O assassinato do delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) na última sexta-feira, 8, no Aeroporto de Guarulhos, reflete a espiral do avanço do crime organizado, que pulveriza as áreas de atuação para lavar dinheiro e lucrar com o tráfico de drogas. A reportagem é do jornal O Estado de S. Paulo.
Ex-funcionário de uma das maiores construtoras da cidade, Antonio Vinicius Lopes Gritzbach fechou acordo de delação premiada em abril com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e já havia dado detalhes sobre o envolvimento da facção no mercado imobiliário e no futebol.
+ Leia mais notícias de Brasil em Oeste
No entanto, outras operações do MP-SP e das polícias já tinham revelado a presença do PCC no poder público municipal, na transformação do bairro do Tatuapé, em base de luxo dos chefes da facção, além do investimento em igrejas e bitcoins.
Estudos ainda apontam a diversificação das rotas da venda de cocaína e a atuação de facções na gestão de garimpos ilegais no país.
PCC no transporte público
Em abril deste ano, o MP-SP realizou a Operação Fim da Linha, a maior já feita contra a infiltração da facção no poder público municipal no país.
Na ocasião, duas das maiores empresas de ônibus da capital, UPBus e a Transwolff, foram acusadas de ter sido criadas com dinheiro do PCC.
Quatro pessoas foram presas sob suspeita de fazer parte do cartel montado pelo crime organizado para se apossar do chamado Grupo Local de Distribuição, do sistema municipal de transportes, em que estão as empresas que atuam nos bairros da capital.
A prefeitura decretou intervenção nas empresas de ônibus e disse colaborar com as investigações.
Transformação do Tatuapé na “Little Italy“
A Operação Fim da Linha também apontou os tentáculos do PCC no setor imobiliário, com investimentos em diversos apartamentos de luxo no Tatuapé, na zona leste da capital. Os empreendimentos são usados para lavar dinheiro da facção.
Desde 2018 a polícia realiza revistas em endereços suspeitos. Em um deles, foram apreendidos dois fuzis, uma submetralhadora, cinco pistolas e um revólver.
Leia também: “Veja quais são as 3 principais hipóteses da execução de delator do PCC”
De acordo com as investigações, os imóveis foram registrados em nome de empresas de fachada e de laranjas, a fim de ocultar os verdadeiros donos: membros da facção, entre eles pessoas ligadas a Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola.
“É a nossa Little Italy, a nossa Sicília”, disse Fábio Bechara, promotor do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco)
Segundo o Estadão, todas essas circunstâncias levaram as polícias e o Ministério Público a concluírem que o bairro se transformara na primeira base de luxo para criminosos que deixaram favelas de São Paulo e enriqueceram com o tráfico internacional de drogas.
Investimento do PCC em igrejas, bitcoins e futebol
A facção também tem diversificado as formas de lavar dinheiro e esconder os ganhos com o tráfico internacional. Entre as estratégias, segundo a reportagem, estão desde criptomoedas, fintechs até o uso de igrejas.
As investigações ainda apontam o elo entre dirigentes e empresas que cuidam da carreira de jogadores de futebol e a facção.
Os crimes investigados por enquanto não têm relação com atletas, cartolas nem clubes, mas o Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) apura se a origem dos recursos para a negociação de atletas foi o tráfico de drogas.
Domínio das facções nos presídios
Segundo mapeamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública, ao menos 88 organizações criminosas atuam nos presídios brasileiros. Os dados foram divulgados pelo Estadão em setembro.
Apesar do número elevado, os dados apontam o domínio e a influência de duas facções: PCC, de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), no Rio de Janeiro.
Elas são as únicas com abrangência nacional, o “ápice” das organizações criminosas. Seus negócios afetam todos os países vizinhos, elas fornecem armas e drogas, e seus membros precisam pagar contribuições mensais para fazer parte do grupo.
Leia também: “Veja trechos da delação premiada de empresário assassinado pelo PCC”
Diversificação das rotas da venda de cocaína
Em relatório divulgado em junho deste ano, pesquisadores revelaram que o PCC tem expandido o envio de cocaína para a África Ocidental, para tentar diversificar as rotas e alcançar diferentes regiões da Europa.
Por lá, o grama da droga rende muito mais financeiramente do que em vizinhos do Brasil, como Colômbia, Peru e Bolívia.
A estimativa do MP-SP revela que a facção movimenta US$ 1 bilhão ao ano. O tráfico transcontinental é central para a expressiva movimentação de riqueza.
Leia também: “Ouça áudio que mostra negociação pela morte de delator do PCC”
Adulteração de combustíveis pelo PCC
Deflagrada em fevereiro pelo Gaeco do MP-SP em parceria com outros órgãos, uma investigação identificou um possível elo de um esquema de adulteração de combustíveis com bandidos ligados ao PCC.
As investigações mapearam que alguns dos donos das empresas investigadas têm vínculo com o PCC. Para esconder esses elos, o esquema teria usado “laranjas” para tentar manter distância das investigações.
O Instituto Combustível Legal (ICL) estima que há indícios de atuação do PCC com mais de 900 postos de combustíveis, por vezes usados pela facção também para lavar dinheiro obtido com o tráfico de drogas.
Impulsionamento de crimes ambientais
Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública alerta para a expansão da atuação de facções na gestão de garimpos ilegais no país.
Segundo as informações, nos últimos anos, grupos criminosos encontraram no ramo um meio para lavar dinheiro sujo e uma estrutura logística útil ao escoamento de drogas e de armas por dentro da Floresta Amazônica.
No Tapajós, há registros de que o CV já utiliza a logística de garimpos. A nova preocupação é que o próprio grupo assuma a gestão de frentes de garimpagem ilegal como nova atividade ilícita para aumentar sua força econômica.
Leia também: “Quem é o motorista que morreu em execução do PCC no Aeroporto de Guarulhos”
Em 2023, a presença do PCC no Território Indígena Yanomami já tinha ficado evidente.
A atuação dos criminosos, que ocorre ao menos desde 2019, alterou radicalmente a vida no local, com garimpeiros que passaram a andar armados com fuzis e a usar roupas pretas, conforme apontado pelo relatório “Ianomami Sob Ataque”.