A rotina imposta pela pandemia de covid-19 abalou todo mundo. Separar as tarefas domésticas das atividades profissionais e manter a saúde física e mental em dia, além de conciliar tudo isso com a autocobrança, construíram uma nova realidade nunca enfrentada.
Durante dois anos foi preciso transformar uma casa em escritório. Dessa forma, o que era antes um refúgio virou um pesadelo para milhões de pessoas ao redor do mundo. De acordo com levantamentos feitos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 90% da população mundial sofre com estresse em seu dia a dia.
Apesar de as mudanças terem afetado a vida de todos, nunca as mulheres, ou pelo menos boa parte delas, andaram tão exaustas. O acúmulo de funções, como mães, parceiras e profissionais, contribuiu para o surgimento de um esgotamento reconhecido até mesmo pela OMS como “doença ocupacional”.
Sua principal característica é o estado de tensão emocional provocado por condições de trabalho desgastantes. A síndrome de burnout (ou síndrome do esgotamento profissional) desenvolve sintomas que se refletem em atitudes como agressividade, mudanças bruscas de humor, dificuldade de concentração, ansiedade, depressão, pessimismo e baixa autoestima.
Foi em setembro deste ano que S.S. apresentou a sua última crise de burnout. Deste então, a bancária de 40 anos, que preferiu não ser identificada nesta reportagem, foi afastada de vez do trabalho. Como mãe de duas crianças, ela conta que a jornada de trabalho dupla dentro da própria casa contribuiu para o desenvolvimento da síndrome.
“É muito difícil conciliar a maternidade com o home office”, afirma S.S. “Ficar dentro de casa me causou um senso de responsabilidade gigantesco, onde tive que dar conta de tudo. Dessa forma, fiquei focada apenas no trabalho excessivo, o que praticamente me impediu de socializar.”
Esgotamento, palpitação e nó na garganta
A história da bancária se comprova nas estatísticas. Embora o peso de desempenhar o equilíbrio entre maternidade e trabalho seja visível há décadas, a covid-19 jogou luz no problema. Segundo uma pesquisa feita pela empresa de consultoria Great Place to Work em parceria com a startup de saúde Maven, mães com empregos remunerados têm 23% mais chances de sofrer de burnout que pais empregados.
A síndrome pode piorar quanto mais elevada a posição na carreira profissional, porque maiores são as responsabilidades, as cobranças e os problemas domésticos. No caso de S.S, o sentimento de incapacidade em desempenhar suas funções ressurgia todas às vezes que algum superior a designava para enfrentar um novo desafio.
“Reuniões difíceis, acúmulo de funções no banco, cobrança excessiva e troca de áreas sem respaldo para conhecer primeiramente as atividades me deixavam nervosa”, relata. “Essa exigência toda me provocou muito sofrimento. Chorei por me sentir esgotada, senti muita palpitação e desenvolvi um nó na garganta que chegava a provocar falta de ar.”
O termo burnout, de origem inglesa, representa algo que deixou de funcionar por exaustão de energia, no sentido de esgotar, de não conseguir mais cumprir as funções que foram determinadas. E pesquisas mostram que as funcionárias do sexo feminino estão cada vez mais cansadas.
Um levantamento conduzido em 2020 pela consultoria McKinsey mostrou que aproximadamente 28% dos homens e 32% das mulheres sofreram com burnout. Já em 2021, a pesquisa revelou que 42% das mulheres apresentaram sintomas de alteração de cunho psicológico, relacionado a uma exaustão física e mental. Por outro lado, cerca de 35% dos homens foram diagnosticados com o mesmo problema.
Para a psicanalista Paloma Carvalhar, a síndrome afeta mais mulheres do que homens por uma questão de construção social. “As mulheres historicamente têm essa questão de acumular mais tarefas”, explica a profissional da área de saúde mental. “Então vem a maternidade, as questões de casa, a própria vida pessoal, a rotina intensa do trabalho e assim por diante.”
Como combater o burnout?
Apesar de o conceito de burnout ter surgido nos EUA em meados dos anos 1970, foi apenas em janeiro deste ano que o Brasil reconheceu a síndrome na Classificação Internacional de Doenças da OMS. Agora, os trabalhadores diagnosticados com o estresse crônico estarão previstos nos mesmos direitos trabalhistas e previdenciários assegurados no caso dos demais distúrbios mentais. Em casos mais graves, o empregado pode ter direito à aposentadoria por invalidez depois de enfrentar uma perícia médica do INSS.
Considerado pela International Stress Management Association como o segundo país com maior número de pessoas afetadas pela síndrome em 2019, o Brasil se encontra hoje com mais de 30 milhões de pessoas diagnosticadas com a doença.
Segundo a psicanalista Paloma Carvalhar, o ideal é que a pessoa portadora dos sintomas da síndrome de burnout passe por uma avaliação psicológica e física. Além disso, ela defende cada vez mais empatia com os funcionários, tendo em vista que problemas de saúde mental também afetam o faturamento das empresas.
“A pandemia ajudou a tornar o burnout mais conhecido”, explica Paloma. “Ajudou porque antes os espaços eram mais delimitados entre trabalho e vida pessoal. Com a chegada do coronavírus, isso mudou completamente. O trabalho estava dentro de casa ao mesmo tempo em que as tarefas domésticas se acumulavam.”
Contra o estresse crônico, existem algumas estratégias que ajudam a atravessar essa fase complexa de trabalhar dentro de casa. O tratamento da síndrome de burnout inclui atividade física regular e exercícios de relaxamento. Em casos mais graves, como no caso da bancária S.S, são altamente recomendados o uso de antidepressivos e sessões de psicoterapia para ajudar a controlar os sintomas.
“Ficar mais tempo off-line e menos on-line, ter contato diário com a natureza, manter um checkup médico constante e criar um hábito de alimentação mais saudável também ajudam a controlar o burnout“, recomenda Paloma Carvalhar.
Interessante como é relatado o padecer feminino na matéria. Em termos matemáticos, irrefutáveis portanto, as mulheres vivem no Brasil em média 7 anos a mais que os homens, e ficam 13 anos e meio mais tempo desfrutando da aposentadoria. É sabido que até os diagnósticos na atualidade necessitam ser “fashion”. Desta maneira pode a autora da matéria especificar a qual categoria nosológica do CID 10 corresponde o “Burnout” ?
A OMS nunca classificou burnout como doença nem como doença ocupacional, ao contrário do que tem sido amplamente divulgado nos meios de comunicação no Brasil. Publicou nota onde informa “burnout não é classificado como uma condição médica.” e também: “inclui motivos pelos quais as pessoas entram em contato com serviços de saúde, mas que NÃO SÃO CLASSIFICADOS COMO DOENÇAS OU CONDIÇÕES DE SAÚDE.” Para acessar a Nota Oficial da OMS onde isso está registrado, basta dar um google em “ WHO 28 burnout” e abrir o link. A origem de toda a confusão está no fato de que as teorias sobre burnout são surpreendentemente frágeis ou mesmo absurdas.
Exato. Mas nesse passo caminha o direito. Não precisa mais fatos objetivos, basta o “sentir”.