Um estudo multinacional interdisciplinar recentemente estabeleceu protocolos para a coleta de saliva com o objetivo de identificar biomarcadores da doença de Alzheimer. O objetivo dos pesquisadores é apoiar o avanço do diagnóstico por meio da saliva, um método não invasivo que pode detectar a doença antes mesmo dos primeiros sintomas.
Atualmente, os testes existentes para análise de secreções corporais só detectam o risco genético em algumas pessoas ou conseguem identificar as placas amiloides associadas à doença apenas depois que elas se instalam no cérebro. A maioria dos diagnósticos ainda depende de uma avaliação clínica, quando o paciente relata sintomas como esquecimento e confusão mental.
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O artigo com os resultados da pesquisa foi publicado no mês passado na revista Alzheimer’s & Dementia, da Alzheimer’s Association. O farmacêutico brasileiro Gustavo Alves, único representante da América Latina na pesquisa, destaca que o estudo é uma etapa “pré-analítica”, ou seja, que define como tratar a saliva para os testes.
“O grupo investiga a saliva como fluido diagnóstico e produzimos uma diretriz, indicando o preparo que precisa ter antes de ser analisada”, afirmou Alves. “É um grande passo.” Paralelamente, os pesquisadores conduzem estudos próprios para alcançar um diagnóstico de alta precisão para as demências.
Apesar do progresso, Alves lembra que o teste desenvolvido ainda está em fase de validação, portanto, “ainda não está sendo comercializado nem tampouco pode ser usado como diagnóstico”. Contudo, a expectativa é que esse avanço possibilite a popularização do exame, o que facilitaria a detecção precoce da doença.
“Na saliva existem biomarcadores, isto é, substâncias que podem estar associadas ao diagnóstico da doença de Alzheimer”, diz o pesquisador. “O impacto é muito grande, principalmente porque a saliva é de fácil coleta, não provoca dor nem risco de infecção, além de ter baixo custo.”
O estudo também reforça que a necessidade de biomarcadores acessíveis e de alta precisão para Alzheimer e outras demências é “urgente”. A proposta, segundo o texto, não é substituir outros exames, mas sim “facilitar a triagem generalizada, particularmente em grupos carentes”.
Gustavo Alves ressalta que um teste como esse, ao ser validado, poderia ser utilizado como triagem em atendimento primário, o que daria agilidade ao diagnóstico.
Os autores do artigo apontam ainda que a saliva é uma amostra altamente viável para o diagnóstico do Alzheimer e o monitoramento ao longo do tempo, devido à sua baixa invasividade e simplicidade de coleta, mesmo fora dos grandes centros de pesquisa.
O modelo não deve se tornar universal devido a características de cada região, mas permite a identificação, por exemplo, de biomarcadores como Aβ, tau, isoformas de pTau, NfL, GFAP e lactoferrina. Ou seja, amplia o potencial de usos futuros em diagnóstico de demências.
“O protocolo de padronização proposto é o primeiro passo”, disseram os pesquisadores. “Além disso, a disponibilidade de ensaios e tecnologias validados para coletar, estabilizar e quantificar proteínas em amostras de saliva será crucial.”
Se confirmado, novo teste pode transformar o tratamento de Alzheimer
Lucas Mella, psiquiatra especialista em neuropsiquiatria geriátrica e diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz) de São Paulo, enfatiza que os testes salivares ainda são “uma promessa”, sem comprovação de que podem fazer mesmo o diagnóstico, mas que poderiam transformar o cenário do tratamento caso sejam confirmados e estruturados corretamente.
“Esse teste pode ser usado de forma massificada na atenção primária por clínicos gerais ou médicos generalistas de forma a triar as pessoas que têm resultados alterados e encaminhá-las para avaliação”, diz ele.
Coordenador do Serviço de Psiquiatria Geriátrica e Neuropsiquiatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mella lembra que o diagnóstico precoce de demências ainda é restrito a centros especializados. “São testes menos acessíveis, por exemplo, de análise do líquido cérebro-espinhal ou de neuroimagem por tomografia de emissão de pósitrons, que são também de alto custo.”
Os novos testes com análise de sangue, por sua vez, são um avanço por serem menos difíceis que a coleta de líquido da medula óssea, mas ainda são caros. “A análise de saliva, sendo pouco invasiva e com baixo custo, traria um avanço em termos de diagnóstico precoce e o início do tratamento num momento mais oportuno, que é quando a doença ainda não está avançada”, diz ele.
Pesquisa do diagnóstico pela saliva começou em 2013
Gustavo Alves, pesquisador assistente na Unicamp e professor da Faculdade de Medicina São Leopoldo Mandic, tem investigado o uso da saliva no diagnóstico de Alzheimer desde 2013. “Durante esse período, analisamos a saliva de vários perfis de idade, com e sem a doença”, explica. Já foi possível verificar diferenças nas proteínas pesquisadas entre quem tem e quem não tem a doença.
“Agora precisamos definir nosso método e, a partir deste primeiro semestre, comprovar a viabilidade e apurar a técnica ideal”, diz Alves.
Os testes para detecção pela saliva foram realizados com um grupo de participantes selecionados, com e sem Alzheimer. O diagnóstico provável foi determinado por meio de uma série de exames, como hematologia, bioquímica, sorologia, ressonância magnética e testes neuropsicológicos.
“Nos meus estudos com os biomarcadores salivares, seleciono pacientes com a doença baseados nesses critérios e com diagnóstico definido por uma equipe médica”, explicou Alves. Os pacientes sem Alzheimer são mais jovens e não apresentam sintomas.
O professor diz que a ideia é ter a tecnologia pronta para coleta de saliva para diagnóstico de Alzheimer dentro de um a dois anos.
Alves relata que, quando começou a trabalhar com a saliva como diagnóstico, no doutorado, recebeu muitas críticas. ‘Não se acreditava em saliva como fluido para diagnóstico, mas logo vieram evidências que nos mostraram que havia um caminho ali, que seria possível buscar moléculas na saliva associadas ao Alzheimer.”
Atualmente, a saliva é usada para diagnosticar doenças como HIV, hepatite, câncer de mama e covid-19, e tem grande potencial para ajudar na detecção precoce do Alzheimer, que prevalece em 65% dos casos de demência.
“É uma doença que começa até 20, 25 anos antes dos primeiros sinais e sintomas”, diz o pesquisador. “Nosso projeto, nosso diagnóstico, tem como objetivo conseguir identificar essas alterações de biomarcadores antes que as placas comecem a se acumular no cérebro.”