As enchentes das últimas semanas em Porto Alegre foram as maiores já ocorridas na cidade e do Estado. Mas não foram as primeiras. E nem motivo de surpresa para aqueles que conhecem a geografia e o histórico da região, o que é um forte indício de que as autoridades não se prepararam de forma adequada para o fenômeno. A famosa enchente de 1941 ganhou não somente estudos geográficos, mas também contornos literários.
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O jornalista Rafael Guimaraens, em livro publicado nos anos 2000, a Enchente de 1941, conta com detalhe o ocorrido, na mesma época. Entre 10 de abril e 14 de maio de 1941, choveu, em 22 dias, 619,4 milímetros.
Outras cidades também sofreram com as tempestades, como Santa Maria (905,3 milímetros), Soledade (895,0 milímetros) e Passo Fundo (425,4 milímetros), conforme lembra texto de O Nacional. Nas chuvas mais recentes, municípios do Estado registraram mais de 800 milímetros de água acumulada, de acordo com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
“A cada chuva forte, as águas dos rios Jacuí, Caí, Gravataí e Sinos convergem ameaçadoramente em direção à cidade”, conta Guimaraens no livro. “Como a capital gaúcha está situada apenas três metros acima do nível do mar, a população permanece constantemente vulnerável. O Guaíba transborda e alaga as áreas mais baixas da cidade.”
O livro traz relatos e fotos de testemunhas e locais da época, quando o número de habitantes em Porto Alegre era em torno de 272 mil. Em 2023, pelo Censo, a cidade tinha 1.332.570 habitantes. A obra sobre a inundação nos anos 40 também relata que a tempestade quebrou a rotina da cidade de forma “violenta”, o que causou pânico e desespero.
Não se encontrou um número oficial de mortos. Mas perto de 70 mil pessoas deixaram suas casas. A informação é de que mais de 600 empresas reabriram somente meses depois. E muitas nem reabriram.
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Um dos que presenciaram o drama foi o poeta Mário Quintana. Para descrever o assombro causado pela situação em 1941, ele criou um poema, chamado “Reminiscências”, incluído no livro Sapato Florido. Que dizia o seguinte:
“Entrava-se de barco pelo corredor da velha casa de cômodos onde eu morava”, inicia o poeta. “Tínhamos assim um rio só para nós. Um rio de portas a dentro. Que dias aqueles! E de noite não era preciso sonhar: pois não andava um barco de verdade assombrando os corredores?”
Nem mesmo a enchente de 1941 foi novidade. É algo recorrente, conforme lembra o portal Medium. Em 1873, entre setembro e outubro, a altura do Guaíba subiu 3,50 m por causa das chuvas; em 1914, em setembro, 2,60 m; em 1926, em setembro e outubro, 3,12 m; em 1928, no mês de outubro, 3,20 m; em 1936, em setembro, 3,22 m; em 1941, nos meses de abril e maio, 4,75 m; em 1967, em setembro, 3,13 m; em 1983, no mês de setembro, 2,32 m e em 1984, 2,50 m.
As águas continuaram a cair, e o rio a subir, a partir dos anos 2000. Em 2002, chegaram a 2,46 m; em 2015, a cota de 2,94 m; em 2016, a 2,65 m; em 2023, a 3,18 m e 3,46 m e em 2024, a 5,33 m.
Causas semelhantes, conhecidas décadas depois
A causa da enchente de 1941, como a de agora, foi o El Niño, que, no entanto, foi identificado somente quatro décadas depois. O El Niño é um fenômeno natural no qual há um aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico próximas à Linha do Equador, onde a água mais quente do oceano está confinada.
A água é levada por ventos, na direção oeste, para outros continentes. Entretanto, por alguma razão, os ventos causam o El Niño, porque perdem força e mudam de direção, o que os faz chegar à América do Sul. O fenômeno ocorre a cada período de cinco a sete anos.
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No Brasil, diz o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o fenômeno aumenta a possibilidade de seca no norte das regiões Norte e Nordeste e de chuvas intensas no Sul.
Isto porque a água da superfície do Pacífico, bem mais quente do que o normal, evapora com maior intensidade. O ar quente, então, sobe para a atmosfera mais alta, leva umidade e produz grande quantidade de nuvens carregadas.
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No último boletim da Defesa Civil gaúcha, as mais recentes enchentes afetaram 1.456.820 pessoas. Pelos números até o momento, 107 morreram e 128 estão desaparecidas. Na manhã de domingo 5, o Rio Guaíba atingiu seu maior nível já registrado e chegou à marca de 5,33 m.
Uma das iniciativas resultantes da enchente de 1941, foi a aceleração com urgência da canalização do Arroio Dilúvio, já iniciada em 1939. Agora, certamente, será preciso muito mais.
Tudo errado e invencionismo a extrema direita. O que causou a inundação foi o aquecimento global somado ao fator Bolsonaro.
Boa lembrança do Mário Quintana. Eu entrevistei ele na primeira feira do livro de Caxias do Sul. FAz tempo. O levantamento está correto. Só que outras regiões foram atingidas em 1941, principalmente nos campos de Cima da Serra. Eu também escrevi, claro que não sou famoso. Coloquei uma pitadinha que eu escrevi no meu site e repiquei no facebook esta semana. O meu avô contava que a enchente no interior de São Francisdo de Paula levou duas serrarias água abaixo e quem sabe as toras chegariam em Porto Alegre…