Uma vontade irresistível de apostar, a certeza de que, desta vez, a sorte será favorável, a falta de controle sobre os gastos e a ausência de preocupação com as dívidas acumuladas são alguns dos comportamentos que caracterizam a dependência em bets.
De acordo com a Associação Americana de Psiquiatria, o transtorno do jogo é caracterizado por “um padrão de apostas repetidas e contínuas, apesar do ato gerar vários problemas na vida do indivíduo”. Mas o que acontece na mente de uma pessoa que sofre com o transtorno do jogo?
O cérebro do apostador
O psiquiatra Lucas Spanemberg, pesquisador do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), explica que a dependência de apostas tem uma origem semelhante a outros vícios, tanto os relacionados a substâncias (como álcool, nicotina e cocaína) quanto aos comportamentais (como sexo, alimentação e compras).
“A gente tem uma área no cérebro chamada sistema límbico, em que uma série de estruturas interconectadas formam um circuito de recompensa”, explica o médico, que também é docente da Escola de Medicina da mesma instituição “Elas são responsáveis pela sensação de gratificação.”
Atividades que nos proporcionam prazer — como o sexo, o consumo de alimentos que gostamos ou o convívio com pessoas queridas — geram a liberação do neurotransmissor dopamina nesse circuito. “E esse mecanismo é muito importante para a nossa sobrevivência e evolução como indivíduo e espécie”, observa Spanemberg em entrevista à BBC, publicada na terça-feira 19.
O problema surge quando certas substâncias e comportamentos liberam uma quantidade muito maior de dopamina nesse sistema cerebral. “Há certos fatores que entram no circuito de recompensa e pervertem toda essa experiência”, descreve o psiquiatra.
Leia mais:
“Vamos supor que, numa situação prazerosa normal, a dopamina é liberada numa intensidade 10”, calcula. “Quando estamos diante de um elemento aditivo, essa intensidade aumenta para 100”. Segundo Spanemberg, essa diferença cria um novo parâmetro de satisfação química no cérebro, o que “distorce a cognição” e gera a sensação de que é necessário repetir o comportamento.
“Aos poucos, a pessoa deixa de fazer coisas que seriam gratificantes e trariam uma escala de satisfação química normal para o cérebro, para algo que é aditivo e traz muito mais dopamina para esse circuito”.
+ Leia mais notícias de Saúde em Oeste
Como identificar e tratar o vício em bets
A Associação Americana de Psiquiatria define o transtorno do jogo como uma condição diagnosticada quando a pessoa apresenta pelo menos quatro dos seguintes sintomas:
- Pensamentos frequentes sobre apostas, como reviver apostas passadas ou planejar apostas futuras.
- Necessidade de apostar, com aumento da quantia gasta para alcançar o mesmo nível de excitação.
- Esforços repetidos e frustrados para controlar, diminuir ou parar de apostar.
- Inquietação ou irritabilidade ao tentar reduzir ou parar de jogar.
- Ver o jogo como uma forma de escapar de problemas ou do estresse.
- Depois de perder dinheiro ou algo valioso com apostas, sentir a necessidade de continuar jogando para “se vingar” — o que é conhecido como “perseguir” as perdas para superá-las.
- Depois de perder dinheiro ou algo valioso com apostas, sentir a necessidade de continuar jogando para “empatar”, ou seja, tentar recuperar o que foi perdido.
- Jogar quando se sente angústia.
- Mentir para esconder o quanto está envolvido com jogos de azar.
- Perder oportunidades importantes na vida pessoal e profissional por causa do jogo.
- Contar com a ajuda de outras pessoas para lidar com problemas financeiros causados pelo jogo.
Andrade destaca a relevância do apoio familiar e social no processo de diagnóstico. “Quando a gente fala de jogo, algo muito comum é o indivíduo mentir e mascarar as perdas ou a quantidade de vezes que aposta”, observa Andrade.
Leia também: “Por que só as bets podem?”, reportagem de Amanda Sampaio e Anderson Scardoelli publicada na Edição 222 da Revista Oeste