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Ilustração: Eames Bot/Shutterstock
Edição 96

Corrida pela sustentabilidade

Para melhorar a imagem, empresas entraram em uma corrida que busca a adoção das chamadas práticas ESG. Mas obter esse “selo" tem sido um processo confuso — e caro

Luis Kawaguti
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A necessidade de incorporar as práticas definidas pela sigla ESG (em inglês; para “meio ambiente, social e governança”) parece hoje um processo irreversível para empresas que queiram operar no Ocidente. Mas faltam definições padronizadas de como implementar e, principalmente, como medir o desempenho dessas práticas. Por isso, empresas estão investindo alto, de forma voluntária e por vezes desordenada em ESG. E assim alimentam um lucrativo mercado para consultorias e agências de classificação.

Em setembro de 1970, o economista Milton Friedman escreveu no jornal New York Times um ensaio intitulado “A responsabilidade social dos negócios é aumentar seus lucros”. Friedman refletia a ideia liberal de que as empresas têm de se preocupar com seus investidores e não com os impactos sociais, ambientais ou econômicos de seus negócios.

Em meados da década de 1990, essa visão do capitalismo começou a ser questionada. Mas as dúvidas só começaram a ganhar força em 2004, quando o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan (1938-2018), promoveu o relatório “Quem se preocupa ganha”, que sugeria ao mundo corporativo adotar práticas de sustentabilidade. Dois anos depois, a ONU lançou o documento “Princípios do Investimento Responsável”.

Em 2015, as Nações Unidas lançaram sua “Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável”, que estabeleceu 17 objetivos e 139 alvos. Ela é considerada hoje a base das ações de sustentabilidade no mundo.

Essa ideologia começou a migrar do campo da diplomacia para o ambiente de negócios só em 2020. Foi quando a BlackRock, uma das maiores gestoras de ativos do mundo, estabeleceu que a sustentabilidade passaria a ser um de seus critérios de investimento.

O recado foi reiterado nesta semana pelo CEO da gestora, Larry Fink, em sua carta anual a lideranças empresariais. Ele enfatizou que empresas devem ter preocupação social com seus funcionários e parceiros de negócios.

“Ou gera caixa, ou você quebra”

O mundo corporativo está de lá para cá correndo para adotar voluntariamente práticas de ESG, por entender que elas passariam a ser um diferencial para atrair ou afugentar investidores. A preocupação se deveu ao fato de que os ativos sustentáveis ao redor do mundo somavam a impressionante quantia de US$ 35 trilhões, segundo a Global Sustainable Investment Alliance.

Metas como redução das emissões de carbono e diversificação social do quadro de funcionários começaram a ser perseguidas. Tornou-se necessário contratar profissionais, criar departamentos e estruturas de gestão. “Implementar qualquer processo de governança aumenta os custos”, diz o analista de gestão de riscos Nelson Ricardo Fernandes Silva, da ARP Risk. “Você não pode sair criando metas em um curto espaço de tempo, porque vai acabar quebrando a empresa.”

Segundo Fernandes Silva, os investidores vão preferir apostar em empresas corretas. Mas no fim vão optar por investir no que dá mais lucro, para não quebrarem também. “O ESG tem importância, mas a importância primária é gerar caixa, ou você quebra. Ou seja, investir em ESG não necessariamente garante o futuro de uma empresa.”

A corrida pela sustentabilidade também deu margem ao surgimento de um grande número de consultorias e agências que se especializaram em classificação de ESG. Essas consultorias começaram a fazer levantamentos e pesquisas afirmando que a sustentabilidade melhora o desempenho empresarial. Em 2021, a Accenture divulgou um estudo global com 4 mil empresas, que foram avaliadas em práticas de ESG em 146 áreas. A conclusão: as mil primeiras do ranking, em média, tiveram resultados financeiros 21% mais altos em relação às mil mais mal colocadas no ranking ESG. Ou seja: quanto melhor a imagem em relação ao consumidor e maior a capacidade de inovação e retenção de talentos, melhor o desempenho da empresa.

A falta de uma régua

Por outro lado, o mercado mostra que investir em práticas sustentáveis por si só não é garantia de atração de investimentos nem de sucesso no mercado de ações. Um exemplo disso no mercado brasileiro é a Natura, que investe em diversas ações voltadas para o uso de ingredientes de origem sustentável e programas de combate ao desmatamento da Amazônia.

A empresa registrou queda de mais de 28% em seus lucros no terceiro trimestre de 2021. Entre as causas desse desempenho negativo estavam as interrupções nas cadeias de suprimentos, ambiente externo difícil, aumento da inflação e impactos da pandemia. Seus ativos chegaram a cair cerca de 17% em um dia.

Há conceitos amplamente difundidos, como fazer uso racional dos recursos naturais e melhorar as relações de trabalho

A área de energia é outro exemplo. Existe uma grande demanda por projetos de energia limpa, a ponto de fornecedores de componentes não conseguirem atender a todos os pedidos. Isso tem inflacionado preços e diminuído margens de lucro. A consequência é a migração de parte dos investidores para empresas de energia fóssil.

No agronegócio, consultorias prometem: quem adotar práticas ESG vai se diferenciar no mercado. Além disso, empresas europeias já ameaçaram não comprar produtos brasileiros, devido ao desmatamento na Região Amazônica. Na prática, a história é outra. É impossível imaginar como grandes compradores de commodities agrícolas conseguiriam substituir facilmente seus fornecedores.

A adoção de práticas de ESG vai ser um critério de investimento em uma parte das empresas (as de capital fechado não devem ser afetadas). O maior desafio do mercado tem sido medir a efetividade das políticas de sustentabilidade.

Há conceitos amplamente difundidos, como fazer uso racional dos recursos naturais, melhorar as relações de trabalho e seguir condutas éticas de administração. Mas não há uma padronização universal sobre como medir essas ações no ambiente corporativo.

Os canudinhos da discórdia

Um estudo da Universidade de Zurique (chamado “Confusão agregada: a divergência das avaliações de ESG”) identificou divergências de análise de dados em seis das maiores agências de classificação: KLD, Sustainalytics, Moody’s ESG (Vigeo-Eiris), S&P Global (RobecoSAM), Refinitiv (Asset4) e MSCI. O relatório mostra que as formas de mensuração são responsáveis por 56% das divergências; o escopo, por 38%; e os pesos diferentes dados a cada tipo de prática respondem por 6% das contradições.

Outro ponto é que o escopo do ESG é tão abrangente que, ao fazer uma mudança em determinado aspecto para melhorar uma área, pode prejudicar outra. Por exemplo: uma empresa pode investir muito dinheiro para melhorar suas práticas ambientais. Mas, ao fazer isso, abdica de melhorar o salário de seus funcionários.

Não adianta solucionar um problema e criar outro. A Starbucks, por exemplo, decidiu abolir o uso de canudos para reduzir o consumo de plástico. Mas adotou como substituto tampas que usam mais plástico que os canudos em sua confecção, segundo reportagem da revista Foreign Affairs. A empresa argumentou que as tampas são mais fáceis de reciclar.

Há diversas iniciativas do mercado e de governos que estabelecem critérios e padrões para medir e reportar práticas de sustentabilidade. Uma delas foi a criação do órgão Fundação de Reporte de Valor, formada por cinco instituições especializadas na área: SASB, GRI, IRF, CDP e CDSB. Ele é destinado a estabelecer parâmetros de ESG. Em paralelo, as maiores consultorias do mundo (Deloitte, Ernst & Young, KPMG e PwC) se uniram no âmbito do Fórum Econômico Mundial para tentar criar uma métrica que possa ser usada globalmente.

Críticos dizem que isso é como legislar em causa própria. Essas consultorias poderão ser contratadas para implantar projetos de ESG. Já o especialista em governança corporativa Rainer Lutke se diz otimista. “Quando um padrão for criado, todos poderão usar, não só as consultorias.”

Segundo o especialista, o entendimento mais recente, e que vem ganhando mais força, é a impossibilidade de aplicar o mesmo sistema de pesos na avaliação de ESG nas diferentes regiões do mundo. Ou seja, países ou regiões mais desenvolvidos terão de adotar ações mais rígidas. Aqueles com menores recursos vão ter avaliações mais brandas, que levem em conta suas dificuldades inerentes. Lutke afirma que isso vai ser positivo e melhorará o desempenho das empresas.

O risco do greenwashing

Outra questão que emerge da discussão de ESG é se as empresas privadas não estariam tentando assumir um papel que é do Estado. Ao tratar de temas de interesse público e direcionar os recursos de suas companhias, empresários podem onerar seus parceiros de negócios, funcionários ou consumidores. O que não seria democrático, na visão do artigo de Milton Friedman.

Ou seja: enquanto a iniciativa privada cria seus padrões, governos nacionais também estudam leis próprias para estabelecer métricas e formas de medir e reportar ações de ESG no mundo corporativo.

No Brasil, a Bolsa de Valores B3 trabalha em padrões próprios para medir a sustentabilidade corporativa

Um dos países mais avançados nesse campo são os Estados Unidos. Tramita no Senado americano a Lei de Melhoria de Governança Corporativa e Proteção do Investidor. Se for aprovada, ela pode estabelecer os parâmetros de sustentabilidade que as empresas vão ter de adotar para fazer negócios com as companhias americanas.

No Brasil, a Bolsa de Valores B3 trabalha em padrões próprios para medir a sustentabilidade corporativa. Neste mês de janeiro, a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) fez uma pesquisa com 900 instituições. Entre elas, gestoras de recursos de terceiros, bancos comerciais, corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários.

A entidade constatou que 44% das instituições não tinham nada sendo implantado ou concretizado na área de sustentabilidade. Em 38%, havia práticas em processo de implantação ou disseminação. E, em 18%, as práticas de ESG já estavam em funcionamento.

Entre as maiores dificuldades relatadas pelas instituições financeiras em incorporar práticas de ESG estão: 1) um entendimento distorcido dos profissionais sobre o que é sustentabilidade; 2) a falta de parâmetros e métricas; 3) a falta de manuais práticos; e 4) o risco de as empresas adotarem práticas de fachada, com medidas superficiais para servir apenas de propaganda (prática chamada de greenwashing).

Segundo Rainer Lutke, apesar de não haver ainda uma métrica ou padronização do ESG e de ter um longo caminho a ser percorrido, as empresas não devem esperar para se interessar pelo tema. Ele veio para ficar. O importante, segundo ele, é que as iniciativas sejam bem dosadas e realizadas de forma sustentável, sem comprometer a saúde financeira das companhias. Ainda será preciso investir muitos recursos para chegar às melhores práticas.

Leia também “O triunfo da mentira”

4 comentários
  1. Lucas Scatulin Bocca
    Lucas Scatulin Bocca

    Implantar ESG traz maior lucratividade OU empresas que são mais lucrativas são as que estão mais implantando ESG? Enfim, correlação pode ter sido observada, mas a relação de causa-efeito são “outros quinhentos”… Boa matéria. Abs!

  2. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Muito confuso, tudo que se vende tem que ter menor preço e melhor qualidade.

  3. Ricardo
    Ricardo

    agenda esg é agenda de controle. simples. globalismo marxista

  4. Jorge Alberto de Oliveira Marum
    Jorge Alberto de Oliveira Marum

    Excelente análise.

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