Letícia Jacintho e Vanessa Fellet Cunha*
Que o agronegócio brasileiro é cada vez mais moderno, competitivo e sustentável; e que gera divisas, riqueza e oportunidades profissionais, não há dúvidas. Nos últimos 40 anos, o crescimento é extraordinário e consistente. E os resultados também: a receita das 500 maiores empresas do agro alcançou R$ 1,4 trilhão no país em 2022 — equivalente ao Produto Interno Bruto da Argentina.
Existe um risco, porém, para a continuidade da atividade agroindustrial no país nos próximos anos ou décadas, e isso faz parte de um contexto sociodemográfico que, muitas vezes, escapa ao radar do setor.
O Brasil sofre um processo de envelhecimento de sua população, trazendo desafios para a sucessão empresarial no campo. A idade média do nosso agricultor ainda é relativamente baixa, em torno de 46 anos, contra 58 do norte-americano. Na Europa, para cada produtor com menos de 40 anos, existem três acima de 65.
Nos Estados Unidos, pouco mais de 60% dos agricultores tinham mais de 55 anos em 2017 e atingirão a idade de aposentadoria até 2027. Assim, mais da metade das fazendas dos EUA começarão a passar por transições de propriedade nos próximos anos. Na Europa, subentende-se que o problema é ainda mais urgente.
Mesmo com uma certa “folga etária”, o assunto da sucessão também precisa entrar na ordem do dia. Em 2012, o Brasil tinha quase 5 milhões de jovens entre 16 a 32 anos que ajudavam na lida da roça. Mas em uma década, o campo perdeu mais de um milhão de jovens trabalhadores.
É importante destacar ainda que mais de cerca de 80% dos empreendimentos no setor são de base familiar, ou quase 4 milhões de propriedades. E, a cada geração, diminui o porcentual dos herdeiros (filhos, netos) dispostos a “assumir o bastão” e levar adiante a gestão dos empreendimentos agrícolas.
Claro que a sucessão familiar no agronegócio é um processo complexo e gradual, que inclui a preparação das novas gerações com planejamento, comunicação eficaz, capacitação, mudança nas relações de poder, soluções práticas e preocupação com a segurança econômico-financeira. Mais que a transferência de gestão e patrimonial, ela também envolve a continuidade de práticas culturais, históricas e tradicionais de produção e cultivo.
Todavia, aqui também precisamos destacar a importância da imagem atual que o agronegócio tem para crianças e jovens como um fator de formação de visão pessoal e profissional e para despertar vocações. Pesquisa recente encomendada pela De Olho no Material Escolar à FIA/USP mostrou que as menções negativas ao setor na escola (ensino fundamental e médio) são 60% a mais que as positivas ou neutras. E quase a totalidade do que os estudantes veem sobre o setor não têm base científica, sendo de viés autoral ou opinativo.
A De Olho trabalha para melhorar esse quadro e os conteúdos adotados na base do Programa Nacional do Livro e do Material Didático. Entre outras iniciativas, levamos aproximadamente 20 mil estudantes e professores para conhecer a realidade do campo no projeto “Vivenciando a Prática”, e recentemente lançamos uma Agroteca Digital na internet com vídeos, aulas, infográficos e outros materiais educativos, com curadoria da Esalq, acesso gratuito e linguagem descomplicada.
Enfrentar os desafios da sucessão familiar é essencial para preservar o legado familiar e contribuir para o desenvolvimento sustentável do setor agrícola. Acreditamos que a educação é um dos caminhos. Plantando sementes, colheremos o futuro.
Leia também: “O controle da linguagem”, artigo de Rodrigo Constantino publicado na Edição 182 da Revista Oeste
* Letícia Jacintho e Vanessa Fellet Cunha são da associação De Olho no Material Escolar
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