, através de organismos internacionais como o Banco Mundial, PNUD, GEF ou GCF; ou mesmo bilateral, em que os propósitos e as formas seriam pactuados caso a caso. As necessidades do Brasil para atingir o desmatamento ilegal zero em 2028 e assim mantê-lo poderiam ser contempladas por essas duas possibilidades. Ressalte-se que a forma multilateral, inclusive o compromisso de mais de 100 países em relação aos US$ 19,7 bilhões de recursos públicos e privados para zerar o desmatamento em 2030, seria compartilhada com um número elevado de países em desenvolvimento.

O terceiro grande desafio da delegação brasileira será proteger nossa agricultura

Com relação ao item 6 do Acordo de Paris, as negociações devem contemplar o artigo 6.2, que cria o mercado de créditos de carbono entre países. Aqueles que possuam créditos de carbono que excedam suas NDCs poderiam disponibilizá-los para aquisição por países com elevada emissão, em débito com seus compromissos. Um exemplo seria um país com energia altamente dependente de carvão, ou combustível fóssil, comprar créditos de outros países para compensar suas emissões. Haveria que ser evitada a dupla contagem, assegurando a transferência dos créditos do vendedor para o comprador. Daí a importância de serem créditos excedentes à NDC para evitar a inadimplência do vendedor, ou mesmo a nulidade do esforço compensatório.

Já o artigo 6.4 estabelece um mercado privado de créditos de carbono. Entes privados que exerçam atividades geradoras de créditos de carbono poderão comercializá-los a entes privados que necessitem compensar suas emissões. Um produtor rural com plantio direto ou Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), ou mesmo que mantenha seu quinhão de preservação florestal, poderá vender seus correspondentes créditos de carbono a outros privados. Embora esses dois artigos integrem o Acordo de Paris, não foi possível ainda colocá-los em prática, não só pela necessidade de criar mecanismos de regulamentação e certificação de créditos de carbono, como também pelo protecionismo europeu em favor de seu próprio mercado de créditos de carbono. Mais ainda, a China anunciou em janeiro do corrente ano seu mercado doméstico nos mesmos moldes do mercado europeu. Há expectativa quanto à evolução no tema nas negociações. Para o Brasil, o artigo 6.4 seria de grande significado econômico e ambiental. As iniciativas e os recursos estariam nas mãos de privados, livres de “atravessadores públicos” que “zelariam” pela boa gestão. Ao Estado caberia o papel regulador, para evitar a repetição de malversações e desvios de triste memória.

O terceiro grande desafio da delegação brasileira será proteger nossa agricultura dos ataques de nossos concorrentes. Há uma discussão, presente em todas as COPs, que a produção agrícola aumenta as emissões e, por conseguinte, seu crescimento deve ser penalizado. Não precisa muito argumento para constatar que na Europa, nos EUA e na China, assim como nos países desenvolvidos, não há espaço para expandir a agricultura. O Brasil é a única potência agrícola que pode aumentar sua produção, quer pela tecnologia, quer pelo uso de áreas de pastagens sem tocar nossas florestas. Isso incomoda muita gente e requer especial atenção com a vocação do produtor rural e sua capacidade de produzir alimentos de qualidade de forma sustentável.

Não bastassem essas dificuldades, as decisões nas COPs são tomadas por consenso. A batalha acaba resultando num denominador comum minimalista, em contraste com a premência das necessidades do planeta. No G20, e também na COP26, China, Rússia e Índia, responsáveis por quase a metade das emissões globais de gases de efeito estufa, com cerca de 45% desse total, já frustraram grande parte do esforço mundial de antecipar para 2050 a meta de zerar as emissões. A China, maior emissor, com cerca de 30%, e segunda maior potência econômica do planeta, negocia na COP26 ainda como país em desenvolvimento. Mantém essa condição anacrônica desde a Rio 92, quando seu PIB era pouco maior que a metade do PIB do Brasil. O primeiro-ministro Narendra Modi, da Índia, não fez por menos: retardou para 2070 o compromisso de 2060. A Rússia, por sua vez, nem sequer é signatária do Acordo de Paris, corroborando as dificuldades de êxito efetivo para o esforço de mais de 190 países. Nada ainda transpareceu da União Europeia, o que pode significar prudência ou incômodo em relação ao protagonismo dos EUA.

Por fim, mesmo ainda na primeira semana de Glasgow, é digno reconhecer o esforço e a habilidade do Reino Unido e do presidente Alok Sharma, da COP26. O primeiro-ministro Boris Johnson mostra-se engajado e transmite otimismo prudente, em contraste com o assédio desmesurado, por vezes até servil, da condução dos trabalhos da COP25 de Madri. O senhor Sharma, membro do Parlamento britânico, mostra capacidade de entendimento da importância da sua missão. Cuidou das fases preparatórias, manteve tratativas discretas com as partes e conduz a conferência de forma efetiva até o momento. Embora isso não assegure êxito final, sua ação propicia um clima de confiança que pode conduzir a embates respeitosos e construtivos. O retorno dos EUA ao Acordo de Paris, com uma estratégia ambiental para as próximas décadas, oferece ao negociador hábil a oportunidade de confirmar a grande importância de resultados efetivos. A conferir…

Leia também “O mundo precisa aprender com o Brasil”


Roberto Castelo Branco foi secretário de Relações Internacionais do Ministério do Meio Ambiente e Under-Secretary General das Nações Unidas.

5 comentários
  1. Lucas Scatulin Bocca
    Lucas Scatulin Bocca

    Brasileiro sempre querendo ser mais real que o rei e mais católico que o Papa. Quando alguém mais “forte” diz que não consegue fazer Y em X tempo, brasileiro vai lá e promete 3 Y em X/2 tempo. Claro que nunca consegue, mas dá argumentos e motivos para os adversários “sentarem a lenha” em nós…

  2. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Faço minhas as palavras do Sr. Erasmo Silvestre da Silva.

  3. Gustavo Amaral
    Gustavo Amaral

    Belo artigo. Parabéns Dr. Castelo Branco por esta síntese e direcionamentos importantes para visão e ação do país no cenário de produção e preservação ambiental

  4. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Não consigo entender como convivem nesse ambiente da COP26, empresários, artistas, políticos tipo Tabata Amaral( do absorvente) e ativistas ambientais brasileiros, que detonam o atual governo brasileiro, com o sucesso de nossos representantes agroambientais do governo com as altas autoridades mundiais do clima, inclusive com o presidente da COP26, o britânico ALOK SHARMA. É uma tremenda falta de caráter e vergonha as críticas que fazem ao governo, desses “brasileiros” que lamentavelmente são apoiados pela velhaca e decadente tradicional imprensa como o Estadão.

  5. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    É acordo por dinheiro. Não tem nada a ver com clima

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