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Esplanada dos Ministérios, em Brasília | Foto: Erich Sacco/Shutterstock
Edição 88

A farsa das instituições

O que poderia estar mais longe das necessidades reais de alguém do que um aglomerado como o Senado Federal, por exemplo?  

J. R. Guzzo
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As instituições brasileiras, essa nebulosa de altas entidades que mandam no Brasil e são consideradas tão essenciais para a sobrevivência dos brasileiros quanto o oxigênio e a água encanada, são um veneno. Não há nada, hoje em dia, que faça tão mal ao país quanto a soma de Congresso, STF, Judiciário em geral, Ministério Público, alta burocracia e, acima de tudo, a ordem constitucional em vigor. Não se trata de um mal que pertence ao mundo das ideias. Trata-se de forças presentes no mundo das coisas, e que operam de maneira francamente destrutiva contra o progresso, a distribuição de oportunidades e as formas mais elementares de justiça na sociedade brasileira. Sua conduta provoca prejuízo concreto, material e permanente para todos os cidadãos que não têm nenhum tipo de função pública — e naturalmente, como sempre ocorre quando uma conta tem de ser paga por todos os que estão sentados à mesa, o peso maior cai em cima dos que têm menos. As instituições são um desastre conceitual da classe média para cima. Dali para baixo elas são um câncer.

O mal causado pela operação desastrosa das instituições parece uma coisa distante — o que poderia estar mais longe das necessidades reais de alguém do que um aglomerado como o Senado Federal, por exemplo? Fica em Brasília. Lida com assuntos incompreensíveis para o cidadão comum. É ocupado por 81 desconhecidos da população; foram eleitos, por força do voto obrigatório, mas há anos os eleitores já esqueceram os seus nomes. Pouca gente seria capaz de dizer quais as suas funções. Não há notícia de que tenha produzido, nunca, alguma coisa de útil. Mas são ectoplasmas como os senadores da República, justamente, que levam as instituições brasileiras a serem a palhaçada perversa que são. Junto com muitos outros, eles forçam a máquina do Estado a funcionar decisivamente contra o interesse público — e é aí que operam como inimigos diretos da população. Não ajudam em nada. Prejudicam em tudo.

Um Supremo com dez talvez dê menos prejuízo que um Supremo com onze

O Senado, obviamente, não é o único nem o principal fator de degeneração progressiva das instituições. Apenas, neste preciso momento, é o que mais tem chamado atenção sobre sua própria ruindade. O que estão fazendo ali é simplesmente um escândalo. O presidente da Comissão de Justiça do Senado, que tem a seu cargo examinar as nomeações para uma série de cargos públicos de primeira grandeza, decidiu não colocar em apreciação o nome indicado para a vaga existente no STF. Por quê? Porque ele não quis e pronto. Não deu nenhum motivo decente para a sua recusa, que vem de ódios em via de processamento e interesses materiais contrariados; apenas proibiu que o nome apresentado pelo presidente da República fosse apreciado pelos demais senadores. Agora, pelo que foi noticiado, desistiu desse desvario e se prepara, afinal, para fazer o que já deveria ter feito desde o começo. Mas durante quatro meses impôs impunemente a sua vontade pessoal ao Estado brasileiro, com a plena cumplicidade do presidente do Senado e em meio à apatia dos demais. Por conta disso, ficou parada uma porção de outras nomeações e atos administrativos; a máquina oficial, que já anda a passo de lesma, passou a se mexer mais devagar ainda.

Senador Davi Alcolumbre | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Na prática, levando-se em conta a situação miserável que existe no topo do aparelho estatal, essa aberração poderia até estar tendo as suas vantagens. Um Supremo com dez talvez dê menos prejuízo que um Supremo com onze; é como time de futebol que tem jogador expulso e continua jogando tão mal quanto jogava com a equipe completa — mas não piora, o que já é alguma coisa. O mesmo se pode dizer dos outros cargos em aberto. Se não há ninguém numa cadeira qualquer, é menos um para fazer coisa ruim. Mas a malignidade desse episódio está na comprovação, à vista de todos, de que uma nulidade em estado integral, como é o caso do senador em questão, pode travar o funcionamento normal das preciosas instituições que estão aí. Para que serve este monumento todo à democracia, se qualquer zé-mané com carteirinha de alguma coisa pode parar a procissão na hora que bem entende? Basta o sujeito ter caído dentro desta ou daquela parte da engrenagem-matriz da máquina pública e pronto — o motor para de funcionar. O problema não é o efeito. É o tamanho do abuso.

Para piorar as coisas, o culpado pela desordem é um senador que vem de Roraima, um Estado que, com 650 mil habitantes, tem dentro do Senado exatamente o mesmo peso que São Paulo, com 46 milhões; democracia brasileira é isso. A insignificância do personagem apenas torna a situação toda ainda mais absurda. Não apenas um indivíduo sozinho, por decisão pessoal, pode colocar os demais oitenta senadores de joelhos e sabotar o funcionamento do Estado. Esse indivíduo, justo ele, é o retrato acabado do político de opereta — um tipo que bem poderia servir de inspiração para um daqueles quadros de Chico Anísio sobre a vida pública brasileira. Não faz nenhum nexo que exerça qualquer função que tenha um mínimo de relevância para o interesse comum. Pessoalmente é um zero — mas, pela ordem constitucional vigente, um personagem minúsculo como ele está autorizado a provocar um desastre de mil.

Instituições que funcionam desse jeito tornam inevitáveis as desgraças centrais do Brasil de hoje

Essa calamidade, como em geral acontece, não veio sem os seus enfeites. Numa particularidade que deixa a situação ainda mais parecida com o Brasil institucional dos nossos tempos, o tal senador está envolvido até o talo num grosseiro episódio de “rachadinha” — seis funcionárias da sua equipe, paga integralmente com dinheiro dos impostos, receberam durante cinco anos salários por volta dos R$ 14.000 por mês, mas só viam uns 10% disso. O esquema rendeu 2 milhões. O presidente da “Comissão de Justiça” nem se deu ao trabalho de desmentir. Disse que a história era com o seu “chefe de gabinete” — e voltou a bloquear a nomeação para o STF. Como tem status de antibolsonarista e, por consequência, virou figura-chave para a democracia, desfruta de imunidades completas por parte da mídia; pode matar a mãe, e não vai sair quase nada no jornal. O assunto apareceu, sumiu e todo mundo engoliu a explicação do “chefe de gabinete”. Um dia desses, pelo andar do cortejo, o homem ainda vai acabar sendo aplaudido de pé. “Rachadinha” e instituições — tudo a ver.

Instituições que funcionam desse jeito tornam inevitáveis as desgraças centrais do Brasil de hoje — desvio em massa dos recursos públicos para interesses privados, concentração de renda, um país governado o tempo todo para os sócios, amigos e donos do Estado, falta de oportunidades, desigualdade, subdesenvolvimento direto na veia, injustiça, prêmio a quem está nos galhos mais altos da árvore estatal, punição permanente para o trabalho. A calamidade do Senado é o retrato de uma sociedade inviável.

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