O economista Rodrigo Constantino, colunista de Oeste, tornou-se uma das principais vozes em defesa do conservadorismo no Brasil. Em suas redes sociais, é comum vê-lo ressaltar a importância de preservar as tradições que construíram a civilização ocidental, sustentada especialmente por três pilares: o direito romano (que solucionou os problemas criados pelas lutas entre grupos sociais e guerras de conquista), a filosofia grega (que trouxe os princípios fundamentais da razão, da ciência, da política e da arte) e a moral judaico-cristã (que forneceu um conjunto de crenças e valores comuns aos cidadãos).
No entanto, as tradições nem sempre foram prioridade na vida do carioca hoje radicado em Weston, na Flórida. Na juventude, Constantino, hoje com 45 anos, enveredou pelo caminho do libertarianismo, uma filosofia que tem na liberdade individual seu principal valor. A aventura libertária foi interrompida pelo próprio amadurecimento intelectual. “Comecei a observar o grau de radicalismo dos libertários, que passaram a confundir liberdade individual com uma visão atomista de mundo”, revelou, em entrevista concedida a Oeste. De lá para cá, o conservadorismo tornou-se a bússola filosófica de Constantino.
A mudança de postura é evidente em suas obras. Liberal com Orgulho, livro publicado em 2011, cedeu espaço a Confissões de um Ex-Libertário: Salvando o Liberalismo dos Liberais Modernos, finalizado em 2018. A síntese dos autores que nortearam o pensamento de Constantino está em Pensadores da Liberdade, lançado neste ano pela Faro Editorial. “É o resultado de 20 anos de leitura”, explicou. “Trata-se de um resumo das ideias liberais e conservadoras, da trajetória desses conceitos e dos principais embates travados pelos intelectuais acerca dos assuntos relacionados à razão, à tradição, à religião e à liberdade.”
É com base nos argumentos expostos em seu mais recente livro que Constantino pretende estabelecer um diálogo com pensadores de diferentes espectros políticos. “Penso que há dificuldade em promover debates construtivos no país”, criticou. “As redes sociais são ferramentas poderosas, romperam com o domínio hegemônico da esquerda na mídia, nas universidades e nas editoras, mas também contaminaram as discussões. O objetivo de Pensadores da Liberdade é instigar a reflexão e fazer com que, depois de sua leitura, a pessoa queira conhecer Karl Popper, Ludwig von Mises e tantos outros.”
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Pensadores da Liberdade vai conseguir dialogar com intelectuais e militantes de esquerda?
Depende de cada caso. Em Esquerda Caviar, tentei descrever os 20 potenciais fatores que levam alguém ao esquerdismo. Então, considero que há um fenômeno complexo nessa discussão. Não podemos jogar todos no mesmo saco. Há pessoas que não conseguem dialogar, porque estão imbuídas de uma visão de mundo radical, extremista. Preferem matar os outros a ter de argumentar num debate. Desses, é preciso manter distância. Porém, há quem tenha uma visão romântica de mundo, que cai no esquerdismo por questão estética. É o feel good sensation, o monopólio da virtude. É possível dialogar com essas pessoas.
Quais são as maiores contribuições de autores clássicos como John Locke, David Hume, Adam Smith e Alexis de Tocqueville para a construção da civilização ocidental?
O ponto de união entre esses autores é o foco na liberdade do indivíduo, no combate às formas distintas de coletivismo — uma mentalidade que trata o ser humano como um meio sacrificável. A civilização ocidental tem um apreço pela liberdade maior que as outras civilizações. Não por acaso é a que mais assegurou as garantias aos indivíduos e às minorias. Os autores clássicos contribuíram para o avanço dessas liberdades, que não foram dadas pela natureza. Pelo contrário, precisaram ser conquistadas com suor, lágrima e sangue no decorrer da história.
“Os contemporâneos trabalham em cima de uma argila que foi herdada pelos grandes pensadores da antiguidade”
Na mesma toada, o que autores contemporâneos como Karl Popper, Thomas Sowell, Theodore Dalrymple e Roger Scruton fizeram para sustentar os pilares civilizacionais do Ocidente?
Há coisas diferentes nesses autores, visto que os conceitos e as circunstâncias sempre mudam. O conservadorismo, por exemplo, não lida com abstrações dogmáticas — é algo mais prático. Por isso, as ideias dependem do tempo em que foram pensadas. Nesse sentido, sou como Isaac Newton: se enxerguei longe, é porque subi no ombro de gigantes. Nada novo foi criado, os pensadores contemporâneos resgataram as obras clássicas e as adaptaram às circunstâncias. Por que podemos ler as tragédias gregas e ainda nos sensibilizar? Porque falam da natureza humana, de algo atemporal. Por que Shakespeare é importante até hoje? Porque escreveu sobre os dilemas da natureza humana. Então, os contemporâneos trabalham em cima de uma argila que foi herdada pelos grandes pensadores da antiguidade.
O que é conservadorismo?
É difícil definir, porque o conservadorismo, ao contrário das ideologias, rejeita as definições de manual. Não há uma “bíblia” conservadora, como O Capital, de Karl Marx, é para os marxistas. O conservadorismo apela ao bom senso, reconhece o incognoscível, o papel daquilo que a razão não é capaz de apreender. Baseados na ideia do pecado original ou em alguma metáfora similar, os conservadores entendem que os seres humanos são imperfeitos, limitados. Não há maneira de aplacar todas as angústias com algum tipo de visão simplista de mundo. Os conservadores vão oferecer ferramentas para que as pessoas naveguem melhor nesse mar revolto da realidade. Para muitos, isso não é suficiente. Aí, rejeitam o conservadorismo em troca de alguma ideologia que ofereça respostas apaziguadoras, redentoras. E, como diria H. L. Mencken: para todo problema complexo há sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.
E qual é a relação do conservadorismo com o liberalismo?
O ponto de intercessão do conservadorismo com o liberalismo é a desconfiança em relação à natureza humana, a constatação de que não existem soluções definitivas. Existiram liberais tão realistas em relação à natureza humana que se confundiram com os conservadores. Exemplo disso é Friedrich Hayek, que teve de escrever um apêndice no livro Constitution of Liberty explicando os porquês de ele não ser conservador. Quando lemos a obra, não conseguimos perceber a diferença de Hayek para os conservadores britânicos e para os iluministas escoceses. Outro exemplo é Edmund Burke, o pai do conservadorismo moderno. Ele era um liberal whig, não um tory, de linha mais conservadora. Ainda assim, percebeu o risco oferecido pelos jacobinos e decidiu escrever Reflexões sobre a Revolução na França, que é um manual de bom senso, de cuidados que devemos ter com as tradições.
O que é libertarianismo?
É um liberalismo turbinado. Há um foco tão demasiado no indivíduo, que em alguns casos os libertários flertam com a psicopatia. Essa ideia do live and let live, algo como “viva e deixe viver”, é uma visão restrita da sociedade. A própria liberdade individual, tão cara aos libertários, não sobrevive num vácuo de valores morais. No Ocidente, a ideia de liberdade individual prosperou, diferentemente do que ocorreu em outras civilizações. Contudo, isso não aconteceu por acaso, mas porque os intelectuais beberam das fontes judaico-cristãs. Na minha visão, o conservador é um liberal que amadureceu, tomou um choque de realismo.
Em Confissões de um Ex-Libertário, você explica as razões que o fizeram romper com o libertarianismo. Como ocorreu essa cisão?
Isso aconteceu por três fatores. Primeiro, porque fui pai muito jovem. Minha filha chegou à adolescência quando eu ainda era relativamente novo, e percebi que as ideias libertárias causavam um certo estrago no processo de educação. É o amadurecimento pela paternidade precoce, chamemos assim. O segundo fator foi leitura. Comecei a ler mais os intelectuais conservadores — G. K. Chesterton, C. S. Lewis, Roger Scruton, Theodore Dalrymple e Edmund Burke. O terceiro fator foi observar o grau de radicalismo dos libertários, que passaram a confundir liberdade individual com visão atomista de mundo, algo amalucado.
Entendido esse processo de amadurecimento político, qual é a sua visão sobre o dever do Estado?
Com limites constitucionais e descentralização de poder, o papel do Estado é garantir as liberdades individuais e legitimar a propriedade privada. Ou seja, haverá restrições e limites territoriais. Essa teoria cosmopolita, do cidadão do mundo, é perigosa para as liberdades individuais. Os seres humanos são tribais; então, você tem de abandonar o tribalismo para viver numa sociedade mais avançada, republicana. Ao mesmo tempo, não podemos ir longe demais, porque corremos o risco de cair numa abstração em que o ser humano se sente desprovido de sentimento patriótico, de senso de pertencimento. O Estado-nação veio para ficar, e abolir essa ideia é perigoso, porque pode surgir algo como o globalismo.
O que é globalismo?
É uma tentativa de criar um governo mundial que delegue todo o poder de controle às instituições supranacionais, ignorando a soberania nacional e a Constituição dos países. Exemplo disso conseguimos perceber na pandemia, com a atuação de entidades como Organização Mundial da Saúde [OMS] e Organização das Nações Unidas [ONU], que atropelaram a soberania dos países e tomaram as decisões de cima para baixo — em nome da ciência, do mundo, do planeta. De maneira geral, o globalista quer destruir todas as fronteiras nacionais e criar o governo da humanidade. E quem vai compor esse governo? Tecnocratas e burocratas sem accountability, sem rosto, sem voto.
Leia também “Em tempos de turbulência, as lições históricas”
Constantino é a nossa voz que ecoa no combate a essa turba esquerdopata. Vida longa pra você, Consta!
Gostei da entrevista. Bastante esclarecedora. Mas alguns termos usados pelo entrevistado poderiam ser um pouco mais explicados. Como por exemplo: whig, tory, accountability e visão atomista de mundo.
Constantino, você é o cara. Ah, cuide de sua voz. É tecnicamente possível. Eu sei que você sabe. Só precisa se empenhar.
Constantino é eficiente oficial na guerra contra a hegemonia dos comunolarápios na área cultural brasileira. Entretanto, os tiros de miséricordias em tais sicários estão sendo disparados continuadamente pelas baterias do general Olavo de Carvalho desde o míssil “O Imbecil Coletivo” e o invencível bastião de resistência representado pelo Curso Online de Filosofia-COF dele q é considerado ” o mestre
de todos nós” pelo digno jurista, Ives Gandra Martins.
Grande Constantino, espetacular.