Enquanto milhões de estudantes ao redor do mundo têm o direito de decidir onde, com quem e de que forma querem aprender, os brasileiros são obrigados a submeterem-se à vontade do Estado. Hoje, o ensino domiciliar — ou homeschooling — é reconhecido, permitido ou regulamentado em mais de 60 países. Na América do Sul, abrange apenas Colômbia, Chile, Equador e Paraguai. A exemplo de nações vizinhas, como o Peru e a Argentina, o Brasil não tem uma legislação federal que possa dar segurança às mais de 7,5 mil famílias que hoje são adeptas da prática no país, conforme o mais recente levantamento da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned).
Há uma semana, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou uma medida que regulamenta o ensino domiciliar no Estado. Segundo o projeto, os pais ou responsáveis passam a ter plena liberdade para decidir sobre a educação dos filhos, desde que comuniquem a decisão à Secretaria da Educação do município onde residem. A fiscalização ficará a cargo do Conselho Tutelar e das secretarias municipal e estadual da Educação. O governador do Estado, Eduardo Leite (PSDB), tem até 1° de julho para sancionar o projeto.
Bem diferente do que imagina a maioria da pessoas, o homeschooling não necessariamente significa a criança ou o adolescente terem aulas dentro de casa, com os pais como tutores. Muitos praticantes do ensino domiciliar frequentam cursos livres, têm aulas online ou presenciais com professores particulares ou em instituições de ensino espalhadas pelo mundo. Existem diversas subcategorias da modalidade.
A discussão sobre a legalização do homeschooling ganhou força depois de divulgada a história de Elisa de Oliveira Flemer, de 17 anos. Em 23 de abril, a jovem foi aprovada em quinto lugar no curso de engenharia da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Contudo, a Justiça impediu a garota de ingressar na faculdade e iniciar os estudos. Em 2018, a jovem trocou o ensino médio na escola pelo estudo por conta própria. Elisa estuda seis horas por dia, seguindo um método próprio, passou em vestibulares de faculdades privadas e tirou quase 1.000 na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). No início de maio, ela recebeu uma bolsa para estudar no Vale do Silício, nos Estados Unidos. O juiz Randolfo Ferraz de Campos, do Tribunal Justiça de São Paulo, concedeu uma liminar à garota para que pudesse ingressar na USP, mas ela acabou desistindo da briga jurídica.
O deputado federal Marcel Van Hatten (Novo-RS), vice-presidente da frente parlamentar do homeschooling, apresentou um depoimento de Elisa durante a reunião sobre o Projeto de Lei que regulamenta a modalidade. Entre outras coisas, a jovem rebate o argumento segundo o qual a socialização dos estudantes ficaria prejudicada longe da escola.
“O único momento em que me senti isolada no homeschooling foi no começo, por medo da falta de regulamentação. Tinha medo de contar para as pessoas que estava estudando em casa, porque eu ficava pensando ‘Meu Deus, e se alguém contar para as autoridades, se vier alguém bater na minha porta pedindo para eu voltar para a escola, o que era o meu pior pesadelo’”, contou Elisa. “Eu tive muitas oportunidades ricas de interação. Fiz várias aulas à tarde, fiz teatro, dança, música, kung-fu. Interagi com pessoas muito mais velhas, muito mais novas, da minha idade. Eu também trabalho, então interajo com profissionais de várias áreas, idades, profissões e histórias. Falo com clientes, faço pagamentos, recruto pessoas. Eu tive um grande leque de interações, que não teria na escola”.
Na reunião do PL que regulamenta o homeschooling, ouvimos a história de Elisa Flemer (17), que passou no vestibular da USP. Ela foi impedida de se matricular em razão de não ter concluído o ensino médio em uma escola regular e não ter diploma. pic.twitter.com/Gd7HJyeyYp
— Marcel van Hattem (@marcelvanhattem) June 19, 2021
As aflições de Elisa são as mesmas de Nicolas Deguchi, que hoje mora no Canadá, da filha de Elvis Armeliato, morador de Amparo, no interior de São Paulo, e de tantos outros homeschoolers brasileiros. Essas e outras histórias estão detalhadas na reportagem Homeschooling, o ensino sem as mãos do Estado, publicada na mais recente edição de Oeste.
A USP acha natural seu alunos usarem drogas no campus, fecha os olhos a destruição do seu patrimônio que é público, mas não socorre a aluna super qualificada. Que vergonha!