O Brasil oferece todos os dias lições espetaculares em matéria de concentração de renda – e na demonstração permanente de que é governado, cada vez mais, por um sistema de castas que se coloca acima de qualquer possibilidade de reforma. Funciona assim: a cada vez que o poder público toma alguma decisão que vai afetar a vida de todos, as prioridades de 1 a 100 vão para quem está nos galhos de cima da árvore, os únicos que realmente contam. Quanto a quem está nos galhos de baixo – bem, quem é mesmo essa gente? Eles não existem para quem decide as coisas, e, se existirem, podem ir todos para o raio que os parta.
Não muda nunca. As castas superiores recebem tudo, o tempo todo; as castas inferiores não recebem nada, em tempo algum. É claro que você ouve falar o contrário, dia e noite – mas, na vida real, e na hora de resolver, ninguém que manda de fato em alguma coisa neste país pensa no preço que 80% da população brasileira, ou mais, vai pagar por suas decisões. Não é que os viajantes da primeira classe não gostem dos demais; é que eles não são capazes, simplesmente, de considerar que existem pessoas em outros mundos que não seja o seu. O “distanciamento social”, que há um ano se tornou a ideia fixa das castas mais elevadas, é com certeza um dos grandes clássicos de todos os tempos dessa onda de selvageria social.
Nada serve para entender isso tão bem quanto a devoção religiosa ao “#fique em casa” e, ao mesmo tempo, a absoluta impossibilidade de se aplicar as regras do confinamento à imensa maioria da população. É simples: esse povo não pode ficar em casa porque precisa sair todos os dias para se manter vivo. Também precisa, por este mesmo detalhe, aglomerar-se no metrô, em ônibus e em trens – só em São Paulo, são cerca de 8 milhões de pessoas por dia – para ir ao trabalho e para suprir suas necessidades. Moram em fins de mundo que a casta superior só vê na janela dos seus SUVs. Levam de duas a até três horas e meia para ir de casa ao trabalho, e outro tanto para voltar, todos os dias. Em seu mundo não há serviços. Não há delivery, nem “trabalho remoto”, nem possibilidade de se manter distância do vizinho. Fazer apenas o “essencial”, como ordenam os militantes da quarentena, significa fazer tudo o que está proibido. Pior – ignorar as regras é indispensável para manter intocado o padrão de vida e o bem-estar dos gestores do distanciamento; sem “aglomeração” não há delivery.
Os médicos e “cientistas” que prestam serviços de marketing aos governos, os marqueses da alta burocracia e o restante da turma que toma as decisões não entendem que há milhões de pessoas, a maioria disparada da população, que não podem cumprir as suas ordens e sobreviver. “Protocolos” da Prefeitura de São Paulo, como relata a repórter Priscila Mengue, do Estadão, recomendam “mobilidade a pé”, ou por bicicleta, e desaconselham entrar em ônibus cheios. Maria Antonieta não faria melhor com os seus brioches. Se onde o povo mora não existe nem calçada, como é que alguém vai pensar em ciclovia?
O mundo do “distanciamento social” é, no fundo, o mesmo dos salários extravagantes de juízes, promotores e outros ases do funcionalismo público. É o mundo que vai da canonização das empresas estatais às “imunidades parlamentares”, das aposentarias com vencimentos integrais à ausência de ricos nas penitenciárias. É o mundo onde as empreiteiras recebem cinco vezes mais pelas obras que constroem – e às vezes nem constroem. É tudo pinga da mesma pipa; para as castas de cima, entrega-se a renda, para as castas de baixo, o serviço de motoboy.
Que ouçam as pregações pela igualdade – e façam a próxima entrega.
Artigo excepcional, realista e de cortar o coração!
Neste mundo que o cidadão comum tropeça todos os dias estão seus vereadores e prefeitos. Os eleitores acreditam em suas promessas nas eleições e vislumbram a possibilidade de melhorias quando esses – então candidatos- lhes prometem um paraíso com o qual sonham. Paraíso apenas com emprego, postos de saúde, creches, policiamento e escolas. Mal sabem – ou se sabem fingem que não sabem- que o federalismo no Brasil jamais permitirá que os seus candidatos cumpram qualquer promessa, por mínima que seja. Prefeituras Brasil afora gastam quase que todos os seus parcos recursos com suas folhas de pagamento de pessoal e aposentadorias, mais um pouquinho para as sucateadas escolas, mais um cadinho para sua parte no mambembe SUS e lá se foi todo o dinheiro. Vejo nessas pessoas – porque convivo com elas- um distanciamento abissal com seu Deputados e Senadores. Não sabem mais em quem votaram e porque votaram neles. Brasília é vista como outro país, muito distante, com o qual jamais terão acesso. Quando converso com eles sobre STF , Câmara, Congresso , PGR , TUC , Lava Jato , etc. percebo semblantes de paisagem , perplexos, alienados civicamente , como pessoas que morassem noutro país e não entendessem nossa língua. Não entendem. E pior: não querem entender, pois como disse Guzzo estão preocupados com suas sobrevivências, e por enquanto é só , e já é o bastante. Outro dia perguntei a um grande grupo: o Prefeito eleito por vocês pertence a que partido? Não sabiam. Ninguém sabia. E os vereadores então? Nada. Vou encerrar lhes dizendo onde eu fiz esta pesquisa e avalição: na sala de aula de uma turma do oitavo período de administração. Isso. Pessoas simples que trabalhavam o dia todo e depois se dirigiam à Faculdade – particular- ainda vestindo seus uniformes de supermercados e planos de saúde ou do trailer de hambúrguer. Mal conseguiam assistir às aulas. Não tinham como fazer seus trabalhos acadêmicos, o cansaço lhes vencia sempre, junto com a má alimentação e a perspectiva de que ainda teriam que enfrentar uma Van ou um ônibus para chegar em casa perto de meia noite. Um dia na sala de aula, ao tenta levantar um pouco o moral da turma lhes apresentei oportunidades reais de emprego e casos de sucesso. Uma das alunas se levantou e contra argumentou: não sairemos daqui. Vamos trabalhar no comércio. É o que tem para nós. Não sei como sairemos deste estado de coisas, mas temo em breve há possibilidade fática de uma guerra civil de ricos contra pobres. Ou o PIB cresce, ou os empregos aparecem, ou as oportunidades se apresentam ou vamos viver venezuelamente. Ou já vivemos?
Tudo em nome da ciência!
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Eu gosto do #FicaEmCasa, só que não!. Eu sou um dos aposentados GOURMET. Tomo vinho, vejo Netflix,Amazon,Net. Peço pão, frios, doces na padaria que prontamente um motoboy de mascara, álcool gel me entrega. As sextas feiras mais delivery “pizza” novamente um motoboy educado de mascara me serve uma pizza gourmet, e tomo junto com bom vinho primitivo italiano. Peço mercado, horti Frute, tenho viketa de lixo, uber sempre pessoas me servindo. Domingo faço almoço macarrão pene alho e óleo e camarão com ervas finas. E assim eu um aposentado ABASTADO e ABESTADO enquanto pessoas de verdade me servem, apesar ser do grupo de risco que sou agradeco o meu muito Obrigado a esses profissionais, obrigado e que Deus abençoe. #StfDaVergonha #JoaoDoriaHipocrita
O conflito não é de classe social, mas do estamento burocrático contra o povo, seja rico ou seja pobre.
Obrigado Oeste por publicar este artigo, sublime J.R . Guzzo , alguém escute ele
A pandemia da FOME é a pior pandemia do Mundo. Crianças do primário sabem disto.
os adeptos do “fique em casa” não vivem no mundo dos fatos, mas no mundo das narrativas, no mundo dos fatos fome mata mais que covid
Nas periferias de BH proseguem, semanalmente, intocados( e intocaveis) ) os bailes funk, madrugada adentro, armas à mostra. Nenhum “fiscal do covid” jamais aparece por lá.
Como se diz aqui: eles são burros mas não são bestas. Rsrsrsrs
Desse jeito mesmo. Aí a gente tem que ver jornalistas ou datilógrafas se orgulharem de estarem quarentenados há meses fingindo não ver que o motoboy do ifood ou restaurante chique não podem quarentenar-se também.